EM NOME DO PAI. CRÍTICA DE FABIANO GONÇALVES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Orquestra Petrobras Sinfônica apresenta O Messias em homenagem a seu fundador, Armando Prazeres.
Na noite em que completaria 80 anos de vida, 8 de agosto, o maestro Armando Prazeres – assassinado após sequestro-relâmpago em 1999 – recebeu homenagem à altura da grandeza de seu legado artístico. Na ribalta do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, a Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), um dos grupos de maior envergadura fundado, em 1972, pelo saudoso maestro, reuniu um coro de anjos, cantores de vozes divinas e músicos inspirados para executar uma composição celestial: o oratório O Messias, HWV 56, de G. F. Haendel.
A escolha não foi aleatória. A belíssima obra barroca foi levada à cena inúmeras vezes por Prazeres com vários grupos corais, entre os quais se destacam o Coral da Uerj e o Madrigal Ars Plena, muitas ocasiões em companhia da própria Orquestra Petrobras – então chamada Orquestra Pró Música do Rio de Janeiro.
O oratório, apresentado na íntegra, foi executado por um grupo de intérpretes de primeira grandeza. A começar pelos instrumentistas: entre os competentes músicos da Opes, alguns que tocaram com Armando Prazeres. Esses e os demais músicos da orquestra poderão dizer que tiveram o privilégio de ser regidos por pai e filho, já que a presente récita foi conduzida por Carlos Prazeres, filho do homenageado e atualmente regente titular da Orquestra Sinfônica da Bahia. A seu lado, como spalla, seu irmão, Felipe Prazeres.
A noite era mística. Mesmo com a quase totalidade dos ingressos esgotados, a casa não estava totalmente cheia (devido a uma manifestação de trabalhadores que se concentrou, às 20h, na Cinelândia). Ainda assim, a audiência reunia muitos fãs de Armando e pessoas que, de alguma forma tiveram suas vidas tocadas por sua influência musical. Somavam-se a essa energia reinante a reverberação das palavras do Evangelho genialmente musicadas por Haendel e elevadas aos céus por vozes angelicais: o Coral dos Canarinhos de Petrópolis e o Coral das Meninas dos Canarinhos de Petrópolis.
Após algumas palavras de agradecimento e homenagens, o ar se enche de música e a magia começa a acontecer. O primeiro solista da noite é o tenor André Vidal. A voz corre solta, o timbre é agradável e o cantor é dotado de leveza nos ornamentos.
O concerto segue com os coros infantojuvenis. Jovens e crianças tímidas, com olhares ariscos e assustadiços. As meninas com seus sapatos boneca e os garotos com seus rostos imberbes. As vozes soam encantadoras. Em algumas peças, como And He shall purify, parece que nenhuma das inúmeras notas da partitura está fora do lugar. Alguns naipes soaram especialmente caprichados, como os baixos e sopranos.
Cantora de timbre único, a mezzo Carolina Faria teve atuação condizente com a excelência de sua voz. Algumas de suas árias, como But who may abide e He was despised, hipnotizaram a plateia com a força da interpretação dramática da artista, que soube valorizar cada palavra e cada silêncio.
O baixo Sávio Sperandio é dono de voz potente e tirou proveito disso em suas participações, fazendo da ária The trumpet shall sound um momento especial, assim como da vigorosa Why do the nations so furiously rage together?.
O soprano tem menor presença no oratório, mas Rosana Lamosa fez bonito em suas intervenções. Sua técnica fez impecável a ária Rejoice greatly, O daughter of Zion. Ao lado de Carolina, o dueto He shall feed His flock soou denso, entregue e apaixonado.
A única ressalva a ser feita aos solistas era o aprisionamento às partituras – advindo, provavelmente, dos escassos ensaios –, o que impedia voos mais altos que o talento certamente permitiria.
Conduzindo o grupo com firmeza, garbo e personalidade, o regente Carlos Prazeres inscreve seu nome como jovem estrela de brilho ímpar no firmamento artístico da música erudita brasileira. Um talento em pleno desabrochar.
Batuta encantada
O famoso coro Aleluia foi momento carregado de eletricidade, no qual era possível sentir a emoção que tomava conta da sala. Coros e orquestra em harmonia, sob o comando preciso do maestro. Aliás, dos dois maestros, já que a presença de Armando era sensível no recinto, tamanha a energia afetuosa emanada em sua homenagem. Eram tantas as pessoas presentes que haviam sido, algum dia, encantadas por sua presença iluminada, sensibilizadas por sua radiante sensibilidade artística, tocadas por seu infindo amor pela música.
Um rápido olhar em volta revelava olhos úmidos e lábios silenciosos a balbuciar as letras das árias e coros do oratório em cena, emitidos pelos inúmeros órfãos dos grupos vocais que já cantaram O Messias com o maestro em tantas récitas pelo estado (como este autor, que se apresentou no naipe dos tenores na Sala Cecília Meirelles em 1998) e foram ao Municipal prestar sua homenagem àquele homem encantado que, feito dono de uma batuta mágica tal qual varinha de condão, espalhou amor à música como se cobrisse o Rio de Janeiro com um pó de pirlimpimpim dourado e indelével que permanece até hoje colado em nossa pele. Graças a Armando Prazeres. Graças a Deus.
Fabiano Gonçalves
Fonte: http://www.movimento.com/
Fotos: Divulgação
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