TMRJ PAGA 420 MIL A KARABCHEVSKY E CHICO REI PODE SER CANCELADO. ARTIGO DE LEONARDO MARQUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Administração de Carla Camurati se aproxima do fim, mas programação própria do Theatro é tão pobre quanto a que ela recebeu de seu antecessor.

Em seu primeiro ano à frente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro (2008), Carla Camurati cancelou a ópera La Cenerentola. Em 2010, o ano de reabertura da casa após obras de restauração, cancelou Tosca e O Castelo do Barba-Azul – embora ela diga que só adiou para o ano seguinte, o que dá no mesmo. Em 2012, cancelou uma montagem deLa Traviata. Em 2013, cancelou uma dobradinha com Erwargung e Suor Angelica.
Agora em 2014, seu provável último ano à frente do Municipal, Camurati já trocouCapriccio por Salomé; cancelou o Wozzeck anunciado com estardalhaço por Isaac Karabtchevsky; não confirmou se montará a também anunciada A Flauta Mágica; enrola para divulgar o restante da temporada (até aqui com apenas duas óperas, para não perder o costume); e, como se fosse pouco, é provável que cancele o balé Chico Rei, que, do que foi anunciado até agora sobre a temporada atual, era o que mais despertava atenção e curiosidade, pelo ineditismo, por fugir da mesmice.

Chico Rei
: adiado ou cancelado?
Chico Rei simplesmente desapareceu da aba “programação” do site do Theatro Municipal. Consultada, a Assessoria de Imprensa da casa informou que o balé “foi adiado em função da indisponibilidade de datas do protagonista escolhido para o período estabelecido para a temporada. O ballet Chico Rei vai ser readequado à grade da programação do segundo semestre de 2014”.
Ah, o solista que viria não poderá mais vir? Sei não, mas então ele parece um tanto enrolado e sem palavra, não é? Que se contrate outro, ora essa, ou então que se prestigie a prata da casa, mas adiar?
Como não nasci ontem e como o Municipal já tinha usado essa desculpa esfarrapada de indisponibilidade de um solista anteriormente (para cancelar O Castelo do Barba-Azulem 2010), consultei outra fonte, que me contou uma história diferente, mas também sem entrar muito em detalhes. O importante é que, segundo essa segunda fonte, o balé foi mesmo cancelado e pronto. Saberemos futuramente a verdade.
Já a estreia do balé La Bayadère, prevista para o fim de maio, foi adiada em alguns poucos dias para o começo de junho. Para alguns, esses poucos dias podem parecer bobagem; para outros, desorganização. Pertenço ao segundo grupo. O mesmo espetáculo terá novas apresentações no início de julho, tapando o buraco deixado pelo adiamento ou cancelamento de Chico Rei. E, para não ficar sem programação própria em maio, o Municipal programou apresentações extras de passagens da ópera O Elixir do Amor, na série Ópera do Meio-Dia – série interessante para um público iniciante e que merece apoio, copiada de uma administração anterior. Essa série, é preciso deixar claro, não faz parte da temporada lírica que o Municipal deveria ter, pois aquilo que chamamos de “temporada lírica” abriga, somente, óperas completas.
Sobre o restante da temporada 2014, a Assessoria afirmou: “A programação preparada pelo Maestro Isaac Karabtchevsky está pronta desde setembro de 2013. A Fundação Theatro Municipal aguarda a liberação do orçamento estadual, que encontra-se contingenciado, para anunciar as demais produções do segundo semestre de 2014”.
A programação de seu Isaac está pronta desde 2013? Sei, mas o Wozzeck já era e aFlauta nem Deus sabe se vai sair ou não (há quem diga que será trocada por uma corriqueira Butterfly).

Isaac, o caro prestador de serviços
A propósito, já que falei em Isaac Karabtchevsky, o maestro parece que vai “muito bem, obrigado”: a edição de 28 de abril do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro informa que o maestro foi contratado pelo Municipal, por R$ 420 mil, para atuar junto à Diretoria Artística da Fundação Teatro Municipal, através de um “contrato de prestação de serviços”.
Como eu venho dizendo aqui no meu cantinho há muito tempo, seu Isaac não é diretor artístico do Municipal, é só um prestador de serviços um tanto… qualificado. O maestro recebeu remuneração idêntica em 2013 por um contrato semelhante. É simplesmente impossível entender por que o Municipal gastou nos últimos dois anos R$ 840 mil com Karabtchevsky quando, no mesmo período, continuou e continua tendo sérios problemas com sua programação.
O fato de o Theatro Municipal ter outro regente à disposição (o maestro Sílvio Viegas, titular da Sinfônica da casa, que recebe salário mensal) reforça ainda mais a constatação de que seu Isaac está ganhando muito para fazer muito pouco. Se a casa já tem quem reja suas óperas, concertos e balés a um custo bem menor, por que torra dinheiro com Karabtchevsky?
Ressalto que não trato aqui de qualidades musicais, nem faço qualquer comparação entre dois regentes respeitados. Apenas questiono o destino que é dado à parte da verba minguada de programação do Municipal. Se considerarmos que o orçamento deste ano para a rubrica “Realização de atividades culturais e educativas” (aquela que envolve a programação artística) é da ordem de R$ 5,2 milhões, seu Isaac leva, sozinho, 8% desse orçamento. E, convenhamos, gastar com um “prestador de serviços” 8% do orçamento artístico total, para um teatro de ópera que quase não tem ópera, passa dos limites do que costumamos chamar de razoável, e beira o absurdo.
A chegada de seu Isaac ao Municipal pareceu positiva. Ele começou com um discurso otimista, dando a entender que lutaria pelo Theatro, que usaria seu prestígio para tentar montar mais óperas etc… Balela. Não passou de discursozinho de politiqueiro medíocre, como tantos que vemos por aí. A temporada da casa continua uma porcaria e ninguém faz nada para mudá-la, para melhorá-la. Pior: ninguém faz a menor questão de fazer alguma coisa.

Carla Camurati e o saldo de sua gestão
Em uma reportagem recente do Estadão sobre o filme Getúlio, do qual Carla Camurati é produtora, ela, ao falar de sua atuação no Municipal, soltou mais algumas de suas pérolas. Observem:
Há uma incompreensão muito grande sobre o papel do gestor público no País. A imprensa tem de criticar, mas muitas vezes só ataca”.
Aprendi muito com todos aqueles especialistas (referindo-se à reforma do Municipal). E, se já havia dirigido ópera e conhecia a parte musical, aprendi mais ainda com os artistas e técnicos. Descobri o corpo de baile, maravilhoso”.
Ela conclui: “Criei programas como Imagem e Música (SIC), baseado no diálogo com o cinema, multipliquei a receita. O Municipal que vou entregar está melhor”.
Bem, não me parece que haja “incompreensão” sobre o papel do gestor público no Brasil. Parece-me, muito mais, que há uma cobrança cada vez maior de eficiência, o que é completamente diferente. E isso em todas as áreas, ou seja, na saúde, na educação, na segurança, no nosso transporte público vagabundo, nas questões ambientais etc… A cultura não pode – e nem deve! – ficar de fora dessa cobrança.
Gestores públicos ineficientes, por sua vez, têm por hábito criticar a imprensa quando esta enfia o dedo em suas feridas. É este, por exemplo, o comportamento do governo federal sempre que surge um escândalo novo. Há quem diga que o mensalão é invenção da imprensa, vejam só. A imprensa, na maioria das vezes, aponta o erro para o gestor se corrigir, para aprimorar sua gestão, para que ele, que é pago para isso, busque soluções.
Não me parece que, em sete anos à frente do Municipal, dona Carla tenha aprimorado em nada (mas em nada mesmo!) a programação própria do Municipal. E também não me parece que ela tenha buscado soluções consistentes para essa programação. E se ela diz que aprendeu muita coisa, parece não ter aprendido como colocar uma programação de pé, sem cancelamentos, adiamentos e outros subterfúgios. Aliás, se tem uma coisa que ela aprendeu de verdade nesses anos todos no Municipal foi cancelar espetáculos (óperas principalmente).
E é uma pena que ela não tenha aprendido como convencer um governo medíocre (que conseguiu estragar seu principal projeto – as UPPs – e que torra dinheiro com publicidade e propaganda) a investir de verdade em cultura. Eu mesmo, aqui, sugeri várias vezes que ela corresse atrás de um pouquinho, só um pouquinho, daquela verbinha gorda de publicidade e propaganda que o governo usa para divulgar o que não faz ou faz mal feito. Mas, sabem como é, isso dá muito trabalho, ainda mais em “ano de eleição”, para lembrar outra de suas declarações – esta ao jornal O Globo.
Dona Carla encerra dizendo que multiplicou a receita e que vai entregar um Municipal melhor. Como assim multiplicou a receita do Theatro Municipal se, a cada ano, o orçamento para a programação da casa vem diminuindo sistematicamente, como eu já demonstrei através de números inquestionáveis em outros artigos? Onde foi parar então essa receita? Será que serviu apenas para contratar seu Isaac a peso de ouro? Isso dona Carla não explica, mas deveria, exatamente por ser uma “gestora pública”.
Em termos de programação, o Municipal que ela entregará a seu sucessor é tão medíocre, tão ordinário, quanto o que ela recebeu de seu antecessor: o Theatro continua montando duas ou, quando muito, três óperas por ano; continua cancelando espetáculos; continua desrespeitando o público. Isso é melhor? Só se for melhor para dona Carla. Para mim não é, para o público não é, para a cultura do Estado do Rio de Janeiro tampouco.
Foram sete anos jogados fora, sem qualquer evolução na programação. Tanto que Carla Camurati utiliza o website do Theatro Municipal para comparar sua gestão às anteriores. Está escrito lá que nos últimos quinze anos a casa monta uma média de três óperas por ano, sendo que, complemento eu, em 2008, 2010 e 2012 (ou seja, na atual administração), montou só duas.
Vai ver a culpa disso tudo não é da inoperância de dona Carla, não é da não menos inoperante Adriana Rattes, não é da falta de visão cultural do governo do Estado, do amigo do Cavendish, nem do pau mandado do amigo do Cavendish (leia-se “pé grande”). A culpa deve ser da incompreensão da imprensa, ora essa!
Talvez a culpa seja minha, ou quem sabe sua, caro leitor, cara leitora. Só não é de dona Carla, até porque ela anda muito ocupada com a divulgação do filme do qual é produtora, e deve estar sem tempo para assumir essa culpa…
No Brasil, a culpa sempre é do outro.
Leonardo Marques
Fonte: http://www.movimento.com/

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