LO SCHIAVO - UM ÍNDIO ESCRAVO , SIM SENHOR! ARTIGO DE MARCUS GÓES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Essa ópera até hoje dá margem a indevidas polêmicas e descabidas afirmações das quais, para muitos, sai diminuído o valor de Carlos Gomes.
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Sempre que passamos por mais um 15 de novembro e comemoramos (lamentamos?) a instituição da República, alguns amigos meus lembram-se de como era o momento musical no Brasil naquele período, e logo vem à baila a ópera LO SCHIAVO, de Carlos Gomes  (1836/1896), estreada no Rio de Janeiro em setembro daquele ano no ainda Teatro Dom Pedro II, logo depois Teatro Lírico.  
Essa ópera até hoje dá margem a indevidas polêmicas e descabidas afirmações das quais, para muitos, sai diminuído  o valor de Carlos Gomes. Tais polêmicas e afirmações têm como fulcro o fato de o protagonista do título, Iberê, ser um índio e não um negro escravo.
Afirmam que não houve índios escravos no Brasil, que o índio não se deixava escravizar, que Carlos Gomes teve medo de se indispor com muita gente importante pondo um negro como protagonista e outros que tais, prosseguindo no obscuro e pernicioso caminho da ignorância dos falsos eruditos. Por estes dias, folheando ao acaso a Internet, essa generosa mãe de todos, dei de cara com um artigo publicado há algum tempo na revista VEJA, em que o articulista, do qual não verifiquei nem interessa o nome, é severo, venenoso e taxativo contra o índio/escravo de Carlos Gomes e contra o compositor, o que me leva a escrever  (de memória) estas mal traçadas.
Houve sim, e como, escravização de índios no Brasil, e são fartas a bibliografia e as referências a respeito (Varnhagen, Fernando Rebouças, etc…  v. Internet). Os  bandeirantes, em suas entradas e bandeiras, mencionam por escrito que saiam de seus lugares de origem em busca de ouro, outras riquezas e índios, que aprisionavam e escravizavam. Assim o citam Fernão Dias, Antônio Dias de Oliveira, Garcia Rodrigues Paes nos séculos XVII e XVIII. E assim o citam os próprios descobridores, que já no início do século XVI obrigavam os índios ao trabalho escravo.
Baseado nessas evidências históricas, Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811/1882) publica em 1857 aquela que seria uma das fontes maiores do libreto de LO SCHIAVO, o poema épico A CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS, o qual foi usado e adaptado por Alfredo d`Escragnolle Taunay (1843/1899), em conjunto com LES DANICHEF, de Alexandre Dumas Filho, para o enredo e libreto da ópera. No longo poema, o herói é o chefe tamoio  AIMBIRA ou AIMBERÊ , o qual, inserido por Taunay em LES DANICHEF, se torna um escravo. Depois, o poeta italiano RODOLFO PARAVICINI finaliza o libreto da ópera, com várias intervenções de Taunay.
Não foi portanto Carlos Gomes que inventou a figura do índio escravo, nem isso não existira. E, a julgar pela música de LO SCHIAVO, tinha sido justamente a insistente existência do Vale do Paraíba nos escritos de Taunay o que mais o emocionou como sensível ser humano e como artista da música. Essa emoção só seria aproveitável se o enredo da ópera se ligasse ao vale, o que não seria possivel se esse enredo começasse com um escravo negro, natural de Quilôa ou Mombaça…          
O escravo índio caiu como uma luva naquela profusão de fontes. Não haveria o céu do Paraíba, nem Iberê, nem Ilara, nem a belíssima música da ópera erguida em torno deles sem o índio tamoio e sua condição de escravo obrigado a casar-se com a índia designada por seus senhores.
Além de tudo, a história de LO SCHIAVO se passa na época da fundação da cidade do Rio de Janeiro, quando era abundantíssima a escravização dos índios tamoios pelos portugueses. E, mais, Carlos Gomes não deu a menor atenção a pretensos empresários europeus que o teriam influenciado a repetir o sucesso de IL GUARANY, fazendo de um índio o herói de LO SCHIAVO. Foi mesmo Taunay, sempre grande amigo e protetor de Carlos Gomes, a conduzir tudo. E Taunay, misturando A CONFEDERAÇÃO DOS TAMOIOS e LES DANICHEF, fornecera a seu amigo e protegido um índio escravo cuja mulher lamentava com amargura a ausência do vale do Paraíba. Como tanto lamentava o próprio Carlos Gomes em sua exilada vida.
O CIEL DI PARAHYBA, DOVE SOGNAI D´AMOR…
MARCUS GÓES, de memória/novembro 2013

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