EUDÓXIA DE BARROS, MAIS UMA VEZ UM RECITAL INESQUECÍVEL... CRÍTICA DE MARCELO LOPES PEREIRA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


Por Marcelo Lopes Pereira

O Mube, cuja arquitetura pessoalmente não me agrada, semanalmente aos domingos, realiza recitais de piano. Talvez o piano represente a arte musical mais intimista e onde o desempenho  individual do artista e principalmente seu ânimo no dia pesam muito. Infelizmente hoje em São Paulo a nobre arte do recital de piano está cada vez mais escassa, até na Sala São Paulo esse ano tivemos pouquíssimos recitais de piano. O esforço pessoal  que o Silvio Mansano   faz ao organizar esses recitais é uma prova de amor incontestável a música, principalmente dando uma oportunidade a jovens talentos de se apresentarem ao público de forma a  mostrar seus talentos e potencialidades. Afinal, se  a nossa juventude não se empenhar na música e não tiver oportunidades como as oferecidas pelo teatro do MUBE teremos um  triste crepúsculo de uma tradição  de pianistas brasileiros que se consolidou desde a Guiomar Novaes... Todos nós que gostamos de música devemos divulgar e prestigiar os recitais realizados no MUBE, pois  ali é um dos lugares onde o futuro da música erudita brasileira está a ser moldado e simplesmente por isso já merece muito apoio, respeito e admiração.
Falando em tradição ao piano, no último dia 5 de outubro fomos prestigiados com um inesquecível  recital da Eudóxia de Barros, que representa o que há de melhor na nossa tradição pianistica, vejo-a como uma discípula direta de Magda Tagliaferro e Guiomar Novaes. Nos recitais da Eudóxia , parece que elas ficam presentes , escondidas na plateia torcendo por um belo recital, vigiando reconditamente o público.
Eudóxia de Barros, foto Internet.
A presença da Eudóxia de Barros no recital parece ser mágica, ela transpira musicalidade e principalmente amor pelo que ela faz. O público pode perceber isso se entregando de corpo e alma durante  a sua interpretação sempre com grande expressividade. Tive o privilégio de vê-la três vezes durante esse ano, inclusive os programas do começo do ano e outubro foram iguais nas músicas e únicos em suas apresentações, com um colorido singular e uma entrega a música raramente vistas. Seus concertos além de tudo são didáticos pois antes de cada música ela dá uma explicação curta, porém muito útil e sóbria do que ouviremos a seguir, servindo como uma forma de aprendizado a todos os presentes. Afinal ela conhece o que vai ser apresentado como ninguém e fica muito feliz em nos guiar nas nuances e particularidades do que ouviremos a seguir.

Sua interpretação da Sonata de Mozart no começo do recital, foi formalmente perfeita, fez um Mozart colorido e leve, foi como se fosse um aquecimento do que viria a seguir para que nossos ouvidos se preparassem para a dramaticidade de Chopin que teríamos a seguir e ela saiu de um piano leve, bonito e suave de Mozart e subitamente embarcamos numa viagem sonora na qual ela expressava a intimidade de Chopin em toda a profundidade de suas notas que vão muito além da técnica, exigindo uma presença de espírito forte.

O apogeu do concerto na minha opinião foi Liszt, com sua Rapsódia Húngara número 6, numa interpretação com muita personalidade, habilidade e expressividade na qual ela mostrou grande virtuosismo num verdadeiro apogeu de Arte. Foi uma apresentação de tirar o fôlego dela e da plateia, se ela ficou um pouco ofegante ao final, gostaria de dizer que muitos do público também o ficaram, pois  foi uma interpretação do tamanho do Himalaia.

Entramos na segunda parte do concerto, onde ela coloca músicas brasileiras, incluindo seu marido Osvaldo Lacerda. A interpretação dela é tão cativante que todos os compositores brasileiros que ela tocou ficam no mesmo patamar que Chopin, Liszt e Mozart. Sua interpretação é tão expressiva e colorida que passa a impressão que qualquer pianista no mundo precisa tocá-las em seus recitais, para que eles fiquem mais “completos” e tenham uma riqueza musical maior, afinal ela passa a impressão que um repertório desses deve ser espalhado pelo mundo...

Finalmente nem tenho palavras para agradecer o que a Eudóxia de Barros faz pela música no Brasil, ela viaja por inúmeras cidades em que o acesso a Cultura de qualidade é praticamente impossível e mostra as mais variadas pessoas a alegria e preenchimento interior que apenas a música de qualidade pode proporcionar. Compositores brasileiros desconhecidos do público são apresentados as mais variadas pessoas em todos os rincões do Brasil, é como se ela fosse uma embaixadora, levando joias e riquezas desconhecidas por quase todos, sempre com a intenção de compartilhá-las. Infelizmente a grande mídia nacional deixa esses grandes compositores e artistas de  lado e apenas poucos, mas muito poucos mesmo os conhecem e apreciam seus tesouros musicais. Sem dúvida nenhuma, além de uma experiência artística edificante os recitais de Eudóxia de Barros tem um valor educativo e até mesmo histórico por tirar do limbo e gravar em seus CD´s  raridades da nossa música que ficarão para a posteridade. Como teremos Copa e Olímpiada seria esse um ótimo momento para o Brasil melhorar sua imagem  e dizer ao mundo que temos grandes compositores, poetas, pintores, pianistas e não apenas carnaval, futebol e desmandos políticos e empresariais.

Convido à todos que venham prestigiar os jovens talentos brasileiros todos os domingos lá no MUBE, que fica na Avenida Europa, 218. É um programa que vale à pena, também há um Museu, restaurantes, e uma feirinha de antiguidades.

Marcelo Lopes

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