PROGRAMA DE VELHAS ESTREIAS. CRÍTICA DE FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
OSB apresenta versão original de obra de Mussorgsky e sinfonia inédita de Rachmaninoff. Violinista Arabella Steinbacher brilha.
A vida é mesmo um “museu de grandes novidades”, como dizia Cazuza. O centenário Theatro Municipal do Rio de Janeiro até hoje desperta fascínio em seus frequentadores, o que se comprova pela profusão de brilhantes telas de smartphones que fazem selfiese fotografam o monumental plafond lindamente decorado por Eliseu Visconti. No âmbito musical, independentemente de certas composições terem a infinita capacidade de surpreender os ouvintes a cada audição, ainda há muito a ser descoberto. Duas dessas surpresas – ou, ao menos, raridades – foram trazidas ao palco do Municipal pelaOrquestra Sinfônica Brasileira (OSB) em concerto da série Topázio, realizado na noite de 22 de maio.
A menção de Uma Noite no Monte Calvo, composição de M. Mussorgsky, traz à mente de muitos a animação criada pelos artistas da equipe de Walt Disney no famoso longa-metragem Fantasia (1940, relançado em seu cinquentenário). No entanto, a versão apresentada no filme, executada pela Orquestra da Filadélfia, com regência de Leopold Stokowski, é uma versão bastante suavizada por N. Rimsky-Korsakov um ano após a morte de Mussorgsky. A OSB executou a versão original, em primeira audição no país, com todas as suas arestas e fúria.
A regência de Roberto Minczuck fez a orquestra levitar como se içada por um vendaval de bruxas em voo. Toda a força e a crueza da pena de Mussorgsky despertaram, sem pudores, com a lascívia dos temas profanos e góticos que inspiraram o compositor em sua criação. Os arcos das cordas rodopiavam feito um redemoinho de folhas ao vento, lançando lufadas de ar sobre uma plateia atônita. A percussão assustava, com tamanha potência e precisão. Os sopros saltitavam como sátiros ferozes em busca de incautos. Os metais avançavam, como trovões, sem hesitar, ecoando nos corações. O grupo apresentou irrepreensível performance, com andamento impecável ecrescendi vigorosos.
Valiosa atração internacional
Fôlegos recobrados, subiu ao palco a violinista alemã Arabela Steinbacher para interpretar o Concerto para violino em lá menor, op. 53, de A. Dvorak. A peça, de grande elegância e sem muitos arroubos (talvez por isso uma escolha difícil), foi executada à altura. A solista, reluzente em carmesim, duelava com a música, bailando tal qual uma toureira, com graça e altivez, ora vigorosa, ora dócil, extraindo uma sonoridade hipnótica de seu Stradivarius 1716.
A harmonia do casamento entre orquestra e solista ficou evidente, especialmente nos grandiosos crescendi do primeiro movimento (Allegro ma non troppo). No movimento seguinte (Adagio ma non troppo), destacou-se a participação luxuosa dos sopros. No terceiro (Allegro giocoso, ma non troppo), de maior demanda técnica, os músicos responderam com precisão.
Consta que a Sinfonia n. 1 em ré menor, op. 13, de S. Rachmaninoff, foi apresentada apenas uma vez, no ano de sua composição (1895), por um maestro embriagado eu não gostava da partitura. Depois desse fiasco, caiu no esquecimento até muitos anos depois, quando sua beleza foi redescoberta. Coube à OSB trazer ao público brasileiro esta vigorosa sinfonia, que em apenas algumas passagens remete à imagem de seu melancólico autor.
A obra, que traz elementos do folclore russo, contém cores fortes e intensas, com participação maciça dos metais e da percussão. O primeiro movimento (Grave – Allegro, ma non troppo) tem curvas sinuosas que exigem bastante das cordas. No segundo (Allegro animato), mais melódico e suave, a orquestra mostrou-se coesa e densa, com solos precisos do violinista Alejandro Aldana. No terceiro movimento (Larghetto), destacou-se, com prefeitas intervenções, a flautista Claudia Nascimento. Por fim, um Allegro con fuoco impactante, sincopado e marcial, executado de forma grandiosa e inebriante.
Mesmo com obras e compositores já celebrados, interpretados por uma orquestra de valor cada vez mais reconhecido, a noite foi de ótimas surpresas.
Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
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