"OTELLO" DE VERDI APORTA NO THEATRO DA PAZ DE BELÉM. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Estreou a 20 de setembro no Theatro da Paz "Otello",de Verdi,com casa lotada e sucesso !
Verdi se apresentou ao público após 16 anos de silêncio como criador de ópera. "Aída"seria sua última ópera em 1871. Durante esse período refletiu muito sobre sua experiência musical e sobre a evolução que sofreu a ópera. Havia a necessidade de se criar algo novo para que se acompanhasse a evolução dos tempos. A estrutura do libreto agora é contínua, que permite ao maestro romper ao esquema de árias, duetos, recitativos e desenvolver um completo discurso unitário. A proposta era sedutora: um texto de Shakespeare: Otelo, o mouro de Veneza. Para libretista um grande poeta e compositor; Arrigo Boito. Uma figura marcante, na adaptação do texto shakesperiano ao propósito do libreto foi, segundo o sentimento verdiano, o intrigante e perigoso Iago, a tal ponto de Verdi pensar até em torná-lo em papel-título.
A nova ópera, manteve afinal o seu nome estreando a 5 de fevereiro de 1887, com Francesco Tamagno, Romilda Pantaleone e Victo Maurel, arrebatando público e a crítica, no Teatro Scala de Milão. É a mais dramática das produções do compositor. A cena se desenrola nos fins do séc. XV, às margens de um porto da ilha de Chipre, à margem da guerra turco-veneziana.
E quanto à música de Verdi, aqui percebe-se com toda a força e dramaticidade, não apenas no sentido geral de que está repleta de drama e caracterização, mas porque muitas das suas decisões musicais estão governadas por considerações dramáticas. Chegamos à pedra de toque da produção verdiana; a busca contínua pela fluidez do texto musical, trabalho duramente engastado, tem seu resultado final com Otello. Frequentemente é a orquestra que define o caráter do personagem, às vezes muito mais que a própria linha melódica. O encadeamento dos coros é magnífico e original desde a tempestade inicial, no 1º ato atéo final do terceiro ato.
Prova disso confiram-se os registros fonográficos ou de DVD dos eminentes intérpretes Mario Del Monaco, que a representou mais de 350 récitas, inclusive em São Paulo (1950 e 1969), Carlos Guichandut, Jon Vickers, James Mc Cracken, Placido Domingo e Jose Cura. As maiores Desdemonas : Renata Tebaldi, Leonie Rysanek, Gwyneth Jones, Mirella Freni e Dame Kiri Te Kanawa. Tito Gobbi, Giuseppe Taddei, Aldo Protti, Dietrich Fischer-Dieskau, Peter Glossop entre os grandes barítonos (Iago).
A orquestração ganha tratamento diferenciado nesta partitura; e na presente produção que o Theatro da Paz nos oferece o maestro Sílvio Viegas mantém a orquestra firme e competente sob a sua regência. Experiente no campo da ópera, trouxe seu arsenal obtido no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde ele é diretor da orquestra da casa. Conquistou os músicos e deles extraiu uma relação harmoniosa e consonante com as vozes. A orquestra delineou os personagens e, sobretudo no 2º e 3º atos, a música transcende a tudo que Verdi havia criado. Parabéns aqui aos sopros de madeira: flauta I, clarinete I e fagote III que tocaram notavelmente. Os coros de importância capital, tanto na cena I como no "Fuoco di gioia", , de escrita difícil, em contratempo, e nos demais momentos, se impuseram como um conjunto verdadeiramente preparado por Vanildo Monteiro. Muito afinado o coro infanto juvenil Vale Música no 2º ato.
Walter Fraccaro no papel título, o atormentado personagem shakespeareano, um tenor lírico forte, voz bem timbrada e conduzida em boa escola, iniciou em "Esultate "- cena I um- pouco tenso na récita de estréia, todavia consegue descer à mezza voce necessária de certos trechos (duetos e árias) com muito controle de seu material vocal.Como intérprete tanto nos duos com Iago e Desdemona e, principalmente na ária "Dio, mi potevi scagliar", onde profundamente abatido, pois não consegue compreender a traição de sua mulher, lamenta a sorte cruel, em introspectiva e bela dramatização. A cena final "Niun mi tema" de Fraccaro é profundamente tocante no envolvimento do seu personagem. Aplausos Sr. Fraccaro.
Rodrigo Estevess nas vestes do intrigante e perverso Iago, o barítono brasileiro preparou-se e esforçou-se cumprindo a sua missão. Compôs satisfatoriamente a tremenda maldade de seu papel e soube lançar a voz com maestria. Nos grandes trechos "Inaffia l'ugola /Trinca..."; como no Credo e no dueto com Otello "Era la notte...", deu expressiva e notável veêmencia intensificada.
O soprano Gabriella Rossi galgou o palpel de Desdemona. Soprano lírico, a jovem de 29 anos, possui um material rico, mas precisa amadurecer e muito este personagem de Shakespeare tão doce, cândido e inocente. Gabriella lindamente trajada em quatro belas indumentárias, se melhor trabalhada vocal e cenicamente, emoldurando as nuances e sutilezas cênico-musicais, poderá vir a ser a ideal Desdemona a que Verdi propõe, melhorando nos seus agudos, por vezes ásperos, ora inseguros ou mal emitidos ou ainda calantes na afinação. Uma esperança para o canto lírico nacional.
Os figurinos do premiadíssimo Fabio Namatame verossímeis ao enredo da ópera, mostram pesquisa e envolvimento, e particularmente ao duo central, belos os de Desdemona, ideais os de Otello, bem como apropriados os demais personagens. Cenários de Duda Arruk em dobraduras, simples mas funcionais, resolvem bem as cenas; utilizou-se o preto, prateado, e inicialmete com o pano de boca preto, para dar o clima trágico do enredo. Efeitos espelhados inteligentes e lindo o prisma do ato III..
A direção cênica de Mauro Wrona é competente, fiel ao drama e costumes, soube direcionar muito bem a movimentação de massas corais, bem como os duetos do trio central e a cena da entrada do embaixador veneziano, juntamente com o coral lírico, os trompetes respondendo nos camarotes superiores, resultou impressionante. Bela cena ! Aqui Savio Sperandio realizou-se corretamente, ricamente trajado, imponente e garboso como Lodovico (baixo cantante). Uma voz que pode fazer carreira internacional ! Completaram o elenco Ana Victoria Pitts, uma boa voz de mezzo soprano (Emilia, a governanta de Desdemona); os tenoresAntonio Wilson Azevedo (lírico leggero) um Cassio desenvolto; e Andrew Lima, muito bem como Rodrigo; o baritono Andrey Mira como o ex-governador Montano e Jefferson Luz (um arauto), a contento. A iluminação de Wagner Antonio funcionou muito bem.
Vale assinalar que os cenários e figurinos foram aqui confeccionados, como propriedade da produção local (Theatro da Paz) o que possibilitou a abertura de mão-de-obra no mercado da arte e a conquista de patrimônio artístico (acervo do teatro) para a reposição integral desta bela ópera em anos posteriores. Assim esperamos e que venham outras óperas de Verdi, Massenet, Puccini, Rossini, Wagner e Mozart entre outros, incluindo-se o nosso grande Carlos Gomes, o mestre de Campinas/SP. Encerro parabenizando o Sr. Gilberto Chaves, Coordenador Geral do Festival de Opera deste teatro e que assina também a direção artística do mesmo, pela ótima realização deste XIII Festival.
Marco Antônio Seta viajou a Belém a convite da direção do Festival de Opera / Theatro da Paz.
Escrito por Marco Antônio Seta em 22 de setembro de 2014.
Inscrito Jornalista nº 61.909 MTB / SP
Uma crítica verídica e que dá credibilidade sempre que a lemos.
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