TODO DIA É DIA, TODA HORA É HORA. CRÍTICA DE FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Concerto da OSB com Arnaldo Cohen demonstra que é sempre tempo de aprender.
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Você pode ter 14 anos e estar descobrindo as dores e delícias do amor, não importa. Ou estar na casa dos 20 e poucos e só pensar em futebol e balada. Tanto faz se você tem 35 anos e só consegue pensar na educação dos filhos. Também não faz diferença se você tem 50 e tantos anos e está completamente focado/a no trabalho. Ou mesmo se já passou dos 70 e somente quer curtir a aposentadoria numa boa. A pessoas de todas as idades, as artes – em especial, a música – podem ensinar muito sobre a existência humana neste planetinha azul. A grandeza e a mesquinhez dos homens se insinuam por entre as notas de tantas e tantas partituras clássicas.
É só escolher o repertório. Com Bach, descubra que a genialidade é, muitas vezes, filha da disciplina. Ouça Wagner e constate como as paixões movem os homens desde sempre. Mergulhe em Mozart e deixe-se levar pela graça e pela beleza da vida. Preste atenção a Beethoven e perceba, em um lampejo, até onde pode ir a nossa inteligência.
Mas para entender esse universo, é preciso um pouco de familiaridade com o seu alfabeto. Aproximar o público do mundo da música clássica era o objetivo do inglês Benjamin Britten (1913-1976) ao compor, em 1946, o Guia da Orquestra para Jovens (The Young Person’s Guide to the Orchestra) – Variações e Fuga sobre um Tema de Purcell, Op. 34, peça apresentada pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Roberto Minczuk, em concerto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro na tarde de 31 de agosto.
Escrita originalmente para o documentário didático intitulado Instrumentos da Orquestra, dirigido por Muir Mathieson e com a participação da Sinfônica de Londres, sob regência de Malcolm Sargent, a peça de Britten visava explicar aos jovens de 5 a 85 anos como funcionava essa louca máquina de fazer música. Tomando como ponto de partida um tema de Henry Purcell, compositor inglês do século 17, a música percorria e apresentava os naipes da orquestra, permitindo à audiência a compreensão de timbres, dinâmicas, características e personalidade de cada instrumento.
A apresentação da OSB contou com a participação do maestro Minczuk em uma narração leve e bem-humorada, que, entre uma explicação e outra sobre os instrumentos da orquestra, fazia piada com as trompas, dava espaço aos talentosos percussionistas (em especial, Rodrigo Foti nos tímpanos) e homenageava, com merecimento, os irmãos Paulo e Ricardo Santoro pela popularização do violoncelo no Rio de Janeiro. A escolha da peça atendeu também a dois outros motivos: o tributo ao centenário de Britten e uma reverência ao maestro alemão Kurt Masur, que regeria a OSB, mas teve de cancelar a vinda ao Brasil após uma queda durante uma apresentação em Israel, há alguns meses. “Mantivemos a obra para fazer essa homenagem”, declarou Roberto Minczuk ao jornal O Globo (31/8/13).
Cenas de cinema
O palco se transformou. Os instrumentos abriram espaço para a entrada da estrela da noite: piano e pianista. Arnaldo Cohen subiu ao palco para interpretar a (parcialmente) popular Rapsódia sobre um tema de Paganini, de Sergei Rachmaninoff (1873-1943), o maior compositor russo do século 20 e um dos maiores (com trocadilho, pois tinha mais de 2 metros de altura e uma mão que, dizem, espalmada, chegava a 30 cm do polegar à ponta do dedo mínimo) pianistas de seu tempo.
Lançada em 1934, com o próprio compositor como solista, traçava variações sobre um tema originalmente escrito para violino por Niccolo Paganini (1782-1840). Uma das variações – talvez a mais romântica – tornou-se bastante popular ao integrar a trilha sonora do filme Em Algum Lugar do Passado, dirigido por Jeannot Szwarc em 1980, e embalar a história de amor protagonizada por Christopher Reeve e Jane Seymour.
Cohen declarou ao jornal O Globo que sua participação foi um presente para sua mãe, que comemorava 90 anos de idade e adora a peça. Radicado nos EUA, onde leciona na Universidade de Indiana, o pianista só aceitou o convite para o concerto porque veio ao Rio para o aniversário da matriarca e devido à sua relação próxima com a obra de Rachmaninoff: foi ela uma das razões que o levaram a abandonar a Engenharia e abraçar o piano. Sua interpretação revelou a intimidade com a composição e com o instrumento, do qual extrai lirismo e densidade, além da técnica impecável. “Quando toco e fecho os olhos, eu vivo em um planeta estranho. É uma sensação que os terráqueos não podem entender, é muito difícil explicar, mas posso garantir que é um mundo maravilhoso”, disse o pianista em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em agosto de 2000. Acredite, Arnaldo, muitos de nós entendem e, como mamãe, ficam orgulhosos e gratos com o presente.
Ao fim, o sol
Após o breve intervalo, a OSB e seu maestro voltam à ribalta para a última peça do programa: a Sinfonia nº 8, Op. 88, de Antonín Dvořák (1841-1904). Um pouco menos conhecida que a sinfonia posterior (a nona, chamada de Novo Mundo), esta obra, em quatro movimentos, estreou em Praga, em 1890. Mesmo dividindo a opinião da crítica, caiu no gosto popular em função de suas melodias adoráveis. Composta na tonalidade de sol maior e com reconhecida inspiração na Sinfonia nº 5 em mi menor, Op. 64, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, é radiante e pastoril, dourada pelas intervenções dos metais e edulcorada pelos cantos de pássaros nas flautas no primeiro movimento (allegro con brio).
Mais lírico, o segundo movimento (adagio) evoca tranquilas paisagens. O terceiro (allegretto grazioso) é quase uma valsa, com um toque de melancolia. Encerrando, o movimento final (allegro ma non troppo) tem inspirações da Boêmia e exige da orquestra (que tinha quase 60 integrantes nesta récita) a construção de uma tensão crescente, que começa com uma fanfarra de trompetes e deságua em um regato cheio de cor e otimismo – a lição aprendida com esta bela composição de Dvořák. Já que a vida não tem manual de instruções, aprendamos, pois, e incessantemente, com a música, a eterna música.
Fabiano Gonçalves

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