LUGAR DE MULHER (TAMBÉM) É NO PALCO. ENTREVISTAS DE ABEL ROCHA, IGOR VIEIRA E MIRNA RUBIM PARA FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
OSB apresenta duas óperas curtas que retratam o papel da mulher em momentos distintos da História. Leia entrevistas.
Elas já foram esposas submissas, donas de casa sufragistas, filhas tresloucadas. Já queimaram sutiãs, tomaram a pílula e ingressaram no mundo do trabalho. Já foram representadas por Simone de Beauvoir, Malu Mulher e Pussy Riot.
Na noite de 31 de outubro, às 20h., no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, elas serão Dinah e Susana – respectivamente as protagonistas das óperas Trouble in Tahiti, do norte-americano Leonard Bernstein (apresentada pela primeira vez em 1952), e Segredo de Susana, do italiano Ermano Wolf-Ferrari (que estreou em 1909, na Alemanha, e foi apresentada no Brasil três vezes de 1955 a 1959).
As duas peças serão apresentadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, sob regência do maestro Abel Rocha, e retratam o papel da mulher no início do século 20 (Segredo de Susana) e cinquenta anos depois (Trouble in Tahiti). Em ambas, elas têm um papel de submissão: Susana deve obedecer ao marido e Dinah só pode desempenhar os papéis de esposa, mãe e dona de casa. As duas personagens serão interpretadas pela soprano Mirna Rubim, que será acompanhada pelo barítono Igor Vieira (nos papéis de Sam e Conde Gil). Trouble in Tahiti conta ainda com um coro formado pelos cantores Lara Cavalcanti (soprano), Geilson Santos (tenor) e Vinícius Atique (barítono).
Os artistas à frente da produção – Rocha ,Vieira e Mirna – conversaram com o Movimento.com sobre o trabalho.
Entrevista com o maestro Abel Rocha
Foi diretor artístico do Teatro Municipal de São Paulo e regente titular da OSB em 2011 e 2012. Foi responsável pela regência e direção musical de montagens brasileiras de óperas de Schönberg, Debussy, Händel, Mozart, Rossini, Donizetti, Verdi, Bizet e Puccini. Realizou as estreias mundiais de títulos brasileiros como Anjo negro, de João Guilherme Ripper, Brasil outros 500, de Toquinho e Millôr Fernandes, e A tempestade, de Ronaldo Miranda. Trabalhou ainda com os grupos Cia. Brasileira de Ópera, Sinfônica de Porto Alegre, Filarmônica de Minas Gerais, Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro (Brasília), Camerata Antiqua de Curitiba, Sinfônica do Estado de São Paulo e Orquestra Sinfônica do Sodre, de Montevidéu, entre outras.
Para um maestro, quais os principais desafios de apresentar, na mesma noite, duas obras de estilos tão diversos como o bel-canto de Segredo de Susana e a palheta jazzística de Trouble in Tahiti? É tudo música ou cada peça tem um mundo particular, com características próprias?
Costumo dizer que ensaiar obras curtas, principalmente óperas, muitas vezes é mais intenso e custoso do que ensaiar uma longa sinfonia por inteiro. Isso porque a música sinfônica se organiza em suas próprias ideias e estruturas, e a execução do texto musical, por mais variado que seja, segue uma fluência prevista. Ao passo que a música de ópera pauta-se pelas emoções do texto e pela dramaturgia do espetáculo
Assim, em obras de breve duração como esses dois títulos, haverá uma infinidade de convenções, mudanças bruscas de tempo, andamento, climas, enfim, do perfil dramático. E cada uma dessas mudanças deve ser ensaiada, explicada, convencionada. Todos devem estar bem sintonizados nessas mudanças rápidas, que fazem da ópera o espetáculo ágil e cativante que é. E, claramente, o perfil musical claramente distinto dos dois títulos nos exige uma grande diversidade de maneiras de cantar, tocar e interpretar.
A regente Marin Alsop declarou sobre Leonard Bernstein: “Um dos maiores presentes que ele compartilhou comigo foi o significado da história: cada peça tem uma história inerente e que cada compositor passa sua vida tentando articular a sua própria história pessoal e responder a essas questões existenciais que tanto o consomem” (tradução livre). Para você, quais são as grandes questões apresentadas nas duas peças do concerto?
Há diversas obras no repertório lírico que são universais, pelo aspecto profundamente humano de seus temas. Assim, tanto Segredo de Susana como Trouble in Tahiti nos propiciam a possibilidade de discutir a atualíssima questão da comunicação entre seres humanos, em especial entre casais que, cada um a seu modo, têm sua rotina e seu relacionamento prejudicados.
Susana não consegue revelar seu “vício” e, ao esconder tal fato, gera desconfiança e ciúmes em Gil, seu marido há pouco mais de um mês. Dinah e Sam, num relacionamento já longo, têm dificuldades em parar e ouvir um ao outro, em compartilhar emoções, cada um culpando o outro. Tentam, mas não conseguem. E se pergunta como foi que se perderam no caminho.
Assim, podemos ver um grande paralelo em nossas relações atuais, em que, apesar da enorme quantidade de meios de comunicação (SMS, redes sociais, celulares, e-mails etc…), nos afastamos da essência da comunicação com entes queridos e nos perdemos na superficialidade da tecnologia.
Fale-nos um pouco da preparação deste concerto: a escolha do repertório, o processo de ensaios, a seleção de elenco e as dificuldades e alegrias do caminho.
Como as óperas são muito distintas, inclusive nas características vocais dos personagens que cada cantor interpreta, no processo de ensaio preciso levar em consideração essas demandas. Qual ópera ensaiar primeiro? Em que ordem colocá-las na agenda de ensaios e do concerto, para permitir uma adequada realização vocal pelos solistas?
É sempre extremamente prazeroso o processo de criação dos personagens, quando podemos discutir suas personalidades, seus desejos, e construir toda a interpretação vocal e musical das óperas. Trabalhar com o elenco deste espetáculo foi muito prazeroso.
Entrevista com o barítono Igor Vieira
O carioca Vieira estreou profissionalmente aos 17 anos de idade em uma montagem de Carmen no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Desde então, já se apresentou em 64 papéis com diferentes companhias ao redor do mundo. Na San Francisco Opera, uma das companhias de ópera mais importantes do mundo, fez seu primeiro papel em 2010, interpretando Happy (La Fanciulla del West, de Puccini), tendo sido o primeiro barítono brasileiro a cantar com esta companhia. O cantor foi finalista mundial no V Concurso de Canto Luciano Pavarotti na Filadélfia e recebeu o Prêmio Margareth Tudor por dois anos consecutivos.
De acordo com as informações de seu site, os papéis que você já cantou concentram-se principalmente nos compositores clássicos. The Hotel Casablanca (Thomas Pasatieri, 2007), O Urso (William Walton, 1967), A Violação de Lucrécia e Sonho de uma Noite de Verão (Benjamin Britten, 1946 e 1960, respectivamente), e agora Trouble in Tahiti são as suas incursões no mundo operístico do século 21. Para o cantor, quais as principais qualidades e dificuldades da música erudita moderna e contemporânea?
Todas essas produções te ajudam muito, como músico e como artista, a amadurecer e a aprimorar a técnica tanto vocal, quanto musical e dramática. A parte técnica das composições modernas é extremamente desafiadora. Por parte técnica, quero dizer ritmos e notas escolhidas pelos compositores modernos, que usam muito síncopes, dissonâncias e harmonias bem mais complexas que os compositores mais clássicos.
Quanto à parte dramática, no entanto, muitas vezes compositores modernos escolhem temas mais atuais e mais fáceis de se relacionar. Para mim, no entanto, todas possuem desafios e qualidades. Eu gosto muito do desafio de aprender e preparar as composições modernas, pois elas obrigam o artista a se manter um bom musicista e impulsionam para frente.
Sua carreira inclui apresentações em várias partes do mundo, como EUA, República Tcheca, Eslováquia e França. Quais são as características que mais marcam o público do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, casa onde você estreou?
Mesmo com o risco de soar um pouco clichê, tenho de dizer que cantar na nossa terra natal é sempre um prazer e uma honra muito grandes. O público carioca possuiu uma mistura única de calor humano com exigência musical que o torna uma plateia ao mesmo tempo maravilhosa e aterrorizante. É como cantar para os seus próprios pais. Tudo que você quer é fazê-los orgulhosos, mas existe sempre aquele medo imenso de não se conseguir chegar lá. Cada vez que eu piso no palco do Theatro Municipal do Rio é, acima de tudo, uma profunda honra poder estar num palco onde tantos gênios da música estiverem antes de mim.
Os artistas à frente da produção – Mirna, Rocha e Vieira – conversaram com o Movimento.com sobre o trabalho.
Entrevista com a soprano Mirna Rubim
Mirna Rubim é doutora em Voice Performance pela Universidade de Michigan (2004) e Professora Adjunta de Canto na Unirio desde 1996. Tem se dedicado à pedagogia aplicada ao mercado de ópera e musicais, e recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior, incluindo o primeiro lugar no II Concurso Nacional de Canto em Brasília, em 1994, e foi finalista do Concurso da Associação Verismo de Ópera no Carnegie Hall, em janeiro de 2004. Dos vários papéis de sua carreira destacam-se Micaëla (Carmen); Liù (Turandot), Angelica (Suor Angelica), Fidelia (Edgar) e Anna (Le Villi); Donna Elvira (Don Giovanni), Pamina (A Flauta Mágica), Contessa (As Bodas de Fígaro) e Magda Sorel (The Consul). Participou ainda de importantes concertos, como a abertura oficial do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e no Projeto Aquarius, na Praia de Copacabana, com público de aproximadamente 20 mil pessoas.
O concerto do dia 31 apresentará duas obras que retratam o papel submisso da mulher, no início do século 20 (Segredo de Susana) e cinquenta anos depois (Trouble in Tahiti). Muita coisa ocorreu de lá para cá: sutiãs foram queimados, a pílula trouxe liberdade sexual, o mundo do trabalho viu o ingresso das mulheres, surgiu a Lei Maria da Penha… Neste começo de século 21, qual é o lugar da mulher? Ainda é na cozinha?
A mulher de hoje está perdida em seu papel. Assim como o próprio homem. E para mim, as questões estão intimamente conectadas ao fim definitivo do papel do “provedor”. Enquanto o homem era o único a trabalhar e sustentar a casa, ele detinha o comando absoluto, já que a mulher não teria outra opção. A menos que se divorciasse, o que teria o preço do escândalo, ela teria sua pensão e alguma autonomia, ainda que sustentada pelo ex-marido.
Hoje, a mulher contribui com a renda da casa. Isso dificulta a distribuição de “poder” e “autoridade” no ambiente do lar, causando uma grande dificuldade para os casais modernos, acredito. Já existem cursos de economia doméstica que deveriam incluir esse tópico sociopsicoeconômico em suas aulas. Espero que já tenham previsto isso.
O seu lugar como cantora são vários: estuda nos EUA e grava A Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos (2010, com a Orquestra Petrobras Sinfônica, sob regência do maestro Isaac Karabitchevsky); vive a Madre Superiora do musical A Noviça Rebelde (em 2008, com direção de Cláudio Botelho e Charles Möeller) e interpreta Mozart, Mahler e Puccini; dá aulas para celebridades como Miguel Falabella e Marília Pera, e é orientada por professores como Diva Pieranti, Nélson Portella e Grace Bumbry. O que de bom há, em termos pessoais e profissionais, em transitar por esses mundos diversos?
Há a permanente inovação e minha permanente renovação interior. Eu tenho uma necessidade íntima de conhecer a linguagem do outro e desenvolver uma linguagem técnica customizada para cada aluno. Por isso escolhi transitar em todos esses mundos para buscar uma linguagem pedagógica atual, versátil e múltipla. Cada mundo me trouxe sua peculiaridade, sua nuance, sua linguagem técnica, novos comportamentos, maior resiliência emocional e um grande crescimento pessoal. Não teria aprendido tanto com meus alunos e com todos os professores, maestros, diretores e coaches incríveis que tive se não tivesse tido um atitude versátil e aberta.
Texto e entrevistas de Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
Elas já foram esposas submissas, donas de casa sufragistas, filhas tresloucadas. Já queimaram sutiãs, tomaram a pílula e ingressaram no mundo do trabalho. Já foram representadas por Simone de Beauvoir, Malu Mulher e Pussy Riot.
Na noite de 31 de outubro, às 20h., no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, elas serão Dinah e Susana – respectivamente as protagonistas das óperas Trouble in Tahiti, do norte-americano Leonard Bernstein (apresentada pela primeira vez em 1952), e Segredo de Susana, do italiano Ermano Wolf-Ferrari (que estreou em 1909, na Alemanha, e foi apresentada no Brasil três vezes de 1955 a 1959).
As duas peças serão apresentadas pela Orquestra Sinfônica Brasileira, sob regência do maestro Abel Rocha, e retratam o papel da mulher no início do século 20 (Segredo de Susana) e cinquenta anos depois (Trouble in Tahiti). Em ambas, elas têm um papel de submissão: Susana deve obedecer ao marido e Dinah só pode desempenhar os papéis de esposa, mãe e dona de casa. As duas personagens serão interpretadas pela soprano Mirna Rubim, que será acompanhada pelo barítono Igor Vieira (nos papéis de Sam e Conde Gil). Trouble in Tahiti conta ainda com um coro formado pelos cantores Lara Cavalcanti (soprano), Geilson Santos (tenor) e Vinícius Atique (barítono).
Os artistas à frente da produção – Rocha ,Vieira e Mirna – conversaram com o Movimento.com sobre o trabalho.
Entrevista com o maestro Abel Rocha
Foi diretor artístico do Teatro Municipal de São Paulo e regente titular da OSB em 2011 e 2012. Foi responsável pela regência e direção musical de montagens brasileiras de óperas de Schönberg, Debussy, Händel, Mozart, Rossini, Donizetti, Verdi, Bizet e Puccini. Realizou as estreias mundiais de títulos brasileiros como Anjo negro, de João Guilherme Ripper, Brasil outros 500, de Toquinho e Millôr Fernandes, e A tempestade, de Ronaldo Miranda. Trabalhou ainda com os grupos Cia. Brasileira de Ópera, Sinfônica de Porto Alegre, Filarmônica de Minas Gerais, Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro (Brasília), Camerata Antiqua de Curitiba, Sinfônica do Estado de São Paulo e Orquestra Sinfônica do Sodre, de Montevidéu, entre outras.
Para um maestro, quais os principais desafios de apresentar, na mesma noite, duas obras de estilos tão diversos como o bel-canto de Segredo de Susana e a palheta jazzística de Trouble in Tahiti? É tudo música ou cada peça tem um mundo particular, com características próprias?
Costumo dizer que ensaiar obras curtas, principalmente óperas, muitas vezes é mais intenso e custoso do que ensaiar uma longa sinfonia por inteiro. Isso porque a música sinfônica se organiza em suas próprias ideias e estruturas, e a execução do texto musical, por mais variado que seja, segue uma fluência prevista. Ao passo que a música de ópera pauta-se pelas emoções do texto e pela dramaturgia do espetáculo
Assim, em obras de breve duração como esses dois títulos, haverá uma infinidade de convenções, mudanças bruscas de tempo, andamento, climas, enfim, do perfil dramático. E cada uma dessas mudanças deve ser ensaiada, explicada, convencionada. Todos devem estar bem sintonizados nessas mudanças rápidas, que fazem da ópera o espetáculo ágil e cativante que é. E, claramente, o perfil musical claramente distinto dos dois títulos nos exige uma grande diversidade de maneiras de cantar, tocar e interpretar.
A regente Marin Alsop declarou sobre Leonard Bernstein: “Um dos maiores presentes que ele compartilhou comigo foi o significado da história: cada peça tem uma história inerente e que cada compositor passa sua vida tentando articular a sua própria história pessoal e responder a essas questões existenciais que tanto o consomem” (tradução livre). Para você, quais são as grandes questões apresentadas nas duas peças do concerto?
Há diversas obras no repertório lírico que são universais, pelo aspecto profundamente humano de seus temas. Assim, tanto Segredo de Susana como Trouble in Tahiti nos propiciam a possibilidade de discutir a atualíssima questão da comunicação entre seres humanos, em especial entre casais que, cada um a seu modo, têm sua rotina e seu relacionamento prejudicados.
Susana não consegue revelar seu “vício” e, ao esconder tal fato, gera desconfiança e ciúmes em Gil, seu marido há pouco mais de um mês. Dinah e Sam, num relacionamento já longo, têm dificuldades em parar e ouvir um ao outro, em compartilhar emoções, cada um culpando o outro. Tentam, mas não conseguem. E se pergunta como foi que se perderam no caminho.
Assim, podemos ver um grande paralelo em nossas relações atuais, em que, apesar da enorme quantidade de meios de comunicação (SMS, redes sociais, celulares, e-mails etc…), nos afastamos da essência da comunicação com entes queridos e nos perdemos na superficialidade da tecnologia.
Fale-nos um pouco da preparação deste concerto: a escolha do repertório, o processo de ensaios, a seleção de elenco e as dificuldades e alegrias do caminho.
Como as óperas são muito distintas, inclusive nas características vocais dos personagens que cada cantor interpreta, no processo de ensaio preciso levar em consideração essas demandas. Qual ópera ensaiar primeiro? Em que ordem colocá-las na agenda de ensaios e do concerto, para permitir uma adequada realização vocal pelos solistas?
É sempre extremamente prazeroso o processo de criação dos personagens, quando podemos discutir suas personalidades, seus desejos, e construir toda a interpretação vocal e musical das óperas. Trabalhar com o elenco deste espetáculo foi muito prazeroso.
Entrevista com o barítono Igor Vieira
O carioca Vieira estreou profissionalmente aos 17 anos de idade em uma montagem de Carmen no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Desde então, já se apresentou em 64 papéis com diferentes companhias ao redor do mundo. Na San Francisco Opera, uma das companhias de ópera mais importantes do mundo, fez seu primeiro papel em 2010, interpretando Happy (La Fanciulla del West, de Puccini), tendo sido o primeiro barítono brasileiro a cantar com esta companhia. O cantor foi finalista mundial no V Concurso de Canto Luciano Pavarotti na Filadélfia e recebeu o Prêmio Margareth Tudor por dois anos consecutivos.
De acordo com as informações de seu site, os papéis que você já cantou concentram-se principalmente nos compositores clássicos. The Hotel Casablanca (Thomas Pasatieri, 2007), O Urso (William Walton, 1967), A Violação de Lucrécia e Sonho de uma Noite de Verão (Benjamin Britten, 1946 e 1960, respectivamente), e agora Trouble in Tahiti são as suas incursões no mundo operístico do século 21. Para o cantor, quais as principais qualidades e dificuldades da música erudita moderna e contemporânea?
Todas essas produções te ajudam muito, como músico e como artista, a amadurecer e a aprimorar a técnica tanto vocal, quanto musical e dramática. A parte técnica das composições modernas é extremamente desafiadora. Por parte técnica, quero dizer ritmos e notas escolhidas pelos compositores modernos, que usam muito síncopes, dissonâncias e harmonias bem mais complexas que os compositores mais clássicos.
Quanto à parte dramática, no entanto, muitas vezes compositores modernos escolhem temas mais atuais e mais fáceis de se relacionar. Para mim, no entanto, todas possuem desafios e qualidades. Eu gosto muito do desafio de aprender e preparar as composições modernas, pois elas obrigam o artista a se manter um bom musicista e impulsionam para frente.
Sua carreira inclui apresentações em várias partes do mundo, como EUA, República Tcheca, Eslováquia e França. Quais são as características que mais marcam o público do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, casa onde você estreou?
Mesmo com o risco de soar um pouco clichê, tenho de dizer que cantar na nossa terra natal é sempre um prazer e uma honra muito grandes. O público carioca possuiu uma mistura única de calor humano com exigência musical que o torna uma plateia ao mesmo tempo maravilhosa e aterrorizante. É como cantar para os seus próprios pais. Tudo que você quer é fazê-los orgulhosos, mas existe sempre aquele medo imenso de não se conseguir chegar lá. Cada vez que eu piso no palco do Theatro Municipal do Rio é, acima de tudo, uma profunda honra poder estar num palco onde tantos gênios da música estiverem antes de mim.
Os artistas à frente da produção – Mirna, Rocha e Vieira – conversaram com o Movimento.com sobre o trabalho.
Entrevista com a soprano Mirna Rubim
Mirna Rubim é doutora em Voice Performance pela Universidade de Michigan (2004) e Professora Adjunta de Canto na Unirio desde 1996. Tem se dedicado à pedagogia aplicada ao mercado de ópera e musicais, e recebeu vários prêmios no Brasil e no exterior, incluindo o primeiro lugar no II Concurso Nacional de Canto em Brasília, em 1994, e foi finalista do Concurso da Associação Verismo de Ópera no Carnegie Hall, em janeiro de 2004. Dos vários papéis de sua carreira destacam-se Micaëla (Carmen); Liù (Turandot), Angelica (Suor Angelica), Fidelia (Edgar) e Anna (Le Villi); Donna Elvira (Don Giovanni), Pamina (A Flauta Mágica), Contessa (As Bodas de Fígaro) e Magda Sorel (The Consul). Participou ainda de importantes concertos, como a abertura oficial do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e no Projeto Aquarius, na Praia de Copacabana, com público de aproximadamente 20 mil pessoas.
O concerto do dia 31 apresentará duas obras que retratam o papel submisso da mulher, no início do século 20 (Segredo de Susana) e cinquenta anos depois (Trouble in Tahiti). Muita coisa ocorreu de lá para cá: sutiãs foram queimados, a pílula trouxe liberdade sexual, o mundo do trabalho viu o ingresso das mulheres, surgiu a Lei Maria da Penha… Neste começo de século 21, qual é o lugar da mulher? Ainda é na cozinha?
A mulher de hoje está perdida em seu papel. Assim como o próprio homem. E para mim, as questões estão intimamente conectadas ao fim definitivo do papel do “provedor”. Enquanto o homem era o único a trabalhar e sustentar a casa, ele detinha o comando absoluto, já que a mulher não teria outra opção. A menos que se divorciasse, o que teria o preço do escândalo, ela teria sua pensão e alguma autonomia, ainda que sustentada pelo ex-marido.
Hoje, a mulher contribui com a renda da casa. Isso dificulta a distribuição de “poder” e “autoridade” no ambiente do lar, causando uma grande dificuldade para os casais modernos, acredito. Já existem cursos de economia doméstica que deveriam incluir esse tópico sociopsicoeconômico em suas aulas. Espero que já tenham previsto isso.
O seu lugar como cantora são vários: estuda nos EUA e grava A Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos (2010, com a Orquestra Petrobras Sinfônica, sob regência do maestro Isaac Karabitchevsky); vive a Madre Superiora do musical A Noviça Rebelde (em 2008, com direção de Cláudio Botelho e Charles Möeller) e interpreta Mozart, Mahler e Puccini; dá aulas para celebridades como Miguel Falabella e Marília Pera, e é orientada por professores como Diva Pieranti, Nélson Portella e Grace Bumbry. O que de bom há, em termos pessoais e profissionais, em transitar por esses mundos diversos?
Há a permanente inovação e minha permanente renovação interior. Eu tenho uma necessidade íntima de conhecer a linguagem do outro e desenvolver uma linguagem técnica customizada para cada aluno. Por isso escolhi transitar em todos esses mundos para buscar uma linguagem pedagógica atual, versátil e múltipla. Cada mundo me trouxe sua peculiaridade, sua nuance, sua linguagem técnica, novos comportamentos, maior resiliência emocional e um grande crescimento pessoal. Não teria aprendido tanto com meus alunos e com todos os professores, maestros, diretores e coaches incríveis que tive se não tivesse tido um atitude versátil e aberta.
Texto e entrevistas de Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
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