MUNICIPAL DO RIO : MEDIOCRIDADE LÍRICA NA PROGRAMAÇÃO 2014. ARTIGO DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Instituição carioca anunciou uma programação parcial na qual o balé é o grande destaque. Ópera segue negligenciada.
Na noite da última sexta-feira, 14 de fevereiro, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pelo segundo ano seguido e tal qual teatrinho de quinta categoria, divulgou através de seu site e de seu perfil oficial no Facebook uma programação apenas parcial para este ano. Essa prática abominável de divulgação parcial nada mais demonstra senão a completa e absoluta incapacidade de seus administradores de conduzirem a contento a programação de um teatro de ópera.
É bem verdade que parte desta incapacidade dos administradores para conduzir a programação própria da casa provém do orçamento limitado de que dispõem para colocar uma temporada de pé. Se, em 2013, o orçamento inicial para a programação artística do Municipal carioca era de R$ 6,1 milhões (a instituição gastou até dezembro cerca de R$ 8,5 milhões, e a diferença provavelmente deveu-se ao patrocínio que recebeu da Petrobras), para este ano tal orçamento inicial foi reduzido para R$ 5,2 milhões.
Desse jeito, pelos mais óbvios motivos, é muito difícil trabalhar e apresentar uma programação própria decente – coisa que há muito tempo o templo lírico carioca não tem. Por outro lado, o que fazem os administradores da casa para melhorar essa situação? Com todo o respeito a eles, não fazem nada, e, em nada fazendo, tudo será em 2014 como foi nos últimos anos: uma pobreza lírica de dar dó.
Adriana Rattes, a inoperante secretária de estado de Cultura, e Carla Camurati, a não menos inoperante presidente da Fundação Teatro Municipal, aceitam o orçamento do jeito que vem. Se tivesse vindo só R$ 1 milhão, aceitariam do mesmo jeito, quietinhas, sem reclamar, porque o governador demissionário não é do tipo que aceita críticas com facilidade (vide episódios fartamente divulgados pela imprensa ao longo do último ano), e as duas “administradoras culturais” de nada mais querem saber além de continuar recebendo seus salários até dezembro, quando termina o atual governo. O resto é o resto, e neste resto está incluída a programação lírica do Municipal.
Carmen, Salomé e o cancelamento de Wozzeck
O Municipal do Rio divulgou até agora somente dois títulos líricos que serão encenados em 2014: Carmen, em abril; e Salomé, entre o último dia de julho e o começo de agosto. Detalhe: quando a segunda delas subir ao palco da casa, o Municipal paulistano e o Municipal de Santiago do Chile já estarão indo para sua quarta ópera, o Colón de Buenos Aires apresentará a quinta e o Theatro São Pedro estará levando a terceira.
Aliás, pelo segundo ano consecutivo, o São Pedro, que é o segundo teatro de ópera de São Paulo (ninguém discute a primazia do Municipal paulistano), montará mais óperas que o Municipal do Rio. Isso tudo para não falar dos festivais: o de Belém, por exemplo, montará três óperas entre agosto e setembro e, como um foguete, também ultrapassará a produção medíocre do teatro carioca. Pode isso, dona Carla?
Informações internas dão conta de que o Municipal pretenderia montar mais duas óperas no segundo semestre: seriam A Flauta Mágica e Madama Butterfly. No entanto, isso é praticamente impossível. Se, e apenas se, a casa produzir mais alguma ópera em 2014, será só mais uma, e olhe lá. Afinal, mediocridade pouca é bobagem, non è vero?
Alguém aí perguntou sobre Wozzeck, mais uma das falsas promessas de Isaac Karabtchevsky, o dito “diretor artístico” do Municipal? Esqueça, o projeto foi abandonado. Até há uma explicação técnica para isso. Parte daquele orçamento ridículo que eu citei ali em cima provém da bilheteria do Theatro ao longo do ano. Como a ópera de Berg não é daquelas que garante casa cheia, foi sumariamente descartada. Simples assim.
Balés, os grandes destaques
Do que foi divulgado até agora, o que mais chamou a atenção foram os três programas de balé anunciados: Nuestros Valses e Novos Tempos (duas coreografias contemporâneas que serão apresentadas juntas em março); La Bayadère (entre o final de maio e o começo de junho); e Chico Rei, com música de Francisco Mignone (em julho). Este último, a propósito, é o que há de mais interessante dentre tudo aquilo que o Municipal divulgou até agora.
Considerando, ainda, que há um período de tempo razoável (setembro a dezembro) sem programação anunciada, são grandes as chances de haver mais um ou até mesmo dois títulos de balé. Isso faz da temporada de balé, uma vez mais, o grande destaque da temporada do Municipal, visto que as óperas são manifestações artísticas sistematicamente negligenciadas e preteridas pela presidente da casa. Na dúvida, ou no aperto financeiro, corta-se uma ópera, duas, três, quantas forem necessárias.
Concertos
Para seis meses de programação (março a agosto), o Municipal divulgou apenas dois concertos do coro e da orquestra da casa. O primeiro, o de abertura da temporada, a 14 de março, contará com a Sinfonia n° 9, de Beethoven, pela milionésima vez naquele palco só neste século, consideradas todas as orquestras que tocaram a obra.
O segundo concerto, em junho, traz um programa brasileiro – bem mais interessante e estimulante que a velha Nona. Nada contra a Nona, apenas considero que há uma gama infindável de obras do repertório coral-sinfônico que poderiam ser interpretadas num concerto de abertura. Mas Karabtchevsky preferiu a Nona. Quanta criatividade! Para programar a obra-prima de Beethoven o Municipal não precisa de Karabtchevsky. O porteiro, ou quem sabe o motorista, poderia programá-la. Certamente cobraria bem mais baratinho, e o regente titular da orquestra poderia reger o concerto, não havendo a necessidade de se pagar cachê de convidado para Karabtchevsky.
Isaac Karabtchevsky
E já que falei no homem, sigo adiante. Dizem que Karabtchevsky é “diretor artístico” do Municipal. Não é. O famoso e competente maestro colabora apenas definindo os títulos da temporada e conduzindo algumas óperas e concertos na qualidade de regente convidado. Desta forma, ele não recebe um salário mensal como recebia Roberto Minczuk, na época em que este foi diretor artístico da casa, e como sempre recebeu Sílvio Viegas, na qualidade de regente titular da OSTM.
Como regente convidado, Karabtchevsky recebe cachês que, somados, são muito mais vultosos do que o montante anual dos salários mensais que recebeu Minczuk e recebe Viegas. E para quê? Para programar a Nona, a Carmen, a Salomé e A Flauta Mágica? Ora, Carmen foi apresentada no Municipal em 2000 e em 2007 (nesta última em forma de concerto), Salomé foi exatamente a última ópera de Strauss que subiu ao palco da Cinelândia, em 1998, e A Flauta Mágica já foi apresentada no Municipal duas vezes de 2003 para cá.
É para essa repetição sem vergonha que dona Carla paga Karabtchevsky? A programação do ano passado, apesar de diminuta, pelo menos foi bem mais interessante em termos de títulos. Qualquer pessoa que conheça um pouquinho de ópera, só um pouquinho, seria capaz de organizar uma temporada muito mais interessante que esta, sem abrir mão de obras que atraiam o público.
Para uma temporada com títulos batidos como os citados, seriam necessários, no mínimo, solistas de alta qualidade – como, aliás, vemos em grande número no Theatro Municipal de São Paulo, que também anda apostando num repertório básico, mas pelo menos aposta direito. Os solistas anunciados até agora pelo Municipal carioca, com uma ou duas exceções, não chegam a empolgar. Pode ser que eu me surpreenda futuramente (o que é sempre gratificante), mas por ora não me empolguei.
Para completar, Karabtchevsky convidou Alberto Renault para dirigir cenicamente a Salomé, que estreia uma semana antes de outra Salomé, aquela que Lívia Sabag vai dirigir para o Municipal paulistano. Lívia é, para o meu gosto e para o de muita gente boa, a melhor encenadora de ópera do Brasil na atualidade, enquanto Renault foi o responsável por duas das piores produções cênicas do Municipal nos últimos anos: um Fidelio e uma Lucia di Lammermoor de dar pena… Será que Renault vai remontar sua Salomé de 1998, ou criará uma nova? Aquela, pelo menos, foi muito boa, muito melhor que as duas montagens descartáveis que acabo de citar.
Otello, Falstaff, La Forza del Destino, I Vespri Siciliani, Manon Lescaut, La Fanciulla del West, Norma, O Cavaleiro da Rosa, Lohengrin, O Navio Fantasma, Don Pasquale, La Cenerentola, Adriana Lecouvreur, Andrea Chénier, Don Giovanni, La Gioconda, Mefistofele, Os Contos de Hoffmann, Manon, Werther, O Diálogo das Carmelitas, qualquer ópera russa, dentre tantas outras, todas são exemplos de obras que não são apresentadas no Rio de Janeiro há muito tempo. Com elas, dá para se fazer várias temporadas sem vergonha de três miseráveis títulos, bem mais interessantes que a repetição de seu Isaac… Quanta mesmice!
Camurati e Rattes
No começo deste texto, citei o orçamento da temporada artística do Theatro Municipal para os anos de 2013 (orçado e realizado) e 2014 (orçado, por enquanto). Vamos comparar? Para 2013, o orçamento inicial da rubrica “Publicidade e Propaganda” do governo fluminense era de R$ 80 milhões, mas seu Cabral gastou nada menos que R$ 150,9 milhões – com uma extrapolação da ordem de 88,6%! Para 2014, o orçamento desta rubrica é o mesmo de 2013, ou seja, não diminuiu como o da programação artística do Municipal. Agora, imagine o leitor o quanto não vai extrapolar num ano eleitoral, não é? E isso para divulgar o que o governo não faz, ou faz mal feito…
E o que têm Adriana Rattes e Carla Camurati com isso? Bem, as duas fazem parte do governo Cabral há seis anos e alguns meses. Em momento algum abriram a boca para reclamar das condições de trabalho, nunca brigaram por melhores condições de programação para o principal equipamento cultural do Estado do Rio. Nunca questionaram a exorbitância da verba de publicidade e propaganda, enquanto ao Municipal restavam poucos caraminguás.
Na verdade, ambas vêm empurrando a programação própria do Municipal com a barriga desde o fim de 2007. Nunca conseguiram colocar de pé uma temporada decente de óperas. Em muitos momentos, trocaram as óperas pelos concertos da Série Música e Imagem – uma série interessante, mas que não pode ter mais destaque na programação que as óperas. Outro fator negativo em relação a esta série é que a empresa detentora dos direitos dos filmes no Brasil é a mesma para quase todas as obras cinematográficas apresentadas desde 2008: isso não é saudável sob o ponto de vista do dispêndio do dinheiro público.
Querem mais? Rattes e Camurati não vendem assinaturas porque teriam que devolver muito dinheiro depois, em virtude dos cancelamentos de praxe. Poderiam, ao longo desse tempo, ter tido a atitude digna de sair do governo, explicando ao distinto público: “estou/estamos saindo porque o governo não me/nos deixa trabalhar com dignidade, não me/nos dá condições de elaborar uma programação à altura do público carioca e fluminense”.
Não, nada disso. Continuaram lá, em seus carguinhos. Ou seja, aprovam tudo que o governo faz ou deixa de fazer. Se não aprovassem, já tinham saído de lá. Se ficaram, é porque são coniventes com tudo, especialmente com a programação lírica vagabunda do Municipal. E, já que não saíram até agora, que afundem junto com o governo. É o que merecem.
Leonardo Marques.
Na noite da última sexta-feira, 14 de fevereiro, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pelo segundo ano seguido e tal qual teatrinho de quinta categoria, divulgou através de seu site e de seu perfil oficial no Facebook uma programação apenas parcial para este ano. Essa prática abominável de divulgação parcial nada mais demonstra senão a completa e absoluta incapacidade de seus administradores de conduzirem a contento a programação de um teatro de ópera.
É bem verdade que parte desta incapacidade dos administradores para conduzir a programação própria da casa provém do orçamento limitado de que dispõem para colocar uma temporada de pé. Se, em 2013, o orçamento inicial para a programação artística do Municipal carioca era de R$ 6,1 milhões (a instituição gastou até dezembro cerca de R$ 8,5 milhões, e a diferença provavelmente deveu-se ao patrocínio que recebeu da Petrobras), para este ano tal orçamento inicial foi reduzido para R$ 5,2 milhões.
Desse jeito, pelos mais óbvios motivos, é muito difícil trabalhar e apresentar uma programação própria decente – coisa que há muito tempo o templo lírico carioca não tem. Por outro lado, o que fazem os administradores da casa para melhorar essa situação? Com todo o respeito a eles, não fazem nada, e, em nada fazendo, tudo será em 2014 como foi nos últimos anos: uma pobreza lírica de dar dó.
Adriana Rattes, a inoperante secretária de estado de Cultura, e Carla Camurati, a não menos inoperante presidente da Fundação Teatro Municipal, aceitam o orçamento do jeito que vem. Se tivesse vindo só R$ 1 milhão, aceitariam do mesmo jeito, quietinhas, sem reclamar, porque o governador demissionário não é do tipo que aceita críticas com facilidade (vide episódios fartamente divulgados pela imprensa ao longo do último ano), e as duas “administradoras culturais” de nada mais querem saber além de continuar recebendo seus salários até dezembro, quando termina o atual governo. O resto é o resto, e neste resto está incluída a programação lírica do Municipal.
Carmen, Salomé e o cancelamento de Wozzeck
O Municipal do Rio divulgou até agora somente dois títulos líricos que serão encenados em 2014: Carmen, em abril; e Salomé, entre o último dia de julho e o começo de agosto. Detalhe: quando a segunda delas subir ao palco da casa, o Municipal paulistano e o Municipal de Santiago do Chile já estarão indo para sua quarta ópera, o Colón de Buenos Aires apresentará a quinta e o Theatro São Pedro estará levando a terceira.
Aliás, pelo segundo ano consecutivo, o São Pedro, que é o segundo teatro de ópera de São Paulo (ninguém discute a primazia do Municipal paulistano), montará mais óperas que o Municipal do Rio. Isso tudo para não falar dos festivais: o de Belém, por exemplo, montará três óperas entre agosto e setembro e, como um foguete, também ultrapassará a produção medíocre do teatro carioca. Pode isso, dona Carla?
Informações internas dão conta de que o Municipal pretenderia montar mais duas óperas no segundo semestre: seriam A Flauta Mágica e Madama Butterfly. No entanto, isso é praticamente impossível. Se, e apenas se, a casa produzir mais alguma ópera em 2014, será só mais uma, e olhe lá. Afinal, mediocridade pouca é bobagem, non è vero?
Alguém aí perguntou sobre Wozzeck, mais uma das falsas promessas de Isaac Karabtchevsky, o dito “diretor artístico” do Municipal? Esqueça, o projeto foi abandonado. Até há uma explicação técnica para isso. Parte daquele orçamento ridículo que eu citei ali em cima provém da bilheteria do Theatro ao longo do ano. Como a ópera de Berg não é daquelas que garante casa cheia, foi sumariamente descartada. Simples assim.
Balés, os grandes destaques
Do que foi divulgado até agora, o que mais chamou a atenção foram os três programas de balé anunciados: Nuestros Valses e Novos Tempos (duas coreografias contemporâneas que serão apresentadas juntas em março); La Bayadère (entre o final de maio e o começo de junho); e Chico Rei, com música de Francisco Mignone (em julho). Este último, a propósito, é o que há de mais interessante dentre tudo aquilo que o Municipal divulgou até agora.
Considerando, ainda, que há um período de tempo razoável (setembro a dezembro) sem programação anunciada, são grandes as chances de haver mais um ou até mesmo dois títulos de balé. Isso faz da temporada de balé, uma vez mais, o grande destaque da temporada do Municipal, visto que as óperas são manifestações artísticas sistematicamente negligenciadas e preteridas pela presidente da casa. Na dúvida, ou no aperto financeiro, corta-se uma ópera, duas, três, quantas forem necessárias.
Concertos
Para seis meses de programação (março a agosto), o Municipal divulgou apenas dois concertos do coro e da orquestra da casa. O primeiro, o de abertura da temporada, a 14 de março, contará com a Sinfonia n° 9, de Beethoven, pela milionésima vez naquele palco só neste século, consideradas todas as orquestras que tocaram a obra.
O segundo concerto, em junho, traz um programa brasileiro – bem mais interessante e estimulante que a velha Nona. Nada contra a Nona, apenas considero que há uma gama infindável de obras do repertório coral-sinfônico que poderiam ser interpretadas num concerto de abertura. Mas Karabtchevsky preferiu a Nona. Quanta criatividade! Para programar a obra-prima de Beethoven o Municipal não precisa de Karabtchevsky. O porteiro, ou quem sabe o motorista, poderia programá-la. Certamente cobraria bem mais baratinho, e o regente titular da orquestra poderia reger o concerto, não havendo a necessidade de se pagar cachê de convidado para Karabtchevsky.
Isaac Karabtchevsky
E já que falei no homem, sigo adiante. Dizem que Karabtchevsky é “diretor artístico” do Municipal. Não é. O famoso e competente maestro colabora apenas definindo os títulos da temporada e conduzindo algumas óperas e concertos na qualidade de regente convidado. Desta forma, ele não recebe um salário mensal como recebia Roberto Minczuk, na época em que este foi diretor artístico da casa, e como sempre recebeu Sílvio Viegas, na qualidade de regente titular da OSTM.
Como regente convidado, Karabtchevsky recebe cachês que, somados, são muito mais vultosos do que o montante anual dos salários mensais que recebeu Minczuk e recebe Viegas. E para quê? Para programar a Nona, a Carmen, a Salomé e A Flauta Mágica? Ora, Carmen foi apresentada no Municipal em 2000 e em 2007 (nesta última em forma de concerto), Salomé foi exatamente a última ópera de Strauss que subiu ao palco da Cinelândia, em 1998, e A Flauta Mágica já foi apresentada no Municipal duas vezes de 2003 para cá.
É para essa repetição sem vergonha que dona Carla paga Karabtchevsky? A programação do ano passado, apesar de diminuta, pelo menos foi bem mais interessante em termos de títulos. Qualquer pessoa que conheça um pouquinho de ópera, só um pouquinho, seria capaz de organizar uma temporada muito mais interessante que esta, sem abrir mão de obras que atraiam o público.
Para uma temporada com títulos batidos como os citados, seriam necessários, no mínimo, solistas de alta qualidade – como, aliás, vemos em grande número no Theatro Municipal de São Paulo, que também anda apostando num repertório básico, mas pelo menos aposta direito. Os solistas anunciados até agora pelo Municipal carioca, com uma ou duas exceções, não chegam a empolgar. Pode ser que eu me surpreenda futuramente (o que é sempre gratificante), mas por ora não me empolguei.
Para completar, Karabtchevsky convidou Alberto Renault para dirigir cenicamente a Salomé, que estreia uma semana antes de outra Salomé, aquela que Lívia Sabag vai dirigir para o Municipal paulistano. Lívia é, para o meu gosto e para o de muita gente boa, a melhor encenadora de ópera do Brasil na atualidade, enquanto Renault foi o responsável por duas das piores produções cênicas do Municipal nos últimos anos: um Fidelio e uma Lucia di Lammermoor de dar pena… Será que Renault vai remontar sua Salomé de 1998, ou criará uma nova? Aquela, pelo menos, foi muito boa, muito melhor que as duas montagens descartáveis que acabo de citar.
Otello, Falstaff, La Forza del Destino, I Vespri Siciliani, Manon Lescaut, La Fanciulla del West, Norma, O Cavaleiro da Rosa, Lohengrin, O Navio Fantasma, Don Pasquale, La Cenerentola, Adriana Lecouvreur, Andrea Chénier, Don Giovanni, La Gioconda, Mefistofele, Os Contos de Hoffmann, Manon, Werther, O Diálogo das Carmelitas, qualquer ópera russa, dentre tantas outras, todas são exemplos de obras que não são apresentadas no Rio de Janeiro há muito tempo. Com elas, dá para se fazer várias temporadas sem vergonha de três miseráveis títulos, bem mais interessantes que a repetição de seu Isaac… Quanta mesmice!
Camurati e Rattes
No começo deste texto, citei o orçamento da temporada artística do Theatro Municipal para os anos de 2013 (orçado e realizado) e 2014 (orçado, por enquanto). Vamos comparar? Para 2013, o orçamento inicial da rubrica “Publicidade e Propaganda” do governo fluminense era de R$ 80 milhões, mas seu Cabral gastou nada menos que R$ 150,9 milhões – com uma extrapolação da ordem de 88,6%! Para 2014, o orçamento desta rubrica é o mesmo de 2013, ou seja, não diminuiu como o da programação artística do Municipal. Agora, imagine o leitor o quanto não vai extrapolar num ano eleitoral, não é? E isso para divulgar o que o governo não faz, ou faz mal feito…
E o que têm Adriana Rattes e Carla Camurati com isso? Bem, as duas fazem parte do governo Cabral há seis anos e alguns meses. Em momento algum abriram a boca para reclamar das condições de trabalho, nunca brigaram por melhores condições de programação para o principal equipamento cultural do Estado do Rio. Nunca questionaram a exorbitância da verba de publicidade e propaganda, enquanto ao Municipal restavam poucos caraminguás.
Na verdade, ambas vêm empurrando a programação própria do Municipal com a barriga desde o fim de 2007. Nunca conseguiram colocar de pé uma temporada decente de óperas. Em muitos momentos, trocaram as óperas pelos concertos da Série Música e Imagem – uma série interessante, mas que não pode ter mais destaque na programação que as óperas. Outro fator negativo em relação a esta série é que a empresa detentora dos direitos dos filmes no Brasil é a mesma para quase todas as obras cinematográficas apresentadas desde 2008: isso não é saudável sob o ponto de vista do dispêndio do dinheiro público.
Querem mais? Rattes e Camurati não vendem assinaturas porque teriam que devolver muito dinheiro depois, em virtude dos cancelamentos de praxe. Poderiam, ao longo desse tempo, ter tido a atitude digna de sair do governo, explicando ao distinto público: “estou/estamos saindo porque o governo não me/nos deixa trabalhar com dignidade, não me/nos dá condições de elaborar uma programação à altura do público carioca e fluminense”.
Não, nada disso. Continuaram lá, em seus carguinhos. Ou seja, aprovam tudo que o governo faz ou deixa de fazer. Se não aprovassem, já tinham saído de lá. Se ficaram, é porque são coniventes com tudo, especialmente com a programação lírica vagabunda do Municipal. E, já que não saíram até agora, que afundem junto com o governo. É o que merecem.
Leonardo Marques.
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