A EMBLEMÁTICA "CARMEN" VOLTA AO MUNICIPAL DO RIO. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

As duas intérpretes de Carmen ficam distantes da personagem emblemática, sedutora, multifacetada e enigmática da já conhecida cigana.

A direção cênica de Allex Aguilera, que responde também pela cenografia, tem um trabalho monótono e feio, deixando os personagens parados, estáticos,  frequentemente cantando sentados, o que lhe dificulta a emissão das notas mais difíceis. Utiliza-se de conhecidos clichês do atual teatro  lírico (Câmara lenta,  freio cênico). Onde já se viu o Escamilo cantar a famosa “Canção do Toreador” sentado numa cadeira ladeado por dois guitarristas e carron mudos? Mais parecia um ensaio com orquestra!
Cenário inexistente no 3º ato com o acréscimo de uma lua cheia e uma penumbra danada; as ciganas leem as cartas, enquanto Carmen pouco se importa com elas, permanecendo estática à frente da cena, inexpressiva num monólogo cansativo e chato. O marasmo inexplicável perde-se num momento fundamental de dramaticidade; a famosa cena das cartas.     
A  Micaela, segundo Aguilera, é corajosa, não teme Carmen e, apesar de saber o que  ela representa,  deseja encontrá-la cara a cara. E nesse aspecto Ekaterina Bakanova (soprano russo no registro de lírico-ligeiro), apesar do pequeno volume de sua massa canora, apresentou muito bom desempenho; no dueto com o noivo do 1º ato ” et je viens de lá bas…Cest votre mere qui m’envoie” e na ária principal do ato III “Je dis que rien ne m’épouvante” com timbre apropriado a Micaela, com belo fraseado, emissão segura e sensível, foi alvo dos maiores aplausos do espetáculo.     
Isaac Karabtchevsky uma vez mais nesta ópera de Bizet,  que se viu no Theatro Municipal do Rio de Janeiro nos dias 12 e 13 de abril p.p. pôs a sua sensibilidade e nuances de estilo numa regência corretíssima, nem sempre correspondida pelos indisciplinados músicos da orquestra do teatro,  que, durante a execução, se põem a trocar sinais de comunicação entre si,  muito impróprios na ocasião (percussionistas da OSTM). Muito feio. O ballet  flamenco  apresentado no início da Taberna de Lillas Pastia (2º ato) foi um dos pontos altos no decorrer das cenas;  com evoluções apropriadas e típicas,  embaladas em coreografias de efeito colorido. Orquestra precisa e brilhante.
Quando nos referimos ao papel título, nos lembramos das célebres Grace Bumbry,  Teresa Berganza, Tatiana Troyanos, Regina Résnik, Marilyn Horne, Shirley Verrett, Ann  Howard, Mary Garden, Rosa Ponselle, Bruna Castagna, Conchita Supervia, Blanche Thebom e Regine Crespin….mas também no Brasil, de Gabriella Besanzoni, Carmen Pimentel (1916-2014) e Celine Imbert, as três atuaram como Carmen no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e São Paulo, em inesquecíveis apresentações, cada qual com as suas peculiaridades interpretativas.
As duas intérpretes de Carmen ficam distantes da personagem emblemática, sedutora, multifacetada e enigmática da já conhecida cigana. Sua entrada em cena,  num plano superior distante do coro, dificultou o entrosamento cênico, causando desafinações entre a cantora e o coro, e a “Habanera” ficou à deriva em ambas as intérpretes. Jogo cênico, domínio do espaço, volume vocal e saber dançar; faltou de tudo neste difícil papel a ambas. Luísa Francesconi dona de linda voz para óperas de Rossini, Bellini, Mozart (Cherubino); Charlotte de “Werther”; L’Enfant et les Sortileges, Les Troyens, Orfeu e Euridice, de Gluck entre tantas, apesar do distanciamento apontado anteriormente no que se tange à sua interpretação, espera-se ainda, que possa vir a desenvolver com maior profundidade sua  sensibilidade interpretativa  e seu talento,  tornando-se mais uma revelação entre as atrizes-cantoras contemporâneas.
Edneia de Oliveira, em 12 de abril, possui voz aveludada e musicalidade intensa já demonstrada em São Paulo como intérprete notável do “Aleluia Magnificat” do mestre Villa-Lobos à frente do Coro Lírico Municipal e Orquestra do Theatro Municipal de São Paulo e nas peles de Clara e Serena do “Porgy and Bess” (Gershwin); todavia o pequeno volume vocal, apesar de sua extensão ampla, definitivamente não se identifica com a cigana Carmen, para a qual se exige uma grande voz. Deixou muito a desejar.
O barítono da Letônia Valdis Jansons decepcionou, cantando sentado sua canção predileta, portando voz pequena demais ao papel; melhorou ao final do 3º ato, quando enfrenta Don José. Leonardo Páscoa, ao contrário desenvolveu com brilho o papel de Morales (barítono comprimário) pelas suas reais qualidades canoras e cênicas, secundado por Daniel Germano (o baixo desta ópera) como o capitão Zuniga.
O papel de Don José, o amante recusado de Carmen, coube a Fernando Portari, que soube muito bem extrair toda a dramaticidade, sobretudo no 4º ato em duelo com sua amada. Ovacionado em sua ária da flor “La fleur que tu m’avais jetée”, que cantou em falsete no final, emocionou a plateia. José Manuel Chú (do México) no sábado, aterrado, apavorado com a estreia do papel, nervoso e desconfortável, perdeu muito em interpretação, cantando ajoelhado ao lado de Carmen, ou mesmo sentado, se esquivando de sua responsabilidade musical, não rendeu como seria possível em Rigoletto, La Bohéme, Madama Butterfly ou La Traviata, mais apropriadas ao seu registro de tenor lírico.
As amigas de Carmen: Frasquita, de Lúcia Bianchini, que deveria ser escalada um soprano lírico leggero,  não rendeu, com agudos esganiçados, com afinação duvidosa e sempre calante. Mercedes, ainda pior na voz do contralto Daniela Mesquita, fraquíssima, sem projeção vocal em desafinações constantes. Para o célebre quinteto “Nous avons en tête une affaire”, importante página do 2º ato, não seria possível realizá-lo com essas deficiências; salvem-se somente as protagonistas e o tenorGeilson Santos  (Remendado), uma vez que defenderam as suas partes a contento. Defeituosa a emissão de Marcelo Coutinho (Dancairo).
Os coros de peso nesta ópera, deixaram a desejar, mais pelo destino do encenador, cortando sua participação na Taberna de Lillas Pastia (vozes femininas), escondendo-o também, atrás das projeções de vídeo, assim preterindo-o em sua principal cena no início do ato IV.
O final é um massacre: Escamilo mata o touro, Don José apunhala Carmen mortalmente e Escamilo degola D. José. Sangue escorre na tela ao fundo do cenário. E desta forma a violência tão criticada por Aguilera é evitada???
Escrito por Marco Antonio Seta, em 15 de Abril de 2014
Inscrito sob nº 61.909 MTB – SP
Crédito da foto do post: Sheilla Guimarães

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