VERDI : PODER DE PERMANÊNCIA. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Verdi: poder de permanência
Poucos compositores são tão celebrados quanto o italiano criador de La Traviata, Rigoletto e Il Trovatore. Seu bicentenário traz à tona uma importância que extravasa o mundo da ópera. Artigo originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo no dia 5 de outubro
O bicentenário do nascimento de Giuseppe Verdi (1813-1901) reforça o poder de permanência de um dos maiores gênios de toda a história da música. A data de nascimento do compositor, segundo os pesquisadores, seria 9 ou 10 de outubro de 1813, numa parte do norte da Itália dominada na época pelos franceses. Sintomático que aquele que seria um dos heróis da expulsão dos austríacos e da própria unificação de seu país, nasceu numa região italiana ocupada por Napoleão. Ao contrário de seu “rival” alemão, Richard Wagner (1813-1883), que nascera alguns meses antes, Verdi não passou sua infância num grande centro cultural. Enquanto o compositor alemão vivia em Leipzig (a Leipzig de Bach e Goethe), Verdi nasceu numa pequena aldeia chamada Le Roncole, e mesmo a cidade para onde a família mudou pouco depois de seu nascimento, Busseto, não oferecia nenhum tipo de vida musical considerável. Só aos vinte anos de idade é que o compositor passou a viver em Milão, e foi nesta cidade que Verdi aprofundou seus estudos musicais e tomou conhecimento das obras dos maiores compositores italianos da época: Rossini (1792-1868), Bellini (1801-1835) e Donizetti (1797-1848).
Seguindo os passos de seus antecessores, o compositor apresenta sua primeira ópera, Oberto, no Teatro La Scala de Milão, em 1839. O sucesso desta primeira obra lhe valeram novos convites, mas sua segunda ópera, Un Giorno di Regno, foi um fracasso, uma derrota que foi vivida pelo compositor junto com a morte de sua esposa, que acontecera pouco tempo depois da morte de suas duas filhas. É depois destes tempos difíceis que Verdi terá o seu primeiro triunfo inquestionável: Nabucco.
Esta ópera, digna herdeira dos grandes trabalhos líricos de seus antecessores contém uma das páginas mais conhecidas do compositor: o coro “Va Pensiero”, entoado pelos escravos hebreus, que logo viria a ser uma melodia conhecida pelos italianos do norte que ansiavam por sua independência da Áustria.
Depois de Nabucco, Verdi compôs uma série de 16 óperas em apenas 11 anos. Deste período destacam-se Macbeth (1847) e a assim chamada trilogia romântica: Rigoletto (1851), Il Trovatore (1853) e La Traviata (1853). Sua fama despontou de tal forma que logo foi convidado a escrever para o mais prestigiado teatro lírico daquele tempo, a Ópera de Paris. Para este importante teatro criou duas óperas em francês: Les Vêpres Siciliennes (1855) e Don Carlos (1867), sendo que esta última é, sem dúvida, uma de suas melhores obras.
Verdi foi um personagem importante na Unificação italiana, sendo que seu nome era usado em manifestações como uma sigla: V.E.R.D.I – Vittorio Emanuele Ré D’Italia –, conclamando aquele que viria a ser o primeiro monarca da Itália unificada. Em 1861, foi eleito para a Câmera de Deputados e em 1874 foi nomeado senador do reino pelo próprio rei. É por volta desta época que ele compôs sua obra mais conhecida fora do elemento operístico: o Requiem, homenagem póstuma ao escritor Alessandro Manzoni (1785-1873), personagem chave do novo status italiano.
A produção de Verdi foi se tornando mais esparsa, e em 1871 ele acreditava ter escrito sua última ópera: Aida, composta para a inauguração do Canal de Suez. Aida é um magnífico trabalho onde há uma mescla do forte estilo do compositor junto a estruturas encontradas na Grande Ópera francesa e o uso de motivos condutores wagnerianos. Aliás, o gênio alemão, Richard Wagner, o incomodava por ser considerado um músico progressista, enquanto muitos o tachavam de conservador. Foi somente depois da morte de Wagner, em 1883, que Verdi voltou a compor uma ópera, e o resultado foi absolutamente sublime: Otello (1887).
   Tendo como libretista o compositor Arrigo Boito (1842-1918), nunca uma ópera baseada em uma tragédia de Shakespeare foi tão bem realizada. Harmonias absolutamente originais, divisão formal inédita em trabalhos operísticos italianos e uma orquestração magnífica fazem com que muitos a vejam como sua obra-prima.
Seis anos depois, novamente tendo a colaboração de Boito, e mais uma vez adaptando uma peça de Shakespeare, Verdi, aos 79 anos, escreveria sua última ópera: Falstaff (1893). Última ópera, mas não a última composição: nos anos finais de sua vida o grande compositor italiano escreveu as Quatro Peças Sacras para coro e orquestra, partitura altamente sofisticada e original.
Uma transformação estilística excepcional
Do início de sua carreira até as suas últimas obras-primas, o mais admirável na produção do grande compositor italiano é o progresso em todos os aspectos: orquestral, harmônico e psicológico. Se desde os primeiros trabalhos a parte dramática permanece absolutamente eficiente, sua profundidade musical e psicológica o fez criar tipos musicalmente antológicos, como a tuberculosa Violeta, em La Traviata, o disforme corcunda de Rigoletto, a escrava saudosa de sua pátria em Aida e tantos outros. Além disso, forneceu novas cores para grandes personagens de Shakespeare: as três cenas (árias) de Lady Macbeth e todos os papéis principais de Otello e Falstaff assumem, com a música do grande compositor, uma dimensão poucas vezes sonhada.
Esta metamorfose, de um compositor provinciano para um grande gênio mundial, talvez nos explique a razão de Verdi ser um compositor tão amado. Apesar de seu comprometimento com os destinos políticos de seu país, não é apenas na Itália que ele é querido. Em todo o mundo existem inúmeros compositores que são adorados, respeitados, admirados. Mas poucos são tão amados como Giuseppe Verdi.
Para ouvir e ver Verdi
Existem centenas de gravações antológicas do grande compositor italiano. Vou me referir às que julgo as mais bem-sucedidas e essenciais. Da famosa Trilogia Romântica recomendo fortemente o Il Trovatore na gravação com Placido Domingo e Leontyne Price, sob regência de Zubin Mehta. Rigoletto é fantástica com Dietrich Fischer-Dieskau, Carlo Bergonzi e Renata Scoto, sob regência de Rafael Kubelik. A maior intérprete do papel de Violeta em La Traviata foi, sem dúvida, Maria Callas (1923-1977), no entanto, todas os registros dela da ópera completa apresentam problemas técnicos de gravação. A melhor opção é a gravação feita por acaso, em Lisboa, junto a Alfredo Kraus, com regência de Franco Ghione. Algo indispensável quando falamos de Verdi/Callas é conhecer a gravação que ela realizou em Londres das três cenas de Lady Macbeth regidas por Nicola Rescigno.
Aida nunca foi tão bem gravada como na antiga versão de Leontyne Price e John Vickers, regida por Georg Solti, e o Otello gravado por Placido Domingo sob a regência de James Levine permanece a referência absoluta, assim como o Falstaff regido por Leonard Bernstein, com Dietrich Fischer Dieskau.
Em DVD destacaria o belíssimo Don Carlos, no original em francês, com Ricardo Alagna, Karita Mattila e Waltraud Meier, gravado em Paris. Outro DVD antológico é o Otello gravado em Londres, com Placido Domingo e Kiri Te Kanawa, sob a regência eletrizante de Georg Solti.
Todos esses são documentos, em áudio ou em vídeo, que registram a grandiosidade de um gênio que não para de nos surpreender.

Osvaldo Colarusso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/

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