UMA AIDA EM GRANDE ESTILO. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Vozes equilibradas e belíssimos cenários marcam o início da era John Neschling no Municipal paulistano.
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Nesta sexta-feira, 09 de agosto, o Theatro Municipal de São Paulo apresentou sua segunda ópera nesta temporada – a primeira sob os cuidados diretos do maestro John Neschling. Aida, ópera em quatro atos e sete cenas de Giuseppe Verdi, sobre libreto de Antonio Ghislanzoni, foi a obra escolhida pelo diretor artístico da casa para começar a imprimir sua marca na tradicional casa de ópera paulistana.
O leitor interessado encontra um resumo da gênese da criação de Aida e uma pequena análise de sua música na crítica que publiquei quando da montagem carioca para a mesma obra-prima verdiana em abril passado (clique aqui para ler).
A equipe responsável pela produção paulistana é quase toda composta por italianos (apenas o coreógrafo é espanhol), e, para a tristeza de eventuais xenófobos de plantão, o resultado alcançado é de muito bom nível. Conforme Neschling havia prometido, é uma Aida para o Municipal guardar com carinho para futuras remontagens.
A concepção do diretor Marco Gandini, clássica segundo suas próprias palavras em entrevista a João Luiz Sampaio no Estadão, funciona muitíssimo bem. Nos dias atuais, levar à cena uma montagem mais próxima das tradições exige verbas generosas e/ou grande criatividade, pois tal opção necessita ser muito bem executada para se tornar convincente. Não sei dizer exatamente de quanto Gandini dispôs para colocar sua Aida no palco; sei, porém, que o diretor, que já trabalhou com Franco Zeffirelli e em teatros como o Metropolitan e o Scala, domina a sua arte. Também muito bom é o seu trabalho de direção dos solistas. O coro, por outro lado, fica mais estático.
Esta concepção clássica encontra sua expressão visual nos belíssimos cenários de Italo Grassi, ao mesmo tempo belos, criativos e funcionais. Não há, na verdade, muitos cenários diferentes: o cenógrafo utiliza grandes blocos e placas e outros elementos que, a cada troca de cena, são movimentados e posicionados de diversas formas. Isso e mais a utilização inteligente dos elevadores do palco fazem surgir de maneira bastante criativa cada ambiente da ópera. O expediente não é nenhuma novidade, mas nunca o vi ser tão bem executado, e a sensação proporcionada é a de se estar diante do estereotipado (mas nem por isso menos belo) Egito dos faraós. É importante registrar, ainda, que as laterais e a parte superior do palco são quase sempre fechadas pelos cenários – uma raridade em nossos teatros de ópera.
Cada ambientação criada por Grassi é ainda mais valorizada pela magnífica luz de Virginio Levrio, que cria por vezes grandes contrastes, como o sol escaldante do deserto que precede as grandes cenas corais contrapondo-se à iluminação bem mais intimista de cenas como a dos aposentos de Amneris e aquela que encerra a ópera. Completam esta eficiente encenação os excelentes figurinos de Simona Morresi, bem elaborados e executados; e a correta coreografia de Marco Berriel, bem interpretada pelos integrantes do Balé da Cidade de São Paulo, com especial destaque para seus solistas.
Diante de uma belíssima encenação com esta, chega a ser engraçado que, nessas horas, só se vê na plateia diretores como Lívia Sabag, que sabe, como poucos, colocar no palco uma produção lírica. Já certos diretores brasileiros que pensam que sabem dirigir ópera não foram vistos no Municipal. Por que será? Vergonha? Falta de humildade para apreciar coisa bem melhor do que eles fazem habitualmente? Ou seria porque, na verdade, não gostam de ópera, e só vão à ópera quando é para ganhar cachê?
Na récita de estreia, o Coral Lírico, preparado por Mário Zaccaro, teve ótima atuação em todas as suas intervenções, com destaque para suas belas e expressivas vozes femininas. A Orquestra Sinfônica Municipal esteve muito bem sob a batuta de John Neschling, que conduziu a ópera com a precisão que já era de se esperar de um regente do seu porte. Com a chegada do maestro ao Municipal paulistano, e depois de sua passagem memorável pela OSESP, é natural esperar por um grande refinamento da sonoridade da Sinfônica da casa. Percebe-se, no entanto, que ainda há o que fazer nesse sentido. Tal trabalho, claro, ainda está no início, e o futuro me parece bastante promissor.
Dentre os solistas, a soprano brasileira Laryssa Alvarazi não comprometeu como a Sacerdotisa, enquanto o tenor brasileiro Eduardo Trindade convenceu na pequena parte do Mensageiro. Já o baixo brasileiro Carlos Eduardo Marcos repetiu em São Paulo o ótimo Faraó visto no Rio de Janeiro em abril, com um belo porte e uma voz segura e bem projetada.
O barítono inglês Anthony Michaels-Moore, como Amonasro, foi quem menos entusiasmou. Com boa projeção nos agudos, mas médios e graves menos satisfatórios, sua voz demonstrou certo desequilíbrio, que destoou do ótimo nível geral. Melhorou um pouco, mas só um pouco, no terceiro ato. Já o tenor norte-americano Gregory Kunde compôs um bom Radamés. Sem ser perfeito, mas com boa projeção, um belo timbre dramático e ótimo fraseado, o artista convenceu como o duce egípcio.
Mais um brasileiro (o quarto, vejam só!), o baixo Luiz-Ottavio Faria foi um excelente Ramfis. Soa um pouco repetitivo descrever, como já fiz tantas vezes, as características de sua magnífica voz, mas sigo em frente: excelente projeção, lindo timbre, belo fraseado, afinação precisa, além de sua majestosa presença, tudo isso contribuiu para mais uma de suas impecáveis caracterizações, desta vez como o implacável grão-sacerdote egípcio.
A mezzosoprano finlandesa Tuija Knihtlä foi uma ótima Amneris, digna de grande respeito. Dos belos graves aos ótimos agudos, todos muito bem projetados, a artista convenceu como a ciumenta filha do Faraó. Defendeu muito bem sua grande cena no quarto ato, sendo bastante aplaudida.
A soprano uruguaia Maria José Siri ofereceu em São Paulo uma excelente Aida. Exceto por uma pequena falha no dueto final com Radamés, quando sua voz emudeceu por uma fração de segundos durante a emissão de um pianíssimo, a cantora teve uma noite de gala. Desde o trio inicial com Radamés e Amneris, passando por suas duas grandes árias, os duetos com Amneris, Amonasro e Radamés, até chegar à cena final, Siri apresentou uma voz segura, bem projetada (que furou o coro na cena triunfal como recomenda o manual) e bastante expressiva. Uma grande Aida, bem melhor que a italiana Cedolins que cantou a mesma parte no Rio de Janeiro.
Não foi preciso grande esforço para constatar o acerto geral desta Aida, e é claro que em tudo há o dedo de John Neschling. O maestro está de volta a São Paulo e as ovações que ele recebeu do público quando assumiu o pódio para dar início à noite e com que foi agraciado nos agradecimentos finais mostram a falta que ele estava fazendo. A próxima ópera a ser levada no Theatro Municipal de São Paulo é Don Giovanni, de Mozart, em sete récitas a partir de 12 de setembro.
Temporada 2014
Recentemente, Neschling anunciou a temporada lírica do Municipal paulistano para o próximo ano. Serão oito óperas: O Trovador, Falstaff, Carmen, Così fan tutte, Salomé, La Bohème (remontagem da produção de 2013), Cavalleria Rusticana/I Pagliacci e Tosca. Pode-se discordar de alguns títulos, eu discordo de alguns, mas não se pode negar que é uma temporada de respeito.
De minha parte, por exemplo, não faria um novo Falstaff logo no ano seguinte à montagem do mesmo título no Theatro São Pedro, na mesma cidade. Também considero que La Bohème deveria ser retomada pela própria Sinfônica Municipal, deixando para a Experimental de Repertório um título mais raro, respeitando seu histórico. Por outro lado, é excelente a notícia de que Salomé será dirigida pela sensível e perfeccionista Lívia Sabag; assim como uma dobradinha Cavalleria/Pagliacci é sempre imperdível, principalmente se o tenor for dos bons.
Uma preocupação é a interrupção do ciclo wagneriano O Anel do Nibelungo, quando faltará apenas uma ópera para a sua conclusão. Cobrei isso do maestro após a récita, e ele me informou que completará a tetralogia, fazendo Siegfried, em 2016. Antes, fará Tristão e Isolda em 2015. Questionado sobre a apresentação do ciclo completo, Neschling respondeu: “Se eu continuar aqui depois de 2016, aí farei o ciclo completo”. A conferir, portanto.

Leonardo Marques

Fonte: http://www.movimento.com/

 

Comentários

  1. Marcelo Lopes Pereira16 de agosto de 2013 às 10:09

    Acho muito triste não termos pelo menos duas óperas de Wagner por ano em São Paulo. E vejo que os títulos escolhidos para a próxima temporada visam casas cheias, Puccini tem muitas outras óperas para serem apreciadas, e La Bohème dois anos seguidos realmente não é adequado, porque não uma Turandot no ano que vem ?
    Quebrar o ciclo do Anel no ano que vem nem se fala, e apenas quatro récitas do Ouro do Reno é algo bem chato e me soa como preconceito em relação à Wagner

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  2. Repetir La Boheme no ano que vem não é apenas exagerar na dose. Entregá-la à Orquestra Experimental de Repertório é um desvio de função e um mau aproveitamento de uma orquestra que, como o próprio nome diz, é "experimental" e tem nos brindado, ultimamente, com óperas modernas quase nunca antes vistas por aqui, como as de Stravinsky.
    Quanto a interromper o Anel no ano que vem, isso está cheirando mais a uma questão de vaidade e ciumeira por parte do egocêntrico diretor artístico do Municipal. Como a ideia de apresentar o ciclo completo no Brasil não foi uma ideia de sua autoria, ele jamais permitirá que isso ofusque o seu brilho. Afinal de contas, só ele é capaz de ter ideias geniais e de programar títulos sensacionais.

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