OS QUE SÓ GOSTAM DE ÓPERA GOSTAM DE TUDO QUE É ÓPERA. ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Muitos definem como uma “praga” o público de ópera, aquele que só vê a música como um largo campo em que se espraia a ópera e somente a ópera.
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Esse público tende a gostar de tudo que é ópera, bastando verificar os por cento do que dizem. A maioria gosta mais do artigo que da qualidade.
Tive um amigo que dizia “ah, para Paixões de Bach e sinfonias de Beethoven podem me dar ingresso que não vou. Quero é Traviata, Aida, Butterfly e outras do mesmo time. O resto para mim não é música.” O pior é que esse meu feliz e contentado amigo gostava de todas as encenações de ópera que via. Feliz amigo!! Voltava à casa sempre satisfeito depois de uma qualquer Aida e alguns chopes…
Acontece que a música é um vasto território ocupado também por composições que não são ópera. Há a monumental obra não cantada de Bach, há a excepcional obra não operística de Rameau, Händel e Vivaldi, há a colossal obra sinfônica e camerística de Mozart, de Beethoven, de Schubert, de Schumann, de Berlioz, de Mendelssohn, de Brahms, de Tchaikowsky e de tantos outros até chegar a nossos dias. Stravinsky, Prokofiev, Villa-Lobos, Gershwin, Copland, Britten, etc… etc… etc… estão aí brilhando na história da música sem óperas.
Há os mais radicais que vão aos extremos de dizer que as palavras das óperas as transformam em obras mais de teatro e drama cantado, como dizia Wagner, que de música. Este é o outro extremo do tema, digno de longas discussões e dissertações.
O que é prejudicial à arte é a presença de quem gosta só de ópera e procura entronizar a ópera como elemento principal da música. Ópera também faz parte do mundo da música e, assim sendo, nosso maior teatro também pôs em seu palco grandes artistas do canto. Os amantes da ópera também são filhos de Deus, mas muitos são chatíssimos com sua visão caolha e que só enxerga em uma direção.
O aspecto altamente negativo da presença atuante do público exclusivo da ópera é que o lado artístico/musical nas empreitadas operísticas quase sempre é deixado de lado, e é comum, é quase praxe, ver-se uma quantidade imensa de aplausos para os cantores que emitam mais super-agudos; para os sopranos ligeiros o mi bemol super-agudo é sempre motivo de frenéticos aplausos, para os tenores o dó de Di quella pira em Il trovatore é, se bem emitido e prolongado, o caminho da glória e da bem-aventurança com o público vindo abaixo.
Se se fizer uma verificação, os que só gostam de ópera têm apaixonada tendência a gostar de tudo que é encenação de ópera. A proporção entre elogios e não elogios é de vinte para um. Isto ocorre no Brasil, e não em países de tradição musical maior que a nossa, e de produção maior e melhor que a nossa. Nosso site pouco ou nada fala da produção não operística ou não cantada de Bach, Rameau, Vivaldi, Händel, Mozart, Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Schumann, Liszt, Tchaicowsky, Moussorgsky, Bruckner, Délibes, Berlioz, Brahms, Saint-Säens, Stravinsky, Villa-Lobos, Debussy, Ravel e tantos outros que merecem muito maior menção em nosso querido site. Eu mesmo devo ter contribuído para essa desproporção, pelo que me penitencio, embora seja eu um apaixonado admirador do barroco, do clássico, do romântico e do moderno e atual na música sem palavras.
O grande ponto negativo dos “opera maniacs” é que conduzem com sua euforia e sua valorização da competição ao esquecimento do resto da música. Não adianta discutir com o público, mas é desolador ver os teatros lotados em várias récitas da Tosca ou de La Traviata e vazio em obras primas como uma Paixão ou uma sinfonia de Brahms. É muito comum uma competição, com torcida e tudo, como se via entre Callas e Tebaldi, e muito rara uma competição que envolva dois míseros evangelistas ou dois esfarrapados Arrau e Rubinstein… Ou dois pobres coitados como Freire e Martita… A maioria do público só quer saber de ópera, principalmente ópera italiana. Quixote me diria : “ya se lo ve que no eres versado en cosas de musica…”
Longe de mim (já o disse muitas vezes) colocar a ópera em plano de inferioridade absoluta em relação a obras de outros formatos, e aí estão o Orfeu de Gluck, as Bodas de Mozart, o Tristão de Wagner,o Pélleas de Debussy. Mas aquele fã absoluto de ópera gosta mesmo é de uma Carmen ou um Rigoletto… Eu também gosto, mas em pé de igualdade com o resto da música. Na mesma semana, cantei no coro na França a Nona Sinfonia – que emoção!!, e no coro de Lakmé , de Délibes – que prazer!! Em Saint Germain-en-Laye, onde nasceu Debussy.
“Ya se lo ve que no eres cursado en estas cosas”, se me falasse de música me diria o Quixote enquanto atacava furibundo os pobres frades que encarava como inimigos. Sim, não sou cursado. E também confundo moinhos de vento com gigantes… Mas aprendi a colocar a ópera em seu lugar. Lugar de honra, mas não único.
Bem, peço licença, pois a tarde cai e vou ver um DVD com a Catira Batida da Bachianas 8, de Villa-Lobos. Depois, para adoçar, a sonata Primavera, de Beethoven. De ópera, se houver tempo, vou escutar Che puro ciel, do Orfeu de Glück.

“MORTA NON SON. GUARDAMI, TOCCA ! SON LA FIGLIA DEL RE.BACIAMI IN BOCCA!” – LORENZO STECCHETTI, “MEDIO EVO”
MARCUS GOES – SET 2013

Comentários

  1. Marcelo Lopes Pereira6 de setembro de 2013 às 10:47

    Muito bom artigo, confesso que antes da música sinfônica eu era um fã ardoroso apenas das óperas, até porque na década de 90 quando saí das fraldas comecei a frequentar o Theatro Mvnicipal e o prato principal sempre eram as óperas, felizmente na década seguinte pude conhecer a música sinfônica, depois passei para a música de câmara e piano, sendo hoje um fã ardoroso de todas as expressões musicais clássicas, na realidade eu fui somando ao longo do tempo.
    Acho que esses fãs ardorosos de óperas deveriam se aventurar e conhecer mais a música sinfônica, de câmara e pianística, pois todas elas se somam e misturam e na ópera são apenas mais uma expressão musical e teatral

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