ROSSINI NO MUNICIPAL DO RIO: COM A OSB ÓPERA & REPERTÓRIO, É CLARO. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Ópera “O Turco na Itália” foi apresentada, em forma de concerto, na última sexta-feira.
Il Turco in Italia (O Turco na Itália), ópera-bufa em dois atos de Gioacchino Antonio Rossini, sobre libreto de Felice Romani, com base num libreto homônimo de Caterino Mazzolà, foi levada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 16 de agosto. Obviamente, a apresentação, em forma de concerto, não se deu pela programação própria do Municipal, um teatro sem qualquer compromisso com a ópera (leia mais sobre essa falta de compromisso clicando aqui) e totalmente descompromissado com Rossini, compositor simplesmente ignorado pela casa.
É evidente, portanto, que tal apresentação só poderia ter sido realizada, como o foi, pela Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório, em sua Série Ônix. Foi um bom concerto, mas com ressalvas. Começando por estas, a primeira coisa que chamou a atenção foi a utilização de um piano, e não de um cravo, para o acompanhamento dos recitativos da ópera, o que demonstrou certa displicência por parte dos responsáveis pela apresentação. A Fundação OSB não tem um cravo à disposição? O Municipal não tem um cravo que pudesse ceder à orquestra, já que não o usa para nada mesmo?
Pareceu desleixo, assim como foi preocupante ouvir, já pela segunda vez depois de um concerto da OSB O&R, que o número de ensaios foi insuficiente. As séries de óperas em forma de concerto do conjunto são as únicas séries líricas realmente sérias apresentas no Rio de Janeiro atualmente, visto que as óperas encenadas esparsamente pelo próprio Municipal compõem uma programação indigna para um teatro de ópera do seu porte. Até por conta disso, espera-se maior zelo por parte da FOSB para as próximas apresentações, assim como a disponibilização de instrumentos adequados às necessidades da partitura.
Ressalvas registradas, volto a Rossini. A obra, estreada no Teatro alla Scala em 14 de agosto de 1814 (portanto, há exatos 199 anos) conta a história da visita de um turco, Selim Damelec, à Itália. Lá, ele encontra Fiorilla, uma jovem e fogosa napolitana, casada com Don Geronio, um homem bem mais velho que ela e que já está em seu segundo casamento. Fiorilla tem um amante, Don Narciso, que, assim como seu marido, fica enciumado com a aproximação entre a jovem e o turco Selim. Este está dividido entre Fiorilla e Zaida, que fora sua escrava na Turquia e por quem ainda é apaixonado. A trama esquenta quando as duas resolvem brigar pelo amor de Selim. O turco tem a ideia de raptar Fiorilla, já que Geronio não concorda em vendê-la, como é o costume na terra de Selim. Toda a comédia é circundada e conduzida pelo poeta Prosdocimo, que busca inspiração para escrever uma peça de teatro. Após as reviravoltas de praxe, tudo se ajeita, a moral é restabelecida e exaltada e todos terminam felizes, com Selim retornando à Turquia com Zaida.
A OSB O&R, desta vez sob a condução do regente israelense Yuval Zorn, teve um bom desempenho geral durante a noite, ainda que metais solistas vacilantes tenham sido notados na abertura da ópera, e apesar de alguns desencontros entre orquestra e solistas – que acabam ocorrendo em música muitas vezes executada em marcha veloz, principalmente quando os ensaios não são suficientes para que se procedam os devidos ajustes.
Um Coro arregimentado para a ocasião, bem preparado por Priscila Bomfim, cantou muito bem. Foi tocante o trecho em que os marinheiros turcos expressam seu encantamento com o céu da Itália. Coube a Priscila Bomfim, também, acompanhar os recitativos ao piano.
Dentre os solistas, a mezzosoprano Laura Aimbirê (Zaida) teve uma noite bastante insatisfatória, exibindo uma voz embaçada e de timbre desagradável. O tenor Jacques Rocha não comprometeu na pequena parte de Albazar, alcançando razoável rendimento em sua ária, Ah, sarebbe troppo dolce.
O barítono Igor Vieira interpretou o poeta Prosdocimo com inteligência. Muito boa foi sua participação no terceto Un marito scimunito! Já o tenor Luciano Botelho enfrentou bem as dificuldades da partitura de Don Narciso, o amante da protagonista. Chamou a atenção sua interpretação da ária Tu seconda il mil disegno.
O barítono Leonardo Páscoa foi um ótimo Don Geronio. Desde sua cavatina (Vado in traccia d’una zingara), passando pelo terceto mencionado no parágrafo anterior, pelo delicioso dueto com Fiorilla (Per piacere alla signora) e pelo não menos delicioso dueto bufo com Selim (D’un bell’uso di Turchia), com seus característicos ataques de tagarelice, o solista apresentou uma voz potente, bem projetada e ágil, bastante adequada à partitura. Uma grande pena foi o corte de sua ária bufa do segundo ato, Se ho da dirla, que nem sempre consta de apresentações desta ópera, talvez por ser uma espécie de apêndice inserido por Rossini posteriormente (versão de Roma, 1815).
A soprano lírico coloratura Cláudia Azevedo, que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro nesta sexta-feira, demonstrou ser uma exímia rossiniana. A solista gaúcha, que já trabalhou com Alberto Zedda no Rossini Opera Festival de Pesaro (a cidade natal do mestre), é dona de uma voz graciosa, de belo e claríssimo timbre, e dotada de grande agilidade, pautada em técnica precisa. Como eu não a conhecia, a soprano foi para mim a grande revelação da noite. E ela brilhou tanto em sua cavatina (Non si dà follia maggiore), quanto em sua ária do segundo ato (Se il zefiro si posa), nos dois duetos com Selim (Serva… /Servo… e Credete alle femmine) e no dueto já citado com Geronio. Artista que certamente merece atenção, Claudia Azevedo cantará, ainda este ano, a parte de Musetta na produção de La Bohème no Municipal de São Paulo, em dezembro próximo.
Coube ao baixo-barítono Lício Bruno interpretar o turco do título. Como Selim, o artista pôde demonstrar toda sua versatilidade vocal e capacidade histriônica. O mesmo cantor que, há poucas semanas, viveu o drama do deus Wotan na Valquíria de Wagner estava agora às ordens da buffoneria rossiniana. Com sua voz ao mesmo tempo potente, ágil e bastante expressiva, o solista ofereceu excelente performance em passagens como a pequena cavatina Bella Italia alfin ti miro e nos duetos supracitados com Fiorilla e Geronio. Uma das características mais amplamente reconhecidas em Lício Bruno é seu talento para a representação cênica. Mesmo numa apresentação em forma de concerto, com caras e bocas e alguns pequenos gestos, ele consegue dominar o palco e concentrar as atenções.
Numa ópera de Rossini, os números de conjunto sempre têm grande destaque. E não foi diferente desta vez. Além dos duetos e do terceto acima mencionados, outros importantes momentos da noite foram o quarteto do primeiro ato Siete turchi, non vi credo (Fiorilla, Selim, Geronio, Narciso), todo o finale deste primeiro ato (participação de todos os solistas mais o coro) e ainda o belíssimo quinteto do segundo ato Oh, guardate che accidente! (Geronio, Narciso, Zaida, Selim, Fiorilla), cantado em parte a cappella e de caráter bem rossiniano.
O próximo e último concerto da Série Ônix nesta temporada trará, em 29 de novembro, a ópera A Carreira do Libertino, de Igor Stravinsky, sob regência de Jamil Maluf e com, dentre outros, Emilio Pons, Elizabeth Caballero e Carolina Faria. Antes, em 31 de outubro, a OSB O&R apresenta em sua Série Ágata, sob a regência de Abel Rocha, as óperas Trouble in Tahiti, de Bernstein, e O Segredo de Susanna, de Wolf-Ferrari.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
Il Turco in Italia (O Turco na Itália), ópera-bufa em dois atos de Gioacchino Antonio Rossini, sobre libreto de Felice Romani, com base num libreto homônimo de Caterino Mazzolà, foi levada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro no dia 16 de agosto. Obviamente, a apresentação, em forma de concerto, não se deu pela programação própria do Municipal, um teatro sem qualquer compromisso com a ópera (leia mais sobre essa falta de compromisso clicando aqui) e totalmente descompromissado com Rossini, compositor simplesmente ignorado pela casa.
É evidente, portanto, que tal apresentação só poderia ter sido realizada, como o foi, pela Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório, em sua Série Ônix. Foi um bom concerto, mas com ressalvas. Começando por estas, a primeira coisa que chamou a atenção foi a utilização de um piano, e não de um cravo, para o acompanhamento dos recitativos da ópera, o que demonstrou certa displicência por parte dos responsáveis pela apresentação. A Fundação OSB não tem um cravo à disposição? O Municipal não tem um cravo que pudesse ceder à orquestra, já que não o usa para nada mesmo?
Pareceu desleixo, assim como foi preocupante ouvir, já pela segunda vez depois de um concerto da OSB O&R, que o número de ensaios foi insuficiente. As séries de óperas em forma de concerto do conjunto são as únicas séries líricas realmente sérias apresentas no Rio de Janeiro atualmente, visto que as óperas encenadas esparsamente pelo próprio Municipal compõem uma programação indigna para um teatro de ópera do seu porte. Até por conta disso, espera-se maior zelo por parte da FOSB para as próximas apresentações, assim como a disponibilização de instrumentos adequados às necessidades da partitura.
Ressalvas registradas, volto a Rossini. A obra, estreada no Teatro alla Scala em 14 de agosto de 1814 (portanto, há exatos 199 anos) conta a história da visita de um turco, Selim Damelec, à Itália. Lá, ele encontra Fiorilla, uma jovem e fogosa napolitana, casada com Don Geronio, um homem bem mais velho que ela e que já está em seu segundo casamento. Fiorilla tem um amante, Don Narciso, que, assim como seu marido, fica enciumado com a aproximação entre a jovem e o turco Selim. Este está dividido entre Fiorilla e Zaida, que fora sua escrava na Turquia e por quem ainda é apaixonado. A trama esquenta quando as duas resolvem brigar pelo amor de Selim. O turco tem a ideia de raptar Fiorilla, já que Geronio não concorda em vendê-la, como é o costume na terra de Selim. Toda a comédia é circundada e conduzida pelo poeta Prosdocimo, que busca inspiração para escrever uma peça de teatro. Após as reviravoltas de praxe, tudo se ajeita, a moral é restabelecida e exaltada e todos terminam felizes, com Selim retornando à Turquia com Zaida.
A OSB O&R, desta vez sob a condução do regente israelense Yuval Zorn, teve um bom desempenho geral durante a noite, ainda que metais solistas vacilantes tenham sido notados na abertura da ópera, e apesar de alguns desencontros entre orquestra e solistas – que acabam ocorrendo em música muitas vezes executada em marcha veloz, principalmente quando os ensaios não são suficientes para que se procedam os devidos ajustes.
Um Coro arregimentado para a ocasião, bem preparado por Priscila Bomfim, cantou muito bem. Foi tocante o trecho em que os marinheiros turcos expressam seu encantamento com o céu da Itália. Coube a Priscila Bomfim, também, acompanhar os recitativos ao piano.
Dentre os solistas, a mezzosoprano Laura Aimbirê (Zaida) teve uma noite bastante insatisfatória, exibindo uma voz embaçada e de timbre desagradável. O tenor Jacques Rocha não comprometeu na pequena parte de Albazar, alcançando razoável rendimento em sua ária, Ah, sarebbe troppo dolce.
O barítono Igor Vieira interpretou o poeta Prosdocimo com inteligência. Muito boa foi sua participação no terceto Un marito scimunito! Já o tenor Luciano Botelho enfrentou bem as dificuldades da partitura de Don Narciso, o amante da protagonista. Chamou a atenção sua interpretação da ária Tu seconda il mil disegno.
O barítono Leonardo Páscoa foi um ótimo Don Geronio. Desde sua cavatina (Vado in traccia d’una zingara), passando pelo terceto mencionado no parágrafo anterior, pelo delicioso dueto com Fiorilla (Per piacere alla signora) e pelo não menos delicioso dueto bufo com Selim (D’un bell’uso di Turchia), com seus característicos ataques de tagarelice, o solista apresentou uma voz potente, bem projetada e ágil, bastante adequada à partitura. Uma grande pena foi o corte de sua ária bufa do segundo ato, Se ho da dirla, que nem sempre consta de apresentações desta ópera, talvez por ser uma espécie de apêndice inserido por Rossini posteriormente (versão de Roma, 1815).
A soprano lírico coloratura Cláudia Azevedo, que estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro nesta sexta-feira, demonstrou ser uma exímia rossiniana. A solista gaúcha, que já trabalhou com Alberto Zedda no Rossini Opera Festival de Pesaro (a cidade natal do mestre), é dona de uma voz graciosa, de belo e claríssimo timbre, e dotada de grande agilidade, pautada em técnica precisa. Como eu não a conhecia, a soprano foi para mim a grande revelação da noite. E ela brilhou tanto em sua cavatina (Non si dà follia maggiore), quanto em sua ária do segundo ato (Se il zefiro si posa), nos dois duetos com Selim (Serva… /Servo… e Credete alle femmine) e no dueto já citado com Geronio. Artista que certamente merece atenção, Claudia Azevedo cantará, ainda este ano, a parte de Musetta na produção de La Bohème no Municipal de São Paulo, em dezembro próximo.
Coube ao baixo-barítono Lício Bruno interpretar o turco do título. Como Selim, o artista pôde demonstrar toda sua versatilidade vocal e capacidade histriônica. O mesmo cantor que, há poucas semanas, viveu o drama do deus Wotan na Valquíria de Wagner estava agora às ordens da buffoneria rossiniana. Com sua voz ao mesmo tempo potente, ágil e bastante expressiva, o solista ofereceu excelente performance em passagens como a pequena cavatina Bella Italia alfin ti miro e nos duetos supracitados com Fiorilla e Geronio. Uma das características mais amplamente reconhecidas em Lício Bruno é seu talento para a representação cênica. Mesmo numa apresentação em forma de concerto, com caras e bocas e alguns pequenos gestos, ele consegue dominar o palco e concentrar as atenções.
Numa ópera de Rossini, os números de conjunto sempre têm grande destaque. E não foi diferente desta vez. Além dos duetos e do terceto acima mencionados, outros importantes momentos da noite foram o quarteto do primeiro ato Siete turchi, non vi credo (Fiorilla, Selim, Geronio, Narciso), todo o finale deste primeiro ato (participação de todos os solistas mais o coro) e ainda o belíssimo quinteto do segundo ato Oh, guardate che accidente! (Geronio, Narciso, Zaida, Selim, Fiorilla), cantado em parte a cappella e de caráter bem rossiniano.
O próximo e último concerto da Série Ônix nesta temporada trará, em 29 de novembro, a ópera A Carreira do Libertino, de Igor Stravinsky, sob regência de Jamil Maluf e com, dentre outros, Emilio Pons, Elizabeth Caballero e Carolina Faria. Antes, em 31 de outubro, a OSB O&R apresenta em sua Série Ágata, sob a regência de Abel Rocha, as óperas Trouble in Tahiti, de Bernstein, e O Segredo de Susanna, de Wolf-Ferrari.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
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