OTELLO NO TEATRO COLÓN DE BUENOS AIRES. CRÍTICA DE FERNANDO TARRAGÒ GROVERMANN NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


 










Crítica à ópera Otello, Teatro Colón Temporada 2013, Récita 27/7/2013


“Todas as belezas contém, assim como todos os fenômenos possíveis, algo de eterno e algo de transitório, de absoluto de particular. A beleza absoluta e eterna inexiste, ou melhor, é uma abstração empobrecida na superfície geral das diferentes belezas. O elemento particular das belezas vem das paixões, e como temos nossas paixões particulares, temos nossa beleza particular”. (Baudelaire)

A emblemática frase do poeta e crítico musical referido serve de alerta. Antes de começar a crítica, como preâmbulo, acho importante salientar alguns critérios, principalmente a abstração de minhas paixões particulares por cantores do passado e referir que assistir ópera ao vivo em teatro é muito diferente de assistir vídeos do MET, COVENT GARDEN e ARENA DE VERONA disponível para compra em uma grande livraria. Somente ali, no teatro, naquela hora mágica onde o espetáculo está se desenvolvendo ao vivo é que podemos ver como soa uma voz. Como é a técnica do cantor. Como é seu desempenho como ator. Como é sua musicalidade. A ópera tem essa magia, acredito eu, e tento explicar ao meu filho de 14 anos, que ela resiste ao tempo justamente por reunir todas as artes (música, teatro, dança e as belezas tão bem sintetizadas na frase de Baudelaire) mesmo na época da globalização e da web onde tudo tem que ser rápido.


Na noite do dia 27/7/2013, estive no Teatro Colón em Buenos Aires assistindo Otello com o seguinte elenco: José Cura, tenor argentino, Otello, Desdemona ,Carmen Giannattasio, soprano italiano, Iago, Caros Alvarez, Cassio, Enrique Folger, Lodovico, Carlos Esquivel, Emilia, Guadalupe Barrientos, Roderigo, Fernando Chalabe, Montano, Mario de Salvo, Heraldo, Fernando Grassi. Orquestra Estable del Teatro Colón, Coro Estable del Teatro Colón e Coro de Niños del Teatro Colón, Massimo Zanetti, Director de Orquestra. A direção cênica e os desenhos ficaram a cargo de José Cura. Aqui a título de informação, para aqueles que não o sabem, o famoso tenor do passado Mário Del Monaco também desenhava o cenário de algumas óperas que participava pois também era um excelente pintor. Talvez José Cura fazendo o mesmo seja uma coincidência?









Ao início ouvimos uma voz dizendo: “Aqui quem fala é José Cura. Hoje é uma noite muito triste para nós. Queremos dedicar o espetáculo a Roberto Oswald (famoso diretor de cena que atuou por muitos anos no Teatro Colón) que faleceu essa semana. O pano se abrirá e o sino tocará oito vezes. E assim o foi. Antes de a música começar ouvimos ainda a leitura de um texto de Cervantes onde dizia que ele foi aprisionado pelos mouros. No libreto há toda uma análise psicanalítica da obra.

Vozes potentes dos coralistas do Colón anunciam a tempestade. O navio do mouro está em perigo. A orquestra soa portentosa. Chega José Cura e canta exultate. Vocalmente se saiu bem. A voz parecia fria, normal no início de uma performance. Bela figura visualmente e vocalmente tinha tudo para ser um excelente Otello. Mas não o foi.  Ali percebi que não era ator-cantor.  A medida que o espetáculo foi avançando percebi que estava certo. Cura é um ator medíocre.  Como lhe foi entregue a importante tarefa de dirigir cenicamente todos os outros cantores?


Para minha surpresa a desconhecida(pelo menos para mim) Desdemona, o soprano italiano Carmen Giannattasio e o barítono Carlos Álvarez compensaram as falhas de José Cura. Carmen é uma mulher muito bonita, uma excelente atriz, possui um domínio técnico de sua voz que lhe permitia matizar os sons do forte ao piano. Importante salientar que o Teatro Colón é como o Estádio Beira-Rio (Estádio do meu time o Internacional), ou seja, muito grande, o público, de Grenal, para cantar ali o cantor tem que além de ter no mínimo voz média ou grande ou bem projetada, está diante de um público que entende do espetáculo por uma tradição que vem de muitos anos. Os pianíssimos de Carmen soavam inteiros em todo o teatro. Já no dueto Gia nella notte densa se saiu muito bem, quando cantou a Ave-Maria e o duo Dio ti Giocondi percebemos tratar-se de uma cantora de primeira linha. Carlos Alvarez é um excelente ator, encarna toda a psicopatia do personagem Iago, movimenta-se no palco como se estivesse em sua própria casa. Sua voz é muito grande, brilhante e possui um técnica primorosa. O ponto alto da ópera foi ele, sem dúvida nenhuma, quando cantou o Credo. A orquestra foi muito bem dirigida por Massimo Zanetti. Alguns andamentos achei muito rápidos. Principalmente o dueto Ora per sempre adio. As trompas desafinaram em alguns momentos. Os demais cantores secundários se saíram bem.

Necessário fazer uma explicação a respeito de José Cura e minhas impressões a respeito dele. Sua voz é própria para o papel de Otello. Ele canta bem, possui boa técnica e é musical. Cantou muito bem todas as árias e conjuntos. Fiquei impressionado inclusive quando cantou Dio! Mi potevi scagliar..., não houve exageros, o mesmo aconteceu no Nium mi tema.  Foi refinado, quando tinha que mandar voz nos fortíssimos o fez, como por exemplo, na frase “O gloria!  Otello fu”. Tinha tudo para ser um ótimo Otello mas não o foi. Em termos cênicos é medíocre. Sua arte é artificial. Tudo é pensado e soa falso.   Há uma grande distância do José Cura cantor e do ator. Se fecharmos os olhos dentro do Teatro Colón estamos ouvindo realmente Otello. Mas se abrirmos os olhos e prestarmos atenção vamos ver que é só a voz.

O cenário era simples mas muito bem planejado. Estilo teatro de Brechet diz o libreto.  Um círculo com três ambientes. A praça, o quarto de Desdemona e Otello e o Salão do Castelo. Dentro daqueles ambientes toda trama se desenrolava. Como se houvesse um corte cirúrgico que permitia à plateia ver tudo que se passava.

A direção cênica teve momentos os quais achei lamentáveis. Antes de cantar o dueto Si, per ciel, Otello dá um tapa no rosto de Cássio. O modo como foi feito foi muito falso. Desdemona sentada a beira da cama com as mãos nos joelhos como uma adolescente do nosso tempo cantando a ave-maria é algo inconcebível.

Ao final todos foram ovacionados. Eu aplaudi muito. Pois foi um espetáculo muito bonito. Apesar de acreditar nas coisas que expus anteriormente acredito que foi o melhor espetáculo que assisti ao vivo até hoje.

Infelizmente, o tenor argentino não tem o mesmo carisma do Papa, que também é argentino.

Fernando Tarragò Grovermann
Bacharel em Direito
pianista e cantor lírico amador.
 

Comentários

  1. Marcelo Lopes Pereira9 de agosto de 2013 às 10:22

    Infelizmente, não sei por quais razões, não teremos Othello aqui em São Paulo, nem nessa temporada, nem na próxima. Sem dúvida nenhuma ela seria indispensável no ano do bicentenário, só a ópera Aïda, apesar da grandiosidade é muito , muito pouco para que Verdi fosse homenageado à altura !

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