CLAUDIO ABBADO : SEU LEGADO EM NOVE GRAVAÇÕES INDISPENSÁVEIS. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

O maestro Claudio Abbado O maestro Claudio Abbado

O legado de um grande músico

O maestro Claudio Abbado, que faleceu no último dia 20, teve uma carreira em termos musicais absolutamente incomparável. Falei muito disso no texto que escrevi no dia de sua morte (clique aqui para ler o texto) e pretendo hoje destacar o que julgo o mais indispensável entre as centenas de gravações que ele realizou, em áudio e em vídeo. Nestas gravações percebemos a defesa intransigente do maestro em termos de edições (óperas de Rossini na edição de Zedda por exemplo) e de repertório, explorando coisas que muitas vezes eram desconhecidas do público. Muitos dos itens que coloco na lista abaixo tornaram-se trabalhos que influenciaram gerações de intérpretes,e neste aspecto o trabalho de Claudio Abbado permanece bastante vivo, mesmo em gravações realizadas há mais de 40 anos.
Abbado RossiniRossini – O Barbeiro de Sevilha T. Berganza, H. Prey, L. Alva, etc. Orquestra Sinfônica de Londres
Esta gravação realizada em 1971 em Londres revelava ao mundo o texto original desta tão conhecida partitura. Pela primeira vez era gravada a edição de Alberto Zedda, grande maestro e musicólogo, que livrou a partitura de todos os “cacos” acrescidos por séculos por cantores e maestros pouco escrupulosos. Desde o lançamento desta gravação “Il barbieri di Siviglia” é invariávelmente executada nesta edição. Abbado utiliza uma pequena orquestra fazendo da transparência o forte de sua leitura. Posteriormente Abbado gravou duas outras óperas de Rossini também em edições de Alberto Zedda, sempre de forma absolutamente brilhante: “La Cenerentola” e “A Viagem a Reims”. Vale salientar que ele também gravou uma seleção de aberturas do mestre com a incrível Orquestra de Câmera da Europa, uma seleção que ofusca qualquer outro registro destas geniais páginas do compositor italiano.
Abbado debussy Debussy- Três Noturnos Ravel: Daphnis et Chloé – segunda suíte. Pavane. Scriabin – Poema do Êxtase Orquestra Sinfônica de Boston
Gravado em 1970, em Boston, este registro, inicialmente lançado em LP sem a obra de Scriabin, nos revelou a maneira peculiar e extremamente “plástica” do impressionismo francês nas mãos do maestro italiano. Posteriormente Abbado gravou toda a obra orquestral de Ravel com a Sinfônica de Londres , referência absoluta, e também gravou diversas obras de Debussy, inclusive sua única ópera Pelléas et Mélisande. Mas esta gravação permanece como a grande surpresa que o maestro italiano nos propunha no repertório francês, uma de suas maiores especialidades.
Abbado Mussorgsky Mussorgsky – obras para orquestra e para coro e orquestra Orquestra Sinfônica de Londres
Em 1980 Abbado nos apresentava em primeira mão “Uma noite no monte calvo” (Ou “A noite de São João”) de Mussorgsky em sua versão original, sem os banais penduricalhos de Rimsky-Korsakow. Era o início de uma “cruzada” que o maestro faria, resgatando as versões originais do mestre russo. Posteriormente gravaria Boris Godunov (logo após as apresentações no Festival de Salzburg) e Khowanstscina (existe um DVD das apresentações na ópera de Viena), e mesmo o repertório gravado em 1980 foi refeito com a Orquestra Filarmônica de Berlim em 1993, mas o “elan” e a importância desta gravação de 1980 fazem dela um absoluto “must”.
alban_berg_lulu_suite_altenberg_lieder_3_pieces_for_orchestra_op6 Alban Berg – Suíte da ópera Lulu – Três peças para orquestra opus 6 – Altemberg Lieder. Orquestra Sinfônica de Londres. Margaret Price – soprano
Como intérprete excepcional da música de Gustav Mahler, Abbado deixa claro como ninguém que as “Três peças para orquestra opus 6″ de Berg são uma clara derivação da Sexta Sinfonia daquele compositor. Ao mesmo tempo em que há uma clareza enorme em meio ao intrincado tecido contrapontístico existe uma enorme força dramática. A perfeição de Margaret Price fazem desta a melhor gravação dos geniais “Altemberg Lieder” e sua participação na “Suíte da ópera Lulu” fizeram história. Abbado era um grande três admirador da música de Alban Berg, que naquela época era pouco tocada. Posteriormente ele gravará, tanto em áudio como em vídeo, a ópera Wozzeck em Viena. Mas nunca a música de Berg soou tão humana como nesta gravação realizada em 1970.
Abbado VerdiVerdi – Macbeth – Piero Cappuccilli, Shirley Verrett, Plácido Domingo, Nicolai Ghiaurov. Orquestra do Teatro alla Scala de Milão
Em 1976, ainda diretor artístico do Teatro alla Scala de Milão, Abbado surpreendeu a todos por sua leitura impecável desta ópera menos conhecida de Verdi. Mais uma vez o maestro realizou uma profunda pesquisa nas edições existentes, resultando uma escolha que denota uma grande sabedoria. O elenco de notáveis, extremamente sintonizado com as intenções do maestro, nos deixa uma leitura inesquecível da obra. Abbado gravaria com sucesso outras obras do grande compositor italiano (Aida, Simon Boccanegra, Falstaff, Don Carlo) mas esta gravação de Macbeth permanece como a mais impressionante leitura que o maestro fez de uma ópera de Verdi, compositor que, ao contrário de Puccini, ele admirava muito .
Abbado Bartok Béla Bartók – Concertos para piano e orquestra números 1 e 2. Maurizio Pollini. Orquestra Sinfônica de Chicago
Junto ao pianista italiano Maurizio Pollini Claudio Abbado realizou uma série de gravações com obras de Beethoven, Schumann, Schoenberg e Brahms que marcaram época. No entanto nada se compara a estas gravações, realizadas em 1977, dos dois primeiros concertos para piano e orquestra de Béla Bartók. O vigor rítmico dos dois, associado ao virtuosismo dos músicos de Chicago fazem desta gravação o ponto culminante desta amizade dos dois milaneses, que tantas realizações de alto nível nos deixaram. Estas gravações, especialmente do Concerto Nº 1 permanecem até hoje como uma referência absoluta.
Abbado modernos Obras de Ligeti, Boulez, Wolfgang Rhim e Luigi Nono. Orquestra Filarmônica de Viena
Abbado foi um grande entusiasta da produção musical contemporãnea, sendo que este foi um dos grandes diferenciais com o seu antecessor na Filarmônica de Berlim, Karajan, que privilegiava o repertório mais tradicional. Em 1988 Abbado deu início a um grande festival de música contemporânea em Viena, o “Wien Modern”. Este CD incluem gravações realizadas ao vivo naquele ano de 1988 e mostram este lado fascinante do maestro italiano, o do defensor da música moderna. Junto com uma das melhores orquestras do mundo (a Filarmônica de Viena) ele realiza leituras impressionantes das mais conhecidas páginas orquestrais de Ligeti (Lontano e Atmosferas) e sua versão das “Notations” de Boulez é mesmo superior à gravação do próprio autor. Seu grande amigo, Luigi Nono está presente e o CD ainda apresenta uma encomenda do festival, uma obra de Wolfgang Rhim, com texto de Rimbaud.
Abbado Schubert
Abbado Schubert2 Schubert – Missa em Mi bemol maior ID 950 Konzertvereinigung Wiener Staatsopernchor – Orquestra Filarmônica de Viema | Robert Holl [baixo] | Jerry Hadley e Jorge Pita [Tenores] | Karita Mattila [Soprano] | Marjana Lipovsek [Contralto]
Em novembro de 1987 Abbado regeu em Viena a mais sublime das missas de Franz Schubert, e um CD com a gravação feita ao vivo, lançado no ano seguinte, sempre foi muito elogiado. Em homenagem aos 80 anos do maestro a Deutsche Grammophon, principal gravadora de Abbado lançou, em 2013, um DVD com a mesma comovente execução. A vantagem desta edição em DVD, além das imagens, é que junto vem uma belíssima versão do Segundo Concerto para piano de Brahms com Pollini (também em vídeo). Voltando à Missa de Schubert, nunca o dueto de tenores “Et Incarnatus” soou de maneira tão bela, e o misticismo desta execução mostra o grande poder espiritual do maestro italiano. Em CD ou em DVD, um dos melhores momentos da carreira deste grande músico.
mahler 9 Mahler – Sinfonia Nº 9 Orquestra do Festival de Lucerna
Claudio Abbado foi um dos maiores intérpretes da obra de Gustav Mahler em nossos tempos, sendo que todas, absolutamente todas, as gravações que ele realizou das obras do compositor com a Orquestra Sinfônica de Chicago, com a Orquestra Filarmônica de Viena, com a Orquestra Jovem Gustav Maler e com a Orquestra Filarmônica de Berlim são excepcionais. Nos últimos anos da vida do maestro, quando não estava formalmente ligado a nenhum conjunto sinfônico, Abbado reestruturou a Orquestra do Festival de Lucerna, um conjunto que se reúne algumas vezes no ano, e que passou a ser formado por músicos legendários, como a clarinetista Sabine Meyer, a violoncelista Natalia Gutman ,o violista Wolfram Christ e tantos outros. Todos os DVDS gravados com esta excepcional orquestra são maravilhosos, perfeitos e altamente inspirados. Esta Nona sinfonia de Mahler foi gravada em agosto de 2010, alguns anos depois que Abbado já tinha gravado a obra em DVD com a Orquestra Jovem Gustav Mahler, gravação esta também excelente, mas que foi superada por esta leitura feita na Suiça. Abbado maduro, tranquilo e com uma espiritualidade transcendental, acaba se superando ainda mais e, na minha visão, realizou algo como uma espécie de despedida da vida, como Mahler havia pensado. Quando a Sinfonia termina, por dois minutos e vinte segundos, há um silêncio mágico. O público soube respeitar a profundidade e a forte concentração daqueles grandes artistas.

Osvaldo Colarusso

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica/

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