PINTURA E MÚSICA - PARALELOS BRASILEIROS. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
“Antropofagia”. A pintura de Tarsila do Amaral nos ajuda a conhecer a obra di Villa-Lobos
No mês de julho do ano passado escrevi um texto neste blog (clique aqui para consulta-lo) que tratava da relação entre a Música e a Pintura. Neste texto, que teve mais de 2500 acessos, falei de forma sucinta a relação entre as duas artes no Brasil, atendo-me mais aos casos europeus, especialmente a relação da música atonal (Schoenberg) com a pintura abstrata (Kandinsky) e a decantada relação entre a arte impressionista em seus aspectos visuais (Monet) e sonoro (Debussy e Ravel). A bibliografia sobre estes assuntos é vasta e de alta qualidade. No que tange o Brasil creio que este tipo de relação nos leva a alguns impasses (período colonial) que também serão muito úteis para nossa compreensão, mas pode dar uma nova luz às mudanças estilísticas de nosso maior compositor, Heitor Villa-Lobos.
Confrontações “forçadas” :Mestre Ataíde e Aleijadinho frente aos compositores mineiros e Carlos Gomes frente a Pedro Américo
O período colonial brasileiro vê surgirem em Minas Gerais alguns compositores importantes, como Manoel Dias de Oliveira (1735?-1813) e José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746- 1805). No mesmo período, na mesma região surgem, entre muitos outros artistas, dois gênios das artes plásticas: Manuel da Costa Ataíde, mais conhecido como Mestre Ataíde, (1762–1830) e Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, (Ouro Preto, 1730 ou, mais provavelmente, 1738- 1814). Tomando apenas estes quatro artistas, dois compositores e dois artistas plásticos, percebemos dois pontos em comum entre eles: trabalharam em cima de temas sacros e tinham como referência principal os padrões europeus. Não há dúvida que a genialidade de Mestre Ataíde e de Aleijadinho mostrou-se muito superior aos seus conterrâneos músicos.. Numa comparação a música neste caso sai perdendo. Se na música de Manoel Dias de Oliveira e de Emerico Lobo de Mesquita não há qualquer resquício de elementos brasileiros, Mestre Ataíde coloca em suas belíssimas pinturas figuras tipicamente brasileiras, não só retratando anjos com aspecto de negrinhos, mas colocando uma mulata como Nossa Senhora. O mesmo podemos observar na grandiosidade expressiva da obras do Aleijadinho, algo que nos parece incomparável frente às obras dos compositores citados Se os músicos e os artistas plásticos não oferecem um tipo igual de genialidade, creio que existe a possibilidade de se fazer um paralelo, mas este é pouco relevante. A música religiosa, compostos pelos compositores mineiros, no entanto, acabou se beneficiando pela justa fama que o Aleijadinho e Mestre Ataíde possuem.
Outro paralelo que se pode fazer é comparar a produção do compositor Antônio Carlos Gomes (1836-1896) e do pintor Pedro Américo (1843-1905). Dois artistas apoiados pelo imperador Dom Pedro II e com uma evidente intenção de implantar no Brasil padrões europeus. Se Carlos Gomes centrou seu interesse na ópera dos italianos Verdi e Ponchielli Pedro Américo foi fortemente influenciado pelos pintores franceses Eugène Delacroix, Théodore Géricault e François Gérard. Se a ópera Fosca de Carlos Gomes tem diversas relações com “La Gioconda” de Ponchielli, a tela “A batalha de Avaí” de Pedro Américo tem fortíssima influência dos pintores franceses da primeira metade do século XIX. O paralelo fica apenas por aí.
Uma confrontação verdadeira. Villa-Lobos frente a Eliseu Visconti, Tarsila do Amaral e Portinari
Heitor Villa-Lobos teve acentuadas mudanças estilísticas durante sua vida. Nos primeiros anos de sua atividade como compositor, a influência que mais sentimos é a da escola francesa. Jules Massenet (1842-1912) e Camille Saint-Saëns (1835-1921) serão os primeiros compositores a influencia-lo. As obras do compositor que mais demonstram esta primeira influência são obras pouco tocadas de seu autor, mas encontrei um paralelo muito pertinente entre um movimento da Pequena Suíte para violoncelo e piano (1914), a Gavotte/Scherzo e o quadro “Quando Pan toca, as Ninfas dançam” de Eliseu Visconti (1866-1944), pintada no mesmo período. Assim como Villa-Lobos imita uma dança de caráter francês Visconti se refere ao passado mitológico com uma visão impressionista com forte característica da obra do pintor também impressionista Edgar Degas.
A mudança acentuada de estética de Heitor Villa-Lobos nos anos 20 vai fazer com que sua música assuma ares de uma modernidade e de uma originalidade que deram início à sua reputação internacional. Seus ídolos passam a ser Claude Debussy e Igor Stravinsky. Em termos a um paralelo entre a obra do músico com um artista plástico chegamos a uma junção quase que mágica: a pintura que Tarsila do Amaral (1886-1973) realizou nos anos 20, sem dúvida seu período criativo mais importante. O próprio compositor dedicou à pintora uma de suas obras mais originais, o Choros Nº 3 – Pica Pau. Nesta obra, que utiliza uma melodia indígena registrada por Roquete Pinto, e a utiliza como uma espécie de base melódica sobre um contraponto altamente original, podemos associa-la ao ambiente tipicamente original que a pintora constrói em sua tela “Antropofagia”. O Choros Nº 3 é de 1925, e a tela é de 1929. Confrontações possíveis.
A partir de 1930 Villa-Lobos tem uma nova modificação em sua linguagem. Muito mais tonal e acessível suas obras muitas vezes assumem um ar triste. Na mesma década o pintor paulista Candido Portinari (1903-1962) cria diversos quadros com denúncias sociais que exploram o mesmo ar triste da música que Villa-Lobos em alguns momentos escreve. Um paralelo extraordinário existe entre “O canto da nossa terra”, composto em 1931 originalmente para violoncelo e piano, e que viria a se tornar um dos movimentos da Bachianas Brasileiras Nº 2, e a tela “Os retirantes” que Portinari pintou em 1936. O mesmo clima trágico, a mesma questão da pobreza e da exclusão podem ser sentidas nas duas obras. Um paralelo verdadeiro. E a ligação de Villa-Lobos com Portinari não para por aí. Os grandes Painéis que o pintor realizará encontram ecos nas grandes obras Corais Sinfônicas do compositor.
Se Villa-Lobos conclui sua composição “O Descobrimento do Brasil” com um retrato musical da “Primeira Missa no Brasil”, não podemos deixar de cotejar esta partitura com a obra homônima de Portinari realizada em 1948. Concluo com uma proposta: e se colocássemos uma terceira arte nestes paralelo? Que tal associar a música de Villa-Lobos com a pintura de Portinari e a literatura de Guimarães Rosa?
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/
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