JONAS KAUFMANN : UM TENOR AMADO. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

O mundo da ópera e da música clássica de tempos em tempos tem aquilo que podemos chamar de “grande estrela”. E nos dias de hoje esta grande estrela é um cantor lírico, um tenor alemão que tem hoje 44 anos de idade: Jonas Kaufmann. Numa entrevista publicada na semana passada na revista francesa Diapason, a publicação o chamou de “Amado pelos deuses”. A revista não deixa de ter certa razão já que Jonas Kaufmann tem ao mesmo tempo uma voz excepcional, uma beleza impressionante, e é, sobretudo, uma pessoa tremendamente inteligente. Um artista com o prestígio que tem comemorado à altura os bicentenários de nascimento de Verdi e Wagner nas mais importantes cenas líricas do mundo. Fato inédito na história do canto lírico alternou nos últimos meses récitas de Parsifal (Wagner), Don Carlo (Verdi) Lohengrin (Wagner) e Il trovatore (Verdi). É decididamente um fenômeno.
Um cantor lírico dos novos tempos

Nascido em Munique em 1969 estudou matemática quando jovem. Aos 20 anos de idade é que começa a estudar canto, diplomando-se em 1994. Dono de uma formação musical extremamente sólida teve uma grave crise vocal bem no início da carreira. Foi o barítono e grande professor americano Michael Rhodes (que faleceu em abril deste ano) que o orientou para que descobrisse as qualidades de sua voz. Sua carreira iniciou de forma extremamente cautelosa no teatro da cidade alemã Saarbrücken, sendo que nos primeiros anos, de forma bem inteligente, deu preferencia para papéis mais leves. Sua facilidade em termos de idiomas o fez rapidamente cantar papéis de óperas francesas (Manon e Werther de Massenet, Fausto de Gounod e Carmen de Bizet) e italianas (La traviata de Verdi e Tosca de Puccini). Foi apenas 15 anos depois de iniciar sua carreira é que Kaufmann se pôs a cantar papéis mais pesados, tornando-se um dos nomes mais solicitados nas montagens de óperas de Wagner sendo que em 2010 cantou Lohengrin no festival de Bayreuth. Indisposto com as encenações de profundo mau gosto montadas no conhecido festival wagneriano Kaufmann interessou-se em cantar Wagner em outros teatros importantes como o La Scala de Milão, a ópera de Viena, o Covent Garden de Londres e o Metropolitan de Nova York.

Paralelamente a sua atividade operística Kaufmann é um excelente cantor de Lied, ou canto de câmera. Ao contrário de tenores bem conhecidos como Pavarotti, Domingos e Carreras, Kaufmann é magnífico também como intérprete de canções de Franz Schubert, Richard Strauss e Robert Schumann, entre outros. Creio que nunca houve na história um tenor que cantasse o papel de “Manrico” de Il trovatore de Verdi e que ao mesmo tempo fosse um sublime intérprete do ciclo “A bela moleira” de Schubert. Assistindo via youtube sua apresentação desta ópera de Verdi, acontecida há algumas semanas em Munique, podemos perceber o seu bom gosto aprendido no canto de câmera na forma de interpretar uma ária como “Ah sin bel mio”. Nunca ninguém, em tempo algum, cantou esta dificílima ária com tamanha sutileza. Sinal dos tempos: a versatilidade traz novas cores a um repertório já bem conhecido. Outra faceta de Jonas Kaufmann é seu repertório de obras com orquestra: obras de Mahler e Brahms (Rinaldo, verdadeiro desafio para um tenor) convivem sem dificuldade com obras dos veristas Puccini e Cilea. Sinal dos tempos.
Perigos à vista
Algo que admiro muito em Jonas Kaufmann é que apesar de todo o sucesso ele não aproveita sua fama para fazer “atividades caça-níquel” como seus colegas em geral fazem. Mas mm cantor com tal unanimidade e com tamanho prestígio pode ter seus momentos de desleixo e pode por a perder uma carreira absolutamente brilhante. Diversas pessoas já me contaram que o cantor apresentava, em algumas récitas, uma nítida fadiga, chegando a cantar mal. Apesar de ser admirável a versatilidade do artista pude notar que o mesmo cantou a última cena do terceiro ato de “Il trovatore” de Verdi (Di quella pira) meio tom abaixo. O fato de ter cantado esta difícil ópera em meio a récitas de Lohengrin e Don Carlo mostra que até Jonas Kaufmann tem suas limitações. Na entrevista da semana passada, já citada mais acima à revista francesa Diapason, ele anunciou que daqui quatro anos cantará Othelo de Verdi. Diz ele que não dirá onde e com quem, mas que já está tudo acertado. Torço para que sua voz esteja em total forma até lá. Pessoalmente falando sonho em ver e ouvir Tristão e Isolda de Wagner com Jonas Kaufmann. Que sua saúde vocal lhe permita isso!
Ouvir e ver Jonas Kaufmann
Felizmente para nós brasileiros, que vivemos longe dos grandes centros líricos, existem gravações de áudio e de imagem de altíssimo nível com Jonas Kaufmann. Em termos de gravações de canto de câmera, Lied, Dois Cds são realmente excelentes: um com canções de Richard Strauss (selo Harmonia Mundi) e outro com o ciclo de canções “A bela moleira” de Schubert (selo Decca). Helmut Deutsch, que chegou a ser professor do cantor, atua como pianista de forma brilhante em ambos os discos. Existem diversos Cds com árias de diversas óperas. Todos são ótimos. Destacaria o CD com árias de autores de língua alemã (Mozart, Schubert, Beethoven e Wagner) regido por Claudio Abbado (selo Decca) e o CD do cantor com com o maestro Donald Runnicles com cenas de óperas de Wagner em que interpreta algo praticamente só cantado por mulheres: as Wesendonck Lieder. Em termos de óperas completas em áudio destacaria “A valquíria” de Wagner (papel de Siegmund) regida pelo maestro russo Valery Gergiev (selo do Teatro Mairinsky) e Madama Butterfly de Puccini que ele gravou junto à grande cantora Angela Gheorghiu (selo EMI). Em termos de DVDs existem ainda mais itens interessantes que exploram muitas vezes a beleza e a excelente forma física do artista. Primeiramente o Werther de Massenet gravado na Opera Bastille. Apesar de ter sido filmado de forma estúpida, registra uma interpretação antológica tanto do ponto de vista teatral como musical. Seu Siegmund na Valquiria de Wagner gravada no Metropolitan Opera (o novo “Anel” do met, encenado por Robert Lepage) é igualmente antológico. A Carmen de Bizet gravada no Covent Garden é impressionante também. Sua genial partner, Anna Caterina Antonacci, nos faz esquecer com facilidade a desastrosa atuação da intérprete do papel título da obra prima de Bizet na gravação de áudio que o tenor fez em Berlim. O “Lohengrin” gravado na ópera de Munique, junto à fantástica cantora alemã Anja Harteros, apesar da medonha encenação, é outra atuação inesquecível. No entanto as melhores atuações de Kaufmann podemos ver através de vídeos que são acessíveis via torrent ou Youtube. Exemplo disso é a atuação brilhante do cantor na última ópera de Wagner, Parsifal, que pode ser baixada em HD via torrent (a mesma récita transmitida ao vivo nos cinemas em todo o mundo, inclusive no Brasil) ou no Youtube (com uma qualidade bem inferior). Este registro foi realizado no Met em março deste ano. No Youtube podemos também assistir as recentes apresentações de Don Carlo de Verdi no Festival de Salzburg e o fantástico Il trovatore gravado no final de julho em Munique.

Osvaldo Colarusso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/

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