OTELLO, O MOURO DE BELÉM. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
O Festival de Ópera do Theatro da Paz de Belém do Pará está em sua décima terceira edição e no auge da maturidade. Afirmo isso devido à apresentação de dois títulos de peso da ópera mundial, tivemos Mefistofele de Arrigo Boito em Agosto e no mês de Setembro a ópera Otello de Verdi. Apresentar dois títulos desse porte é prova incontestável que Belém do Pará está no circuito das grandes produções de óperas do Brasil. O festival ainda apresentou Um Americano em Paris e Blue Monday de George Gershwin e diversos recitais e concertos pela cidade.
Ópera da fase da maturidade de Verdi com um dos melhores libretos de toda a história, Arrigo Boito transmitiu toda a complexidade da obra de Shakespeare em versos emblemáticos. A música de Verdi une todos os sentimentos dos personagens fazendo de Otello uma das maiores composições operísticas de todos os tempos. Otello é a melhor transposição de um texto teatral para libreto de ópera, um casamento perfeito entre música e versos.
Mauro Wrona faz das dificuldades da montagem uma motivação. Acerta nas cenas impactantes, nas movimentações do coro e dos solistas e nas sutilezas dos personagens. Direção correta que opta pelo contar dos fatos de modo linear onde expressões e movimentos são interligados as falas mostrando os interesses de cada personagem. Os cenários simples e geométricos de Duda Aruk unidos a excelentes e representativos figurinos de época de Fabio Namatame dialogam com as ideias da direção com harmonia. O auge é a cena final do terceiro ato, um primor de interpretação de Otello e Iago.
Interpretar Iago é uma complexidade tremenda, o papel exige um barítono com voz densa e atuação cênica sutil. Rodrigo Esteves esteve a altura do personagem, conseguiu imprimir todas as facetas dele em gestos e expressões que mostram seu lado manipulador. Sua voz mostrou graves portentosos, cheios e uniformes, tudo isso para fazer um Credo expressivo, forte e vibrante. Cantou e atuou com maestria em todas as passagens e fez um Iago inesquecível, daqueles que temos vontade de socar-lhe a cara após a récita por ter feito tanta maldade a um casal apaixonado.
Gabriela Rossi é jovem soprano com voz lírica e de timbre de grande beleza que não tem a densidade e o peso necessário para a personagem Desdemona. O soprano compensou isso com uma técnica apurada onde agudos brilhantes ecoam pelo teatro com lirismo e expressividade. Mostrou uma Desdemona inocente e apaixonada onde seu ápice foi o dueto com Otello no fim do primeiro ato. Atuação cênica digna de uma Desdemona apta a se apresentar em qualquer teatro pelo mundo afora. Gabriela Rossi é jovem promessa do canto lírico nacional que teve a coragem de encarar um papel complexo e se deu bem, sua coragem a levará a outras personagens e a novos desafios. Voz e talento a moça tem de sobra.
Otello já foi cantado por grandes tenores desde sua estreia, enumerar aqui os feras do passado é uma chatice daquelas, existem centenas de registros em CD e DVD dessa ópera. Vale ressaltar que suas dificuldades começam na forma do canto. Otello em muitas passagens segue a declamação do teatro falado com naturalidade, fato esse que culminaria posteriormente no verismo. Exige do protagonista voz com registro médio sólido e toda uma gama de colorido vocal. Atuação cênica sutil e viril conforme o momento da ação .
Walter Fraccaro não tem todos esses atributos, sua voz não tem o peso e volume necessários e seus médios são uniformes e de pouco colorido. Superou as dificuldades do personagem com atuação cênica primorosa que capta as sutilezas e detalhes. Destacou-se no quarto ato com um timbre lírico-spinto de boa técnica. Emprestou dignidade ao personagem vocal e cenicamente.
A Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz regida por Sílvio Viegas apresentou sonoridade verdiana que respeita a partitura e mostra a música com clareza. Segurou os andamentos para socorrer a solistas cansados e em nenhum momento os encobriu. Maestro que entende e respeita a ópera sabe que música e canto andam juntos sem a supremacia de nenhum. Sílvio Viegas fez a orquestra tocar com empolgação e mostrou total domínio da partitura.
Dedicação, essa é a palavra que define o Coral Lírico do XIII Festival de Ópera do Theatro da Paz. Os coristas mostraram uma dedicação hercúlea no trabalho de preparação para a ópera e se apresentaram com excelência vocal obedecendo aos comandos do regente. Excelente o trabalho de Vanildo Monteiro que conseguiu equilibrar todas as vozes e de Elisety Rego que a frente do Coral Infanto-Juvenil Vale Música conseguiu também um excelente resultado.
O público sedento por cultura atende ao chamado e lota o teatro em todos os eventos do festival. Essa resposta é a maior prova de acerto de sua realização, o Theatro da Paz faz parte da história da cidade de Belém e sua utilização em apresentações de óperas e concertos só engrandece o povo paraense. Que venham mais festivais .
Ali Hassan Ayache viajou a Belém a convite da direção do XIII Festival de Ópera do Theatro da Paz .
Comentário de Gyorgy Miklos Bohm no movimento.com
ResponderExcluirPrezado Ayache, muito boa sua crítica. Realmente o coral de Belém merece todos os elogios. Estive nas 3 récitas e a melhor foi a segunda. Gostei do que você escreveu sobre a Rossi: bela voz e agudos satisfatórios para o papel e a acústica do teatro. Só tomo a liberdade de discordar que o papel de Desdemona necessita de mais “peso e densidade”. Na minha opinião, sopranos líricos e spintos podem cantar o papel da jovem esposa de Otello. Tomo a liberdade de lembrar que Melba foi uma das mais famosas Desdemonas e esta diva foi soprano lírico-ligeiro.