UM BACH INTERROMPIDO. ARTIGO DE MARCELO LOPES PEREIRA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Domingo de manhã, a Orquestra Sinfônica Municpal de São Paulo, realizava a segunda apresentação com o maestro Alexander Sladkovskiy e o violencelista Mario Brunello. O concerto começou bem, com a abertura Príncipe Igor de Alexander Borodin, onde a orquestra tocava bem mostrando o resultado de um trabalho bem feito que já começa a dar seus bons frutos...


Sinceramente, acho que a orquestra melhorou e cresceu muito desde que Neschiling chegou, afinal ela já traz solistas de altíssimo nível como o italiano Mario Brunello, que solou magnificamente o concerto para cello de Antonín Dvorák Op.104, a orquestra o acompanhou muito bem, pois é um solista de muita intensidade e expressividade, dono de uma técnica primorosa e impecável. Mario Brunello fez uma apresentação que ficará guardada em minhas mais íntimas memórias afetivas.

Estava sentado bem a sua frente, ouvia sua respiração e sentia intensamente as vibrações de seu cello, cujas notas saiam quase magicamente. Fiz uma breve pesquisa e descobri que seu cello é um Maggini *, pois uma sonoridade tão intensa e bonita só poderia vir de um cello com grande valor histórico. Quando a música é bonita e bem executada o tempo parece parar, e logo que o concerto terminou, imensos e merecidos aplausos ecoaram pelo centenário teatro, até esse ponto tudo perfeito ...
                                                                                                     Mario Brunello , foto Internet.
Em agradecimento aos intensos e calorosos aplausos, fomos agraciados pelo celista com uma das Suites para Cello de Bach - o que sempre é um momento muito especial - e a mesma começou a ser executada com extraordinária e intensa interpretação, até que... um celular tocou ! Confesso, sentado defronte ao músico que tomei um imenso susto, e estupefato... o celular ainda continuava tocando … a essa altura a suite de Bach já fora interrompida, vilipendiada, cortada pelo horrendo som de um celular que ainda insistia em tocar em um torturante flagício, infelizmente a essa altura a música já havia sido derrotada por essa traquinagem digna da mais altas vaias e apupos, porém Brunello ironicamente aplaudiu o autor de tão impensado despropósito e o público numa mistura de admiração pelo Brunello com o ridículo da situação também aderiu aos aplausos...

No entanto já era muito tarde, a essa altura a cadeira vazia de um grande músico, representou a inacabada execução de uma Suite para Cello de Bach! Interrompida! É como se algo sagrado tivesse sido roubado de todos nós, devido a um simples descuido, num problema recorrente em todas as nossas salas de concerto, sinto-me extremamente envergonhado e triste por isso, pois aquele telefone arruinou um momento muito importante para muitos que lá estavam … Espero que o responsável por isso, no mínimo, nunca mais leve o seu telefone em salas de concerto !

Quem perde com isso ? A Música, a Arte, todos nós, pois as pessoas não conseguem se desligar do mundo exterior nem quando entram em uma sala de concertos. Afinal, uma das principais virtudes da boa música é nos tirar um pouco da insanidade e loucura da nossa sociedade imensamente patológica, voltada para o “ter” e não para o “ser” , por isso temos tantas pessoas infelizes, tristes, deprimidas, pois se esqueceram de buscar a felicidade em coisas que realmente importam !


*Giovanni Paolo Maggini (aproximadamente 1580-1630)



Marcelo Lopes Pereira

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