MUNICIPAL- RJ ABRE SUA TEMPORADA COM A NONA, DE BEETHOVEN - UMA ANTICRÍTICA.
Verba já minguada da programação parece ter sido transferida para a tal “Fábrica de Espetáculos”.
Na última sexta-feira, 14 de março, o Theatro Municipal do Rio de Janeiro abriu sua temporada 2014 com mais uma interpretação da Sinfonia n° 9, em ré menor, de Beethoven, com solistas convidados e conjuntos da casa.
Tal concerto marcou o início de um ano que promete ser um dos mais pobres dos últimos tempos, assim como o foram os anos de 2008, 2010 e 2012 – para não falar em 2013, que também esteve longe de ser grande coisa em termos quantitativos de programação.
Com a palavra, Carla Camurati
Em uma matéria publicada no jornal O Globo da última sexta-feira, disse Carla Camurati: “Parte do nosso orçamento é contingenciado (SIC). Manda a segurança, num ano de eleição e com orçamento contingenciado, que a gente só anuncie o restante da programação mais tarde, provavelmente no fim de abril ou no começo de maio”.
O que podemos depreender da declaração de dona Carla? Bem, não muita coisa, mas, de sua fala, podemos extrair uma série de questões que ela certamente não terá capacidade para responder:
1- Dona Carla se sente à vontade para trabalhar com um orçamento contingenciado, que não lhe dá condições adequadas de gerir a programação própria da casa? Por que continua na casa se não tem condições de oferecer ao público carioca pagador de impostos uma programação decente?
2- O que ela pensa a respeito do orçamento de publicidade e propaganda, que não é contingenciado, e que em 2013 torrou quase o dobro do valor inicialmente orçado para o ano?
3- O que ela quis dizer exatamente com “num ano de eleição”? O que um ano de eleição tem de diferente dos outros anos? Por acaso num ano de eleição o Municipal tem menos dinheiro à sua disposição porque ele, o dinheiro, precisa ser empregado em outra coisa? Afinal, o que dona Carla quis dizer?
4- Dona Carla vai mesmo anunciar o restante da programação no fim de abril ou no começo de maio? Sei não, mas, se não o fizer, já adianto aqui que, de minha parte, levará a bronca correspondente.
Além dessas questões, acrescento:
5- Dona Carla se contenta em ser uma gerente de programação? Afinal é isso que ela é, apenas encaixando as mirradas óperas, os míseros concertos e os poucos balés da programação da casa em meio aos concertos da OSB, da Petrobras Sinfônica, da Dell’Arte e de um monte de outros promotores de eventos, alguns dos quais de nível duvidoso.
6- Afinal, para que dona Carla é presidente do Municipal, se não pode montar quase ópera nenhuma, se não pode renovar os balés clássicos da casa (apresentados há muito tempo – muito tempo mesmo! – com os mesmos cenários e figurinos, sem renovação) e se não consegue sequer oferecer uma agenda de concertos em quantidade adequada com a OSTM e o Coro da casa? Com todo o respeito, para isso o Municipal não precisa de presidente, seja ela ou qualquer outra pessoa.
Com a palavra, Isaac Karabtchevsky
Na mesma matéria de O Globo, disse Isaac Karabtchevsky: “(…) O teatro está numa fase de fim de gestão, mas é como se fosse o início. A programação não sinaliza absolutamente o fim, pela ambição e pela preocupação com a qualidade”.
É impressionante como o maestro Karabtchevsky, desde que assumiu a programação artística da casa, só abre a boca para falar besteiras. No ano passado, afirmou categoricamente que daria prioridade à ópera, e até hoje a ópera continua relegada a segundo plano no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Vejamos o que disse agora:
1- Sugere o maestro que sua programação para 2014 tem uma certa ambição… Ambição? Sério mesmo? Qual ambição? Onde se encontra essa ambição que não consegui vislumbrar? O que é ambição para o maestro? Será que é montar a Carmen e a Salomé? Isso é ambição? Desde quando? Será que é só na cabeça dele?
2- O mais interessante, porém, é que, na declaração acima, o maestro atirou no que viu e acertou no que não viu. Quando ele diz “mas é como se fosse o início”, acerta em parte. Afinal, em seu sétimo ano à frente do Municipal, a administração Camurati, em termos de programação, ainda não começou de verdade, e como este é o seu provável último ano, não vai mais começar.
Orçamento transferido para “Fábrica de Espetáculos”?
O orçamento inicial e específico da programação artística do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para 2012 era de R$ 7,6 milhões; o mesmo orçamento em 2013 caiu para R$ 6,1 milhões; e agora em 2014 caiu mais ainda para inacreditáveis R$ 5,2 milhões.
No entanto, vejam só, exatamente para 2014 apareceu no orçamento da casa uma verba de R$ 980 mil para a implantação da nova Central Técnica de Produções (CTP) do Municipal, aquela que atende pelo nome afrescalhado de “Fábrica de Espetáculos”.
Este valor supracitado é pouco superior à diferença a menor no orçamento da programação da casa para 2014 quando comparado com o do ano anterior – o que é no mínimo curioso, e bastante sugestivo de que houve transferência de orçamento, em detrimento da programação já tão medíocre do Municipal. Ou seja, o governo estadual parece só investir na nova CTP porque os recursos para isso saíram da programação.
Se esta tiver sido realmente uma transferência, os responsáveis pelo orçamento (da secretaria de Fazenda, talvez) não devem tê-la executado por livre e espontânea vontade. Alguém muito provavelmente deve ter solicitado esta transferência. E, se foi isso mesmo, esse alguém, claro, não tem compromisso algum com a programação do Municipal.
O fato de o governo investir na nova CTP não significa que deva castigar ainda mais uma programação já tão negligenciada, deteriorada e repleta de cancelamentos.
Nona de Beethoven, o público e a crítica
A Nona? Desculpem, mas não saí de casa na última sexta. Não fui, não vi, não ouvi e… não gostei! Daí a “anticrítica” do título deste artigo. Explico melhor:
Já ouvi a Nona incontáveis vezes no Municipal, seja com a OSTM ou com outras orquestras (minha última Nona, aliás, foi com a OSB sob Lorin Maazel – inesquecível), e nada eu teria contra ela se soubesse que boa parte do público presente seria de novos ouvintes. No entanto, mesmo sem ter ido ao Municipal, afirmo sem medo algum de errar, e sendo bem “otimista”, que 90% do público presente, no mínimo, era composto por gente acostumada a frequentar o Municipal. Isso não é animador.
Registre-se que, para um governo que joga tanto dinheiro fora com publicidade e propaganda, a estratégia de divulgação do Municipal é pré-histórica, de forma que atrair um público novo é muito difícil, quase impossível.
Por isso o meu “não gostei” ali de cima. Essa gente que compareceu ao Municipal já ouviu a Nona “trocentas” vezes ao vivo, e merecia algo diferente para uma abertura de temporada. A Nona, por sua vez, cairia muito bem num Domingo no Municipal, a R$ 1,00, desde que o público que comparecesse não fosse o de sempre…
A propósito, boa parte do público carioca, em certo aspecto, é tão quietinho, não é? Aceita a programação que o Municipal lhe enfia goela abaixo sem reclamar, tal qual dona Carla aceita seu orçamentozinho vagabundo sem reclamar com o “chefe”. Enquanto boa parte do público aceitar essa porcaria (em termos quantitativos) de programação, ela continuará a ser “isso que está aí”: uma porcaria.
E não só parte do público é muito quietinho, como também parte da crítica, o que é bastante perigoso. A função da crítica de música clássica e lírica no Brasil, e no Rio de Janeiro em particular, a meu ver, não está apenas na avaliação musical daquilo que é apresentado em nossos palcos. Cabe à crítica analisar também a programação como um todo: a temporada de óperas é suficiente? A OSTM tem um número adequado de concertos sinfônicos programados? Lembro-me de uma temporada, nos anos 90, em que a OSTM apresentou o ciclo completo das sinfonias de Beethoven, só para efeito de comparação com a minguada Nona deste ano. A crítica aceita que um teatro de ópera e balé do porte do Municipal mais enfeite a Cinelândia que atue sistematicamente como um grande produtor artístico? Essas são questões que nem toda a crítica procura abordar, deixando a administração da casa à vontade para fazer o que quiser, ou seja, a sua programaçãozinha vagabunda de sempre.
Será que essa parte do público e essa parte da crítica consideram correto que os Corpos Artísticos do Municipal recebam salários pagos com dinheiro público para passar a maior parte do ano só ensaiando? Esses Corpos Artísticos não deveriam se apresentar mais vezes para fazer valer os salários que recebem e cumprir a sua função pública? O que pensam sobre essas questões parte do público e parte da crítica?
Não tenho dúvidas de que o concerto da última sexta-feira deve realmente ter sido bom, a julgar pela crítica publicada em O Globo e pelo relato de uma amiga musicista. Conheço a capacidade dos conjuntos do Municipal e a alta qualificação de Isaac Karabtchevsky como regente.
Meu problema com seu Isaac é outro: ele sabe que, pelo menos no momento, nada pode fazer pela instituição semifalida que é o Municipal, mas mesmo assim continua lá, emprestando seu grande nome e recebendo cachês de regente convidado. Sinceramente, não creio que ele precise disso para sobreviver. E, exatamente por não precisar, não deveria emprestar seu nome para a porcaria (sempre em termos quantitativos) que dona Carla chama de “programação”.
Ano(s) perdido(s)
2014 é mais um ano perdido para a programação do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Na verdade, foram sete anos praticamente jogados fora, sem qualquer evolução do Municipal em termos de programação, sem qualquer projeto artístico sério que se vislumbrasse claramente.
Em termos de programação, o Municipal que Carla Camurati entregará a seu sucessor é o mesmo teatrinho ordinário (na pior acepção do termo) que ela recebeu de Luiz Paulo Sampaio, o presidente anterior, e que este recebera da não menos inoperante Helena Severo.
Um teatrinho ordinário… Como é triste dizer isso, mas é a verdade, e não dá para discutir com a verdade, com os fatos, com os números, sobretudo quando comparados com a verdade, com os fatos, com os números e com a programação de teatros do mesmo porte, todos sul-americanos (conforme diversos textos anteriores por mim publicados).
Pior do que isso é olhar para os principais candidatos ao governo do Estado e não encontrar um que preste! Não deve se iludir o (e)leitor com a provável mudança de governo, ou do partido do governo, a partir de 2015. Espero estar errado, mas não vejo luz no fim do túnel.
Dona Helena Severo e seu Luiz Paulo Sampaio contribuíram para matar a programação do Municipal. Dona Carla Camurati completou o serviço, enterrando-a bem enterradinha. Exumá-la será tarefa hercúlea.
Loenardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/
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