'DON GIOVANNI" - DOIS ELENCOS DISTINTOS NO TMSP. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Pier Francesco Maestrini ofereceu atraente direção cênica.
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Ludwig van Beethoven (1770/1827) conquanto admirador fervoroso de Mozart, não lhe perdoava a “libertinagem” extravasada no seu Don Giovanni,que estreou na noite de 12 de setembro, aliás o aniversário (102 anos) do Theatro Municipal de São Paulo, na segunda ópera da temporada oficial, que se estenderá até o dia 22 de setembro (em vesperal às 18 horas). Lotação esgotada em todas as récitas.
As três óperas bufas de Wolfgang Amadeus Mozart que fruem de eterna juventude são: “As Bodas de Fígaro” (1786); “Don Giovanni” (1787) e “Cosi fan tutte” (1790). Nada entusiasma tanto quanto a comicidade, e daí o êxito deste genial compositor, nele se agrega uma alegria desmaterializada, flutuante, pois ele não apenas possuía em criança a alma de um artista consumado, mas também como artista, a alma de uma criança eterna.
Don Giovanni estreou a 29/10/1787, no Teatro Nacional de Praga, com libreto de Lorenzo da Ponte, baseada na literatura clássica da Idade Média: a história de um legendário amante espanhol “Don Juan”, um galante libertino que vive em Sevilha, cuja incansável perseguição às mulheres e sua conduta infamante levaram-no a receber uma dramática punição.
A produção proveniente do Teatro Municipal de Santiago do Chile mantém o alto nível plástico e virtual peculiar daquele importante polo lírico sul americano, nos proporcionando belos cenários da Andaluzia do século XVIII, acoplados com projeções em tela da lavra de Juan Guilhermo Nova; figurinos sóbrios em tons finos e adequados à região sevilhana e principalmente à época, de Luca Dall’Alpi. A iluminação é polêmica. Pascal Mérat optou pela penumbra na maioria das cenas. Considerando-se o caráter trágico-tenebroso do enredo, paralelamente ao “giocoso” que predomina no desenrolar da trama, para muitos espectadores presentes, a escuridão nos remete à curiosidade, ao suspense e à imaginação criativa; todavia em algumas ocasiões, o feixe luminoso é indispensável, e foram em muitas cenas, como em árias, duettinos ou mesmo em concertatos em que o iluminador acima nos deixou à deriva.
Pier Francesco Maestrini ofereceu atraente direção cênica. Sobrepôs Drácula a Don Giovanni, assumindo assim algo de eternidade mítica. Deixam de ser simples personagens e determinam um modo particular de suas vidas. Interessante a sua ideia na cena final, quando Giovanni é levado ao inferno pela imagem ao fundo da cena, os cortes musicais, transferindo-se imediatamente à moral da história, com o sexteto vocal, a rigor e já fora de cena, conclui o espetáculo. Originais também as marcações com os solistas sobretudo as de Leporello, Zerlina e Masetto, como nos concertatos.
Nicola Ulivieri - “Don Juan” – é um barítono de timbre claro e ágil para o ambíguo personagem. Saiu-se a contento de suas inúmeras passagens; experiente e desenvolto, possui envolvimento suficiente num Giovanni galhofeiro, jovem e afeito às conquistas e sedução. Na cena final, realizou um trabalho cênico-vocal consistente. O seu adversário - Leonardo Neiva (vesperal de domingo); compôs um Giovanni varonil, de belo porte e de suficiente convicção cênica aliada a bela tessitura vocal.
Andréa Rost, soprano húngaro que provém de bonita carreira nos últimos vinte anos dos grandes palcos europeus e americanos, é intérprete verdiana e bel-cantista da escola italiana. Ofereceu-nos versão muito satisfatória das árias (Or sai chi l’ onore rapire a me volse) e no 2º ato (Non mi dir, bell’ idol mio…) colocando à prova a sua bravura e musicalidade impecável. É, sem dúvida, uma estrela internacional.
No domingo, Luciana Melamed também como Donna Anna, foi admirável no seu canto luminoso, com bonito timbre aliado a marcante presença no palco. Artista brasileiro também se sai bem na ópera !
Pablo Karaman, tenor ítalo-argentino de timbre e extensão versátil o suficiente para compor a árdua tessitura mozartiana dessa ópera. Como Don Ottavio revelou-se um camerista consciente, cantou de forma convincente, simples e contido, apoiou-se inteiramente em sua bela voz. Nas árias “Dalla sua pace La mia depende” e após, “Il mio tesoro intanto”, com escalas ascendentes e descendentes, belos vocalizes, soube conquistar a plateia que o brindou com fartos aplausos. O mesmo se pode dizer do italiano Enea Scala, que extraiu também grandes momentos de virtuosidade canora das páginas que Mozart lhe outorgou.
Igualmente de escola camerística é o meiossoprano Monica Bacelli, italiana de Pescara, abrigando em seu repertório mozartiano Cherubino e Dorabella, a Charlotte (Werther); bem como Marina em Outis, de Luciano Berio. Fez uma Donna Elvira de excelência , cônscia de seu personagem, emitiu belos pianos e modulações, especialmente em suas árias tanto do 1º ato: Ah! Chi mi dice mai; e do 2º ato Mi tradi quell’ alma ingrata; somando-se em ambas expressiva interpretação cênica. Adriane Queiróz, soprano paraense, viveu-a no domingo, com bem menos veracidade que a sua rival italiana. A performance de Queiróz deixou a desejar, principalmente no 2º ato.
Saulo Javan – baixo-barítono buffo e brasileiro !…diga-se de passagem; compôs um Leporello risível, de voz poderosa e coração de lebre, como requer o papel. Chamado à última hora, já no intervalo da estreia dia 12/9, para substituir seu colega, o italiano Davide Luciano vitimado por uma indisposição vocal; assumiu este o papel instantaneamente a partir do 2º ato, representando-o também nas récitas de sábado e domingo consecutivos. Cantou bravamente sua maior chance, a ária “Madamina Il catalogo é questo”, com uma interpretação “giocosa” e de veracidade ao caráter de seu personagem. Um artista de reais qualidades cênico-vocais, alvo dos maiores aplausos entre os brasileiros. Aí fica a sugestão de que o artista nacional funciona, desde que colocado em papel de suas potencialidades e sua registração vocal. E o quadro para o “Cosi fan tutte” de 2014, está aí pronto.
Don Giovanni é ópera para os que se dedicam à música de câmara, e por isso mesmo, não é qualquer cantor que deve enfrentá-la, tendo no mínimo duas árias a interpretar, devendo ser totalmente independente no seu domínio e discurso vocal e cantar a “cappella”, bem como acompanhado apenas de cravo, em inúmeros recitativos quando indicado pelos compositores barrocos e clássicos.
Completando o elenco e destoando dos outros, o soprano lírico-ligeiro Luísa Kurtz (Zerlina) é insuficiente para o seu personagem que requer um soprano lírico puro. Sua registração e timbrística não se adaptaram com a escrita de Mozart, tornando-a inaudível perante um conjunto de vozes grandes. A voz pequena por demais, apropria-se para pequenas salas como a do Theatro São Pedro e congêneres, mas o Municipal é grande demais para as suas possibilidades. O duettino com Giovanni “La ci darem La mano”, um dos mais populares momentos da partitura, bem como suas duas árias se diluíram no contexto do espetáculo. Para compensar, sua colega o soprano lírico Carla Cottini, brilhante e esplêndida , abraçou uma Zerlina sedutora e sensual.
O barítono Norbert Steidl como Masetto, ágil em cena e seu estilo enfático colaborou, especialmente no 1º ato – este longo por demais – a fluir com mais facilidade que suas discrepâncias narrativas possam permitir. Vocalmente pode alçar melhores voos como o Guglielmo, Conde de Almaviva, Conde Robinson, Papageno, Belcore ou o Schaunard de “La Bohème”. Felipe Oliveira em nível inferior, apenas regular em sua modesta atuação. O Comendador Don Pedro, pai de Anna, nas vozes do norueguês Jens-Erik Aasbo e do uruguaio Marcelo Otegui respectivamente, ambos baixos de timbres e tessituras acertadas e com vozes microfonadas na cena final da ópera , deram razoável desempenho vocal, com vantagens para o belo timbre de Marcelo Otegui.
Os cortes da cena final, realizados pela direção musical e cênica, não deixaram de ser percebidos por aqueles que realmente conhecem o pentagrama mozartiano. Às vezes, imagina-se que o público não irá registrar ou captar esses cortes, mas há fatalmente quem os identificará. Correta a colaboração do Coral Paulistano em suas fragmentadas interjeições.
A Orquestra Sinfônica Municipal esteve bem, reduzida como reza Mozart, valorizada pelos três trombones no 2º ato; nas mãos do israelense Yoram David, embora em alguns momentos hesitante nos andamentos e dirigisse os cantores ao invés de ser dirigida por eles.
Mas valeu; é um bom começo. Só se aprende a fazer a montagem de uma ópera, levando-a ao palco constantemente, sendo aplaudida, criticada e discutida. Valeu ! Aguardemos a próxima dobradinha: “Jupyra”, de A. Francisco Braga e a célebre “Cavalleria Rusticana”, de Pietro Mascagni, a partir de 15 de outubro.
Escrito por Marco Antônio Seta, em 16 de setembro de 2013.
Inscrito sob nº 61909 SP / MTB

Fonte: http://www.movimento.com/

Comentários

  1. Só faltou ao crítico dizer que no primeiro Ato do domingo tivemos mais uma falha técnica, que implicou em um intervalo de 15 minutos.

    Foram dados os sinais de praxe, porém o terceiro sinal foi dado já com o maestro no podium, que começou logo em seguida, muitas pessoas entraram atabalhoadas com a ópera em execução, afinal todos sabem que depois do terceiro sinal ainda há alguns minutos para que todos se sentem.
    Ainda é necessária uma melhor organização e planejamento para que falhas como essa não ocorram, já é a segunda vez nessa temporada. Deve-se ter mais atenção à esses detalhes

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  2. Eu não sabia que os críticos agora estavam usando óculos de lentes cor de rosa... Esta montagem do D. Giovanni me deu vontade de chorar, quando comparada às óperas que o Municipal recebeu em 2011 e 2012 - e mal sabíamos que logo seria cancelada a montagem do Ouro do Reno... Quem sabe seja melhor assim, os deuses da música tiveram por Wagner a misericórdia que a direção atual do Municipal não teve por Mozart. Ao público que comprou as "assinaturas", só restou duas opções: PROCON ou então...Ridi, Pagliaccio!!!

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