VERDI, UM COMPOSITOR AMADO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Bach, Beethoven, Wagner, Stravinsky, Palestrina, Debussy são alguns entre os muitos nomes extremamente admirados entre os grandes compositores da história da música, por diversas pessoas que gostam ou que trabalham com música clássica. Mas alguns compositores além de serem admirados são amados, isto por sentirmos uma proximidade com sua forma de se expressar e, sobretudo por uma história de vida marcada por uma sintonia com seu povo e com um progresso bem perceptível em sua arte. Lembro-me de uma senhora que cantava no Coro do Teatro Municipal de São Paulo, na época que atuava como maestro lá, que em sua carteira de dinheiro em lugar de uma foto de seu marido (com quem se dava muito bem) ou de seus três filhos, havia uma foto de Giuseppe Verdi. Ao lhe perguntar a razão desta foto de Verdi em sua carteira ela me disse: “eu sinto que ele faz parte de minha família”. Passados quase trinta anos de eu ter observado isso me lembrei do fato e me perguntei: Por que Verdi é um compositor amado?
Verdi: a voz de seu povo
Giuseppe Verdi (1813-1901), cujo bicentenário do nascimento será comemorado no próximo mês de outubro, nasceu numa pequena cidade do norte da Itália, Le Roncole. Coisa típica na época nasceu numa região que era ocupada por franceses, e foi registrado inicialmente como Joseph Fortunin François Verdi e só posteriormente é que seu nome italiano será confirmado: Giuseppe Fortunino Francesco Verdi. Sua formação musical é muito intuitiva, e é admirável ver um compositor tão limitado tecnicamente falando em seus primeiros anos, chegar às complexidades harmônicas e contrapontísticas de suas últimas composições. Com 26 anos de idade apresenta sua primeira ópera, Oberto, mas é somente três anos depois que obterá seu primeiro grande sucesso: Nabucco. É nesta ópera a primeira vez que sentimos uma sintonia entre a voz do compositor e os anseios de seu povo. Se há muita mistificação a respeito do famoso coro “Va pensiero” na estréia da obra (teria sido bisado contra a ordem das autoridades), não há dúvida que este belo coro se tornou uma espécie de segundo hino nacional italiano. Talvez o próprio Verdi não tenha percebido isto a princípio, apesar de que seu pequeno esboço auto biográfico de 1879 afirma que foi este coro que o levou a voltar a compor depois da triste morte de suas duas filhas e de sua amada esposa, o que importa é o que este trecho da ópera veio a se tornar. Um suave ritmo ternário na orquestra acompanha uma melodia que inegavelmente encarna certas características de um canto popular italiano. O fato de algumas regiões da Itália estarem ocupadas no século XIX, com uma repressão fortíssima contra o povo italiano, nos explica os momentos de uma rara interação entre fatos recentes vividos pelo compositor e sua arte. Os escravos hebreus da ópera são facilmente compreendidos como um hino do povo da Lombardia em relação aos invasores austríacos. O mesmo sentido libertário do “Va pensiero” da ópera Nabucco é encontrada no coro “Patria opressa” da ópera “Macbeth”. Esta voz nacional de Verdi, tanto nestes coros “patrióticos” como em sua sintonia com a alma tipicamente italiana na sua maneira de se expressar nos faz entender muito do amor que o compositor acaba despertando. Lembramos que o compositor foi uma grande fonte de inspiração para a unificação italiana no século XIX.
Verdi: um prisioneiro das convenções
Escrever óperas na Itália no século XIX, uma empreitada bem comercial, implicava aceitar uma série de regras, de convenções. Vou falar apenas de uma delas: a sequência “Aria e Caballeta”, uma grande cena de um dos personagens principais com uma Aria lenta e uma Caballeta (referência ao tropel de um cavalo) rápida e virtuosística. Ao ver-se obrigado a cumprir esta sequência Verdi aproveita estas “amarras” e compões quadros psicológicos bem completos. Exemplo mais marcante disso é o final do primeiro ato da ópera La Traviata (baseada na “Dama das camélias” de Dumas). Violeta canta na sua Aria lenta “Ah, fors´è lui che l’anima” a esperança de sair de sua vida depravada por causa do amor de Alfredo. Em seguida na Caballeta “Sempre libera” ela fica na dúvida entre a liberdade de sua existência como cortesã e o amor sincero que lhe bate à porta. Quer algo mais real, mais humano do que este conflito? Verdi realiza o prodígio de se aproveitar de uma imposição formal para pintar de forma extremamente realística uma dúvida profundamente humana. Ao nos falar de forma tão direta aos nossos sentimentos Verdi cativa o sentimento de afeição a ele. Estas convenções serão abandonadas quando o compositor se tornar uma referência no teatro lírico de sua época, mas é interessante vermos com que genialidade ele enfrentou estas convenções. Seria o mesmo encontrarmos um texto dramático genial numa novela das sete na televisão brasileira nos dias de hoje. Infelizmente as lucrativas produções de nossa televisão não encontraram ainda um dramaturgo capaz dos feitos de Verdi.
Verdi: uma constante evolução
Muitas pessoas acreditam que a última obra de Verdi é a ópera Falstaff de 1892, uma genial obra baseada em Shakespeare, que termina com uma gigantesca fuga com o bem humorado texto “Tudo no mundo é uma brincadeira”. Mas na realidade a última composição do mestre são suas “Quatro peças sacras” para coro e orquestra. Como deixar de amar um homem que iniciou sua carreira com sequências musicais tão primárias chegar a escrever harmonias tão ousadas e originais. E para nossa surpresa, em diversos momentos sentimos a transfiguração de toda uma vida. Os hinos religiosos com os quais ele lidava quando jovem são transformados em hinos religiosos que juntam a simplicidade da expressão da gente humilde de sua cidade natal com uma complexa e original harmonia. Mas o que mais me comove, sobretudo sendo um descendente de italianos, é a fervorosa oração religiosa do país sede da igreja católica em algumas seções da quarta peça, o Te Deum. Mesmo aos 84 anos Verdi continuava a ser a voz de seu povo. Creio que é por isso que é difícil não amá-lo!
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/
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