MÚSICA DE ENFEITIÇAR. ENTREVISTA COM O MEZZO-SOPRANO CAROLINA FARIA POR FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

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OSB – O&R encerra série Repertório interpretando Rossini, Mendelssohn, Piazzolla e de Falla. Leia entrevista.
Latinidade não vai faltar no último concerto do ano da série Repertório, da Orquestra Sinfônica Brasileira – Ópera & Repertório. Na apresentação, que ocorre no dia 9 de novembro, às 17h, no Espaço Tom Jobim (Rua Jardim Botânico, 1.008, Jardim Botânico. Tel.: [21] 2274-7012). Regida pelo maestro Roberto Duarte, a OSB – O&R interpretará obras que remetem ao mundo hispânico: a abertura da ópera O Barbeiro de Sevilha, de G. Rossini; a Sinfonia n° 4 em Lá maior, op.90 – “Italiana”, de F. Mendelssohn; Tangazzo, de A. Piazzolla; e a suíte El Amor Brujo, de M. de Falla. Nesta peça, contará com a participação da mezzo-soprano carioca Carolina Faria.
Reconhecida por público e crítica como uma das mais bonitas e expressivas vozes da nova geração de cantores líricos, Carolina possui extenso repertório sinfônico, de canções e obras de câmara, já tendo se apresentado sob direção de Pascal Rophé, Gabriel Yared, Isaac Karabtchevsky, Luiz Fernando Malheiro, John Neschling, José Maria Florêncio, Roberto Tibiriçá, Ricardo Rocha, Sérgio Britto, Nelson Portella e André Heller-Lopes, entre outros.

Confira a entrevista da cantora Carolina Faria com Movimento.com.

A música clássica de diversos sotaques folclóricos ou nacionais não é nenhuma novidade – haja vista as peças ditas húngaras de Liszt, certas óperas russas de autores como Glinka, tantas composições do nosso Villa-Lobos e a suíte de de Falla que integrará o concerto do dia 9/11. Você acredita que uma nação precise incorporar às composições suas tradições folclóricas a fim de se afirmar no firmamento da música clássica ou não é esse o fato que inscreve uma cultura no vasto país da música erudita?
Acredito que o caminho que leva o folclore e a cultura popular às salas de concerto é natural, algo como a língua materna para o artista – o pano de fundo pra toda nossa movimentação e criação, nosso ponto de partida. Acho absolutamente natural nos expressarmos sem acanhamento como brasileiros, e tanto oferecermos nossa leitura das grandes obras, com nosso sotaque, como mostrar aquilo que nos torna únicos, nosso folclore e tradição populares – mas nunca como condição, o que nos congelaria.
Creio a música que chegou até nós e cruzou séculos, aquela que chamamos de grande música, é a que toca fundo a alma e fala de coisas que nos são comuns a todos, como a alegria, a dor, a perda, o sentimento de amizade, enfim, nossos arquétipos.

O timbre de soprano, muitas vezes, para uma grande parte dos ouvintes leigos, é a maior estrela do canto lírico (mesmo com as conquistas de popularidade promovidas pelos tenores Pavarotti, Domingo e Carreras, em particular, na década de 1990). A sua voz de mezzo é considerada pela crítica “quente e escura”. Algum professor de canto desavisado já tentou, em algum momento inicial de seus estudos vocais, transformá-la em um soprano? Você sentiu alguma dificuldade para “aceitar” (entre muitas aspas!) seu timbre menos usual? Como um mezzo-soprano consegue encontrar seu espaço sob o sol da cena lírica?
Ah… as vozes mais agudas são os fogos de artifício do espetáculo, não tem jeito! (risos)Mas ser mezzo é um barato também: personagens riquíssimos, repertório sinfônico e camerístico deslumbrantemente lindo (só de poder cantar os ciclos de Mahler já me sinto sortuda!). Temos grandes mezzos no Brasil, de todas as cores e gêneros vocais, e tenho o maior orgulho de pertencer a este time.
Classificação vocal é algo bem difícil, a voz muda com o tempo e, principalmente, vai se adaptando ao nosso gosto, àquele som que a gente considera bonito e quer cultivar. Já me disseram que poderia ser soprano, sim, mas eu encarei numa boa, testei e não me convenci muito, não… (risos) No desenvolvimento da técnica e com a carreira, acho que a gente deve ir se descobrindo e desenvolvendo, de preferência sem medo do que vier. Habilidades que podem fugir da gavetinha da classificação vocal a gente guarda como bônus e usa como algo que pode enriquecer o trabalho, mas seguir a própria intuição é sempre o melhor negócio.
Espaço no meio é consequência… o mais divertido é produzir, elaborar, pesquisar, estudar e partilhar com o público nossa produção – principalmente servir a esse público com elementos que possam tornar suas vidas mais suaves, de alguma forma contribuindo para seu próprio autoconhecimento e felicidade. O prazer que isto proporciona não tem preço nem tamanho.

Você consegue transitar com desenvoltura por papéis mais densos, como Azucena (O Trovador, de Verdi) e Grimgerde (A Valquíria, de Wagner), a personagens mais leves e jocosos, como o Cherubino (As Bodas de Fígaro, de Mozart) e Hermia (Sonho de uma Noite de Verão, de Britten). Ao lado de um excelente desempenho vocal, sua performance cênica é constantemente elogiada. Você se dedica a ser uma cantora que interpreta bem ou essa é uma característica natural?
Levo bem a sério aquela definição do cantor lírico como um cantor-ator e tento me dar ao luxo de fazer escolhas sob um critério predominantemente dramático. Acredito que minhas habilidades vocais e físicas devem servir como elementos de manifestação mais nítida possível do personagem – ou do eu lírico, no caso da canção e do repertório sinfônico – e que, assim como preciso de uma compatibilidade vocal com a parte, também preciso de uma compatibilidade física. Na minha opinião, expressão corporal e atuação devem caminhar junto a uma expressão vocal a mais cristalina possível, para que o personagem venha à superfície com absoluta fluência.
Trabalhar assim é muito prazeroso, mas inclui muita transpiração também! Não nasci atuando, assim como não nasci cantando. Sempre fui muito tímida e desajeitada – todos os amigos já estão acostumados, fazem piada e tiram sarro do meu jeito desastrado e bonachão –, mas creio que o mínimo que posso fazer como artista é dar meu máximo e ampliar as fronteiras deste máximo.

Quem acompanha o cenário lírico pode notar que você, ao lado de outros jovens cantores, vem trazendo um vento fresco ao tantas vezes sisudo mundo da música lírica. É chegada a hora de uma mudança? Ou, como diria o escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, “Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude”?
Se eu tivesse de apontar que tipo de renovação essa geração atual traz, diria que o público de ópera está se renovando, crescendo, e é tão plural, antenado e exposto quanto os artistas – essa fronteira entre nós anda bem tênue. O homem do nosso tempo é menos formal, até porque com as redes sociais fica bem difícil definir as fronteiras do pessoal e do privado, por mais que se tente…
Mas acho que toda essa mudança acontece na aparência, na superfície, não na essência do nosso trabalho. Cada geração traz a marca de seu tempo e as gerações se tocam e se comunicam. Creio-me pertencente a uma linhagem indefinida no tempo de artistas que vão se sucedendo, instruindo e sendo instruídos, alimentando e sendo alimentados da ampliação de consciência que a arte proporciona, e de suas conquistas na busca de ampliar e aprofundar a relação do Homem com o Cosmos – e isso é uma constante, algo imutável.

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