A MÚSICA EM 1808 NO BRASIL. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

A vida musical que D. João VI encontrou no Rio de Janeiro, quando chegou em 1808.
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D. João (1767/1826), futuro rei e futuro D. João VI, desembarcou pela primeira vez no Rio de Janeiro em 8 de março de 1808, um dia depois de haver fundeado sua embarcação na Baía de Guanabara, próximo à atual Praça XV. Desceu do brigue “Voador”, que o trouxera de Portugal, e embarcou em uma  galeota a remo de cerca de 20 m de comprimento, que hoje se encontra muito bem conservada pela Marinha do Brasil, a poucos metros de onde D. João dela desembarcou, aberta à visitação pública.
D. João pisou pela primeira vez o solo do Rio de Janeiro em uma pequena praia/cais onde hoje se acha a atual praça XV e, logo ao desembarcar, quis agradecer a Deus o sucesso da travessia do Atlântico. Todos sabiam que o regente (por ser mentalmente doente sua mãe D. Maria, D. João era o príncipe regente) era muito religioso, e que a primeira coisa que iria querer no Brasil seria ir a uma igreja. Por isso, estava preparada e ornamentada a Igreja de N. S. do Carmo, antiga sé, bem em frente à praça.  Mas a então sé do Rio de Janeiro era a Igreja de N.S. do Rosário, então situada na Rua da Vala, hoje Rua Uruguaiana, e foi para ela que D. João e seu séquito se dirigiram, fazendo o percurso pela atual Rua Sete de Setembro, atual  Rua do Carmo e atual Rua do Rosário, que até hoje ladeia aquela antiga sé.
Foi nela que um D. João estupefato pela primeira vez teve contato com a música de alta qualidade que se fazia no Brasil e com o padre José Maurício Nunes Garcia (1867/1830), mestre de capela daquela sé e autor, ensaiador e regente daquela música. Ninguém na corte portuguesa e os nobres e conhecedores que aqui aportaram esperavam encontrar em uma “colônia de negros”, como a definia a azedíssima Carlota Joaquina (1776/1830), feíssima mulher de D. João, compositores, orquestras, coros, solistas, instrumentistas e cantores da qualidade dos que estavam vendo e ouvindo.
É  verdade, e quase sempre esquecido, que o brasileiro Domingos Caldas Barbosa (1739?/1800) era, desde 1770, a sensação dos saraus da nobreza de Lisboa, com suas “modinhas” e composições de natureza semi-clássica, obras em que no entanto já se podia entrever algo não português. Curiosamente,  a modinha brasileira iria nascer em Portugal com as obras de Caldas Barbosa, e o fado português teria suas mais remotas origens no que compunham e cantavam os portugueses que viviam no Brasil, saudosos de sua terra.
 Outro elemento brasileiro importante no Portugal daqueles tempos foi a cantora soprano Joaquina Maria de Conceição da Lapa  (?/? ), conhecida como Lapinha, a qual se apresentou com imenso sucesso em várias cidades portuguesas.
No entanto, mesmo com o sucesso de Caldas Barbosa e da Lapinha, não podiam a corte portuguesa aqui vinda e seu maior nome imaginar a existência no Brasil do mundo musical com o qual deram de cara  na Sé do Rosário naquele 8 de janeiro de 1808.  Havia orquestras organizadas, coros, musicistas. Havia partituras de composições de autores estrangeiros, principalmente de Haydn, Mozart, Salieri e Beethoven. Quem por exemplo se der ao trabalho de ouvir a abertura da ópera “Zemira” (terminada?),  de José Maurício, notará uma não disfarçável relação com a música de Beethoven. Outra indisfarçável influência se encontrará em mais de um Kyrie das inúmeras missas compostas por José Maurício e os Kyries de Mozart. Há quem afirme de modo peremptório, e com o que alegam ser provas na mão, que José Maurício se correspondia com Haydn, de quem era fervoroso admirador.
Encantado, se pôs D. João a prestigiar José Maurício e a marcar encontros  com ele para que o Padre Mestre (como era conhecido José Maurício)  tocasse suas composições e improvisasse ao piano e órgão em ambiente privado. Há ainda o detalhe de que o príncipe regente tinha declarada predileção pela música de igreja, campo ideal para que o compositor se expandisse com suas obras. 
Pouco ou nenhum contato tiveram o regente e sua corte com o chamado “barroco mineiro”, a não ser através de notícias que lhes eram trazidas pelos governadores e acólitos, o mesmo podendo ser dito da música que se fazia em São Paulo e em outras localidades.
O que é mais importante dentro do que fizeram José Maurício e outros compositores do período que circunda a chegada de D João e sua corte é que estes, vendo a organização, disciplina e dedicação com que as Irmandades, Igrejas, Ordens e associações mantinham em plena atividade uma enorme plêiade de artistas da música, passaram a estimular com salários, abertura de espaços e nomeações para cargos de razoável remuneração o funcionamento do mundo musical brasileiro, no qual abundavam talentos e inspirações.
Para isso, também foi de suma importância a existência no Rio de Janeiro do Teatro de Manuel Luís, que funcionava  regularmente quando a corte chegou, e que justamente com essa chegada deixou de funcionar, deixando atrás de si mais um teatro como exemplo de possibilidades musicais, a exemplo do Teatro do Padre Ventura que o antecedeu, e que não mais existia quando D. João chegou com  seu enorme séquito.
 MARCUS GÓES- SET 2013
EXTRAÍDO  DO MEU LIVRO “D. JOÃO – O TRÓPICO COROADO”.

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