BROCKEBACK MOUNTAIN. UMA ÓPERA GAY NA ESPANHA, UM PAÍS DITO " EM CRISE". ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Duas semanas num país em crise
Fala-se muito aqui no Brasil que a Espanha está em crise. Estive por lá por duas semanas e pude constatar que a tal da “crise” pintada, sobretudo por nossos governantes, é bem diferente do que a maioria dos brasileiros imagina. Certo, a Espanha está com uma taxa de desemprego altíssima (por volta dos 25%) e vive problemas de corrupção muito parecidos com os nossos, mas se compararmos o dia a dia na Espanha e no Brasil, fico com uma séria dúvida sobre qual dos dois países está em crise. Na Espanha as estradas são excelentes, com um asfalto de altíssima qualidade, e os trens, gerenciados por uma empresa estatal (Renfe) são absolutamente pontuais e rápidos. Exemplo disso é que os 450 KM que separam Madrid e Sevilha são vencidos em 2 horas e 30 minutos. Outra dúvida sobre qual dos dois países está em crise é comparar o sucateado aeroporto de Guarulhos com o moderníssimo e amplo aeroporto de Barajas, em Madrid. Viajar para o exterior tornou-se um pesadelo para nós brasileiros, pois nossa moeda está bem fraquinha, e para aumentar o peso da desvalorização do real o governo cobra um aviltante IOF para as despesas no exterior. Chego mesmo a pensar que tal imposto é uma maneira de dificultar vermos de perto um país que funciona, algo parecido com o “Depósito compulsório” que os militares aplicavam nos viajantes nos anos 70. A diferença é que o “Depósito compulsório” era devolvido integralmente, enquanto o IOF é tomado de nós em caráter definitivo. Sei que este blog trata normalmente de música, e é dela que vou falar abaixo, mas não suporto a arrogância de nossos governantes ao sugerirem que podemos ajudar os “pobres” países europeus, que se encontram, segundo eles, no “numa situação ”. Ao compararmos o transporte coletivo espanhol e a situação dos trens no Rio de Janeiro e no Metro de São Paulo chego à conclusão que se a Espanha está em crise, a crise brasileira é bem pior, e sem data para acabar.
Ópera contemporânea e com assunto polêmico
Quando se pinta uma crise arrasante na Espanha é muito interessante vermos as temporadas dos dois teatros de ópera mais importantes do país: A Ópera Real de Madrid e o Liceu de Barcelona, e compararmos com algumas melancólicas temporadas de nossos teatros operísticos. O teatro da capital, Madrid, apresenta nesta temporada 2013-2014 doze produções, e em meio a seis títulos bem conhecidos (O Elixir do Amor, O Barbeiro de Sevilha, Lohengrin, Tristão e Isolda, Orfeu e Eurídice e os contos de Hoffman) quatro títulos pouco conhecidos de compositores famosos (Alceste de Gluck e “Ivespri Siciliani de Verdi, por exemplo), duas óperas contemporâneas: “La conquista de Mexico” do compositor alemão Wolfgang Rhim, e “Brokeback Mountain” do compositor americano Charles Peter Wuorinen. Para refrescar a memória “Brokeback Mountain” reutiliza a história de amor de dois homens, dois cowboys, que fez um enorme sucesso em sua versão cinematográfica. Baseado no conto de Annie Proulx, o libreto segue à risca a história original. A música, de uma linguagem bem moderna, atonal, é extremamente complicada para cantores e para a orquestra. O que é extremamente interessante é que, quando o Brasil discute o tal do beijo gay no final da novela, em Madrid, em um teatro oficial, dois cantores (os excelentes Daniel Okulitch e Tom Randle) aparecem em diversas cenas seminus provocando reações de um certo incomodo numa plateia, que a princípio é muito conservadora, mas a produção está sendo um sucesso (fica em cartaz até 11 de fevereiro). Apresentar uma ópera escrita nos dias de hoje é sempre um risco, e neste aspecto Madrid está à frente de Barcelona, que nesta temporada está apresentando quatorze títulos, todos bem conhecidos. Mas vale a pena lembrar que a mais importante ópera da segunda metade do século XX, “Le Grand Macabre”, do compositor húngaro Gyorgi Ligeti, foi registrada em DVD, há alguns anos, naquele teatro catalão.
Granada, uma pequena cidade e sua excelente orquestra
Num país, dito em crise, é interessante encontrarmos uma excelente orquestra numa cidade pequena, custeada pelo poder público. A cidade de Granada, com menos de 250.000 habitantes, encaixa-se perfeitamente no que acabo de dizer. Mantida pela prefeitura da cidade, e com recursos estaduais (fica na Andaluzia), lá existe uma orquestra de tamanho médio, mas que apresenta uma temporada assombrosa. Esta “Orquestra da cidade de Granada” ensaia e se apresenta no magnífico “Auditório Manuel de Falla”, de primorosa acústica. Um dos maiores destaques numa apresentação que assisti da orquestra foi o comportamento do público, coisa rara de se ver por aqui: um respeito absoluto com os músicos e com os outros membros do público. Curioso, como sou, perguntei a dois músicos da orquestra até que ponto a tal da crise atingiu o conjunto. A resposta foi rápida: a prefeitura, para não comprometer as atividades de educação e cultura da cidade, cancelou toda e qualquer forma de propaganda de auto promoção de seu governo. Algo impensável por aqui. Lamentavelmente.
Osvaldo Colarusso
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/
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