NOSFERATU ASSOMBRA O MUNICIPAL. CRÍTICA DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Corpos Artísticos da casa consideram insuficientes vagas abertas em concurso público.
Nesta quinta-feira, 19 de setembro, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro apresentou seu último título da Série Música e Imagem na atual temporada: Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, uma Sinfonia de Horror), filme de Friedrich Wilhelm Murnau, estreado em 1922.
A obra, baseada no Drácula, de Bram Stoker, conta a história do Conde Orlok, que se interessa por comprar uma casa em Wisborg. Um corretor de imóveis desta cidade envia seu funcionário Hutter até a casa do conde, nos Montes Cárpatos, para fechar o negócio. Lá chegando, Hutter descobre que o Conde é um vampiro. Este, por sua vez, se encanta com uma foto de Ellen, a esposa de Hutter, e decide na hora comprar uma casa bem em frente à do casal. O vampiro parte para Wisborg num veleiro, levando consigo seus caixões de terra amaldiçoada. Durante a viagem, uma peste dizima a tripulação. Orlok chega a seu destino e se instala em sua nova casa. Hutter também consegue retornar até Wisborg e reencontra sua esposa.
Ellen lê no Livro dos Vampiros, que Hutter trouxe consigo, que somente uma mulher pura poderia deter o vampiro, fazendo com que ele lhe sugasse o sangue até os primeiros raios do sol. Sofrendo um ataque, Ellen pede que Hutter procure um médico. Depois que ele sai, Orlok invade a casa atrás da mulher que o encantara e suga seu sangue até o amanhecer. Com o sol, ele é destruído. Quando Hutter chega com o médico, Ellen já está morta, mas a comunidade de Wisborg também se livra da peste.
O ator Max Schreck tem uma excelente atuação como o vampiro, alcançando uma caracterização realmente sinistra. Greta Schröder também oferece um belo trabalho como Ellen. Já a música que acompanha o filme, de Pierre Oser, foi composta em 2012. Baseada em dissonâncias e usando o texto latino das Metamorfoses, de Ovídio, a composição chama a atenção pela maneira como utiliza as vozes e as cordas, e se adequa muito bem ao propósito de acompanhar o filme, reforçando-lhe a carga dramática.
O Coro (preparado por Jésus Figueiredo) e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal enfrentaram muito bem a difícil partitura de Oser, sob a regência segura de Tobias Volkmann, alcançando todos um resultado bastante expressivo musicalmente, guardadas as proporções de uma obra escrita especificamente para acompanhar um filme mudo. Belo solo do tenor Jacques Rocha.
Antes de entrar em outros assuntos importantes, encerro com um esclarecimento: nada tenho contra a Série Música e Imagem, mas tenho tudo contra a falta de óperas em quantidade adequada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Não é razoável que, numa temporada pobre como a deste ano (mais uma!), a Série tenha a mesma importância na programação da casa que as óperas (empate em 3 a 3). Definitivamente, não é razoável. Falta ópera na programação do Municipal, e faltam também concertos sinfônicos, de preferência com participação do Coro.
Concurso público
O Theatro Municipal divulgou recentemente três aguardados editais referentes à realização de concurso público para seus Corpos Artísticos (Orquestra, Coro e Ballet). As Associações dos Corpos Artísticos, no entanto, questionam a quantidade de vagas disponibilizadas nos editais. Transcrevo abaixo a nota que recebi das Associações:
“A publicação do edital do concurso público para os Corpos Artísticos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro é o resultado de uma reivindicação antiga dos artistas da casa.
“Infelizmente, este edital não contempla todas as vagas existentes nos quadros artísticos. Houve uma redução drástica no quantitativo autorizado pelo Governador, sem nenhuma alegação plausível da Presidência da FTM/RJ.
“O pedido de vagas, acatado pelo Governador, era de 55 para a Orquestra, 35 para o Coro e 25 para o Ballet. A orquestra ficou só com 39 vagas, e alguns naipes não terão nenhuma vaga, como os contrabaixos, percussão; o coro ficou reduzido para 22 vagas; e o Ballet, de 25 vagas para apenas 13.
“É um fato lamentável, pois, após mais de uma década sem concurso público, e em carreiras tão específicas, perde-se esta oportunidade. Apesar do salário oferecido no edital ser muito abaixo do valor de mercado, torcemos para que todas as vagas sejam preenchidas, para assim garantirmos a realização das futuras temporadas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro”.
Carmina Burana
Em recente produção do Municipal, o balé Carmina Burana teve sua temporada prorrogada, devido à grande procura do público. Até aqui, tudo muito bem, mas é de se questionar: por que a ópera A Valquíria, com ingressos esgotados e apenas quatro récitas (sendo três com ingressos à venda e uma com entrada franca no dia do aniversário da casa) também não foi prorrogada?
Ainda sobre esta versão coreografada da célebre cantata profana de Carl Orff, a cuja estreia assisti, gostaria de saber quem é o dono do cérebro “privilegiado” que escalou o tenor Sebastião Câmara e o barítono Homero Velho para participarem da empreitada. O tenor esteve (muito!) abaixo da crítica, e o barítono demonstrou não ter a menor condição de cantar uma obra como esta: faltaram-lhe projeção adequada e senso de estilo, e sobraram-lhe agudos extremamente forçados. Dentre os solistas, somente a soprano Lina Mendes acariciou meus ouvidos.
A ópera e os camundongos
Essa é por pura gaiatice. Deu no Globo do último sábado, 14/09: um estudo de cientistas japoneses mostrou que camundongos reagem bem à recuperação de doenças cardíacas após ouvirem música clássica e ópera.
Ora, se a ópera faz bem assim aos camundongos, certamente faz também aos seres humanos, ainda mais em apresentações ao vivo. Alguém deveria avisar aos administradores do Municipal sobre isso. Quem sabe, no dia em que estes resolverem montar óperas em quantidade adequada, não estarão também prestando um serviço de saúde pública? Desculpem, não resisti…
Em São Paulo, suspeita de sabotagem; e O Ouro do Reno será em forma de concerto
De São Paulo, chegaram duas más notícias: a primeira deu conta de uma investigação em curso sobre suspeita de sabotagem nas produções líricas do Theatro Municipal paulistano. Em agosto, um elevador do palco apresentou defeito numa récita de Aida, e parou de funcionar; e no último domingo um problema na mesa de luz interrompeu uma récita de Don Giovanni, retomada alguns minutos depois. Segundo matéria do jornalista João Luiz Sampaio, no Estadão, a Prefeitura de São Paulo afirmou que partiu da própria polícia a decisão de associar os dois casos e aventar a possibilidade de sabotagem. Há também uma sindicância aberta no âmbito da própria Prefeitura para apurar as causas desses episódios.
Como se não bastasse, a ópera O Ouro do Reno, prevista para subir à cena lírica em novembro próximo, dentro do projeto “Anel brasileiro”, assinado pelo diretor André Heller-Lopes, não será mais encenada, e sim apresentada em forma de concerto. Uma nota curta e grossa publicada no site do Theatro Municipal apenas informa a alteração, sem, no entanto, esclarecer os motivos. É obrigação do Municipal paulistano esclarecer os motivos que levaram a esta alteração. Apenas informar que houve a mudança não reflete o respeito que o público merece.
Este cancelamento de encenação já é a segunda nota negativa da gestão artística de John Neschling na casa. A primeira fora o anúncio da não realização no ano que vem do Siegfried que completaria a tetralogia de Wagner. Tudo não passa de especulação, mas já é de se suspeitar seriamente que esse projeto não seja levado à frente – o que seria uma pena.
Espero que Neschling não esteja “(des)aprendendo” com os administradores do Municipal do Rio, exímios na “arte” do cancelamento.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
Nesta quinta-feira, 19 de setembro, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro apresentou seu último título da Série Música e Imagem na atual temporada: Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (Nosferatu, uma Sinfonia de Horror), filme de Friedrich Wilhelm Murnau, estreado em 1922.
A obra, baseada no Drácula, de Bram Stoker, conta a história do Conde Orlok, que se interessa por comprar uma casa em Wisborg. Um corretor de imóveis desta cidade envia seu funcionário Hutter até a casa do conde, nos Montes Cárpatos, para fechar o negócio. Lá chegando, Hutter descobre que o Conde é um vampiro. Este, por sua vez, se encanta com uma foto de Ellen, a esposa de Hutter, e decide na hora comprar uma casa bem em frente à do casal. O vampiro parte para Wisborg num veleiro, levando consigo seus caixões de terra amaldiçoada. Durante a viagem, uma peste dizima a tripulação. Orlok chega a seu destino e se instala em sua nova casa. Hutter também consegue retornar até Wisborg e reencontra sua esposa.
Ellen lê no Livro dos Vampiros, que Hutter trouxe consigo, que somente uma mulher pura poderia deter o vampiro, fazendo com que ele lhe sugasse o sangue até os primeiros raios do sol. Sofrendo um ataque, Ellen pede que Hutter procure um médico. Depois que ele sai, Orlok invade a casa atrás da mulher que o encantara e suga seu sangue até o amanhecer. Com o sol, ele é destruído. Quando Hutter chega com o médico, Ellen já está morta, mas a comunidade de Wisborg também se livra da peste.
O ator Max Schreck tem uma excelente atuação como o vampiro, alcançando uma caracterização realmente sinistra. Greta Schröder também oferece um belo trabalho como Ellen. Já a música que acompanha o filme, de Pierre Oser, foi composta em 2012. Baseada em dissonâncias e usando o texto latino das Metamorfoses, de Ovídio, a composição chama a atenção pela maneira como utiliza as vozes e as cordas, e se adequa muito bem ao propósito de acompanhar o filme, reforçando-lhe a carga dramática.
O Coro (preparado por Jésus Figueiredo) e a Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal enfrentaram muito bem a difícil partitura de Oser, sob a regência segura de Tobias Volkmann, alcançando todos um resultado bastante expressivo musicalmente, guardadas as proporções de uma obra escrita especificamente para acompanhar um filme mudo. Belo solo do tenor Jacques Rocha.
Antes de entrar em outros assuntos importantes, encerro com um esclarecimento: nada tenho contra a Série Música e Imagem, mas tenho tudo contra a falta de óperas em quantidade adequada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Não é razoável que, numa temporada pobre como a deste ano (mais uma!), a Série tenha a mesma importância na programação da casa que as óperas (empate em 3 a 3). Definitivamente, não é razoável. Falta ópera na programação do Municipal, e faltam também concertos sinfônicos, de preferência com participação do Coro.
Concurso público
O Theatro Municipal divulgou recentemente três aguardados editais referentes à realização de concurso público para seus Corpos Artísticos (Orquestra, Coro e Ballet). As Associações dos Corpos Artísticos, no entanto, questionam a quantidade de vagas disponibilizadas nos editais. Transcrevo abaixo a nota que recebi das Associações:
“A publicação do edital do concurso público para os Corpos Artísticos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro é o resultado de uma reivindicação antiga dos artistas da casa.
“Infelizmente, este edital não contempla todas as vagas existentes nos quadros artísticos. Houve uma redução drástica no quantitativo autorizado pelo Governador, sem nenhuma alegação plausível da Presidência da FTM/RJ.
“O pedido de vagas, acatado pelo Governador, era de 55 para a Orquestra, 35 para o Coro e 25 para o Ballet. A orquestra ficou só com 39 vagas, e alguns naipes não terão nenhuma vaga, como os contrabaixos, percussão; o coro ficou reduzido para 22 vagas; e o Ballet, de 25 vagas para apenas 13.
“É um fato lamentável, pois, após mais de uma década sem concurso público, e em carreiras tão específicas, perde-se esta oportunidade. Apesar do salário oferecido no edital ser muito abaixo do valor de mercado, torcemos para que todas as vagas sejam preenchidas, para assim garantirmos a realização das futuras temporadas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro”.
Carmina Burana
Em recente produção do Municipal, o balé Carmina Burana teve sua temporada prorrogada, devido à grande procura do público. Até aqui, tudo muito bem, mas é de se questionar: por que a ópera A Valquíria, com ingressos esgotados e apenas quatro récitas (sendo três com ingressos à venda e uma com entrada franca no dia do aniversário da casa) também não foi prorrogada?
Ainda sobre esta versão coreografada da célebre cantata profana de Carl Orff, a cuja estreia assisti, gostaria de saber quem é o dono do cérebro “privilegiado” que escalou o tenor Sebastião Câmara e o barítono Homero Velho para participarem da empreitada. O tenor esteve (muito!) abaixo da crítica, e o barítono demonstrou não ter a menor condição de cantar uma obra como esta: faltaram-lhe projeção adequada e senso de estilo, e sobraram-lhe agudos extremamente forçados. Dentre os solistas, somente a soprano Lina Mendes acariciou meus ouvidos.
A ópera e os camundongos
Essa é por pura gaiatice. Deu no Globo do último sábado, 14/09: um estudo de cientistas japoneses mostrou que camundongos reagem bem à recuperação de doenças cardíacas após ouvirem música clássica e ópera.
Ora, se a ópera faz bem assim aos camundongos, certamente faz também aos seres humanos, ainda mais em apresentações ao vivo. Alguém deveria avisar aos administradores do Municipal sobre isso. Quem sabe, no dia em que estes resolverem montar óperas em quantidade adequada, não estarão também prestando um serviço de saúde pública? Desculpem, não resisti…
Em São Paulo, suspeita de sabotagem; e O Ouro do Reno será em forma de concerto
De São Paulo, chegaram duas más notícias: a primeira deu conta de uma investigação em curso sobre suspeita de sabotagem nas produções líricas do Theatro Municipal paulistano. Em agosto, um elevador do palco apresentou defeito numa récita de Aida, e parou de funcionar; e no último domingo um problema na mesa de luz interrompeu uma récita de Don Giovanni, retomada alguns minutos depois. Segundo matéria do jornalista João Luiz Sampaio, no Estadão, a Prefeitura de São Paulo afirmou que partiu da própria polícia a decisão de associar os dois casos e aventar a possibilidade de sabotagem. Há também uma sindicância aberta no âmbito da própria Prefeitura para apurar as causas desses episódios.
Como se não bastasse, a ópera O Ouro do Reno, prevista para subir à cena lírica em novembro próximo, dentro do projeto “Anel brasileiro”, assinado pelo diretor André Heller-Lopes, não será mais encenada, e sim apresentada em forma de concerto. Uma nota curta e grossa publicada no site do Theatro Municipal apenas informa a alteração, sem, no entanto, esclarecer os motivos. É obrigação do Municipal paulistano esclarecer os motivos que levaram a esta alteração. Apenas informar que houve a mudança não reflete o respeito que o público merece.
Este cancelamento de encenação já é a segunda nota negativa da gestão artística de John Neschling na casa. A primeira fora o anúncio da não realização no ano que vem do Siegfried que completaria a tetralogia de Wagner. Tudo não passa de especulação, mas já é de se suspeitar seriamente que esse projeto não seja levado à frente – o que seria uma pena.
Espero que Neschling não esteja “(des)aprendendo” com os administradores do Municipal do Rio, exímios na “arte” do cancelamento.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
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