A BATUTA : UM INSTRUMENTO NA MÃO DO MAESTRO. ARTIGO DE ELTON PAULO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


“Tirar a batuta de um maestro é tão fácil quanto difícil é reger com ela a quinta sinfonia de Beethoven.” ―Antonio Machado
Desde a idade média os maestros, ou líderes de grupo, utilizavam algum marcador de compasso para facilitar a condução da música, fosse um bastão batendo no chão ou numa mesa. Logo, os condutores perceberam que aquele som da madeira atrapalhava na sonoridade desejada, então, o bastão aos poucos vai mudando sua forma e torna-se “aéreo” e tornando-se um rolo de papel que os maestros faziam às vezes até com um rascunho de partitura e mais tarde sendo substituída por uma vara de madeira ou de marfim.
Ludwig Spohr foi considerado um dos precursores da batuta moderna por volta de 1820. Deste período em diante a batuta deixou de ser unicamente um instrumento que demonstrava autoridade e poder e passou a ser um complemento importantíssimo da execução orquestral, pois permitia que os músicos pudessem interagir com mais clareza com o maestro. Sylvio Lago, autor de “A Arte da Regência”, tece comentários e cita Stefan Zweig sobre o uso da batuta: “Mas o aspecto mais considerado é o que se complementa à batuta, que é, como vimos, uma ferramenta de expressão técnica e de pulsação interior do maestro. Referimo-nos, precisamente, ao significado de autoridade do maestro e das exigências para que este realize uma das expressões artísticas mais elevadas, a regência, ‘essa luta pelo máximo do máximo’. 
Elizabeth Bernard, em um estudo sobre maestros, também citado em “A Arte da Regência”, afirma: “…os usos da batuta e da memória, conquanto importantes, constituem falsos problemas do mundo da regência. Já vimos que, do ponto de vista técnico, ela é um instrumento eficaz de comunicação rítmica e expressiva, tanto quanto são os olhos, as mãos, o rosto, a plasticidade do corpo e a cabeça, nos momentos requeridos de expressão e nuances mais sutis. Com esse instrumento que não faz soar nenhuma nota, o maestro transmite aos músicos a marcação do tempo e a interpretação expressiva, de forma clara, compreensível e viva, objetivando”:
  • a precisão rítmica exigida;
  • as entradas para os diversos instrumentos;
  • a expressão das emoções, como a energia, a suavidade, o calor da interpretação, o ‘pathos’ emocional da obra;
  • as cadências suspensivas e conclusivas;
  • as fermatas;
  • os ataques e toda intervenção que vise a mobilidade orquestral.
Deste modo, com a mão direita, a mão que normalmente segura-se a batuta, o maestro determina o fraseado, o tempo, a tensão, os ataques, as subdivisões, as pausas, o fluxo da música, e as grandes linhas da execução orquestral. A mão esquerda tem um papel um pouco mais emocional, pois ela exprime nuances, fraseados, coloridos, as entradas consideradas mais importantes, o equilíbrio dos tons, os contrastes e o espírito da composição como um todo. 
Oscar Thompson, enciclopedista americano de música e citado por Sylvio Lago, afirma: “‘a direita qualifica o artesão e a esquerda o artista’. Em outras palavras, Charles Munch diz ‘que o braço direito é o da razão e o esquerdo, do coração’. ‘E ocorre’, diz Munch, que ‘o coração não deve ter razões que a razão não possa conhecer’. Assim é que tal função guarda estreita lógica com a lógica da neurociência: o hemisfério esquerdo do cérebro comandando a mão direita, com o pensamento racional, lógico, matemático e o hemisfério direito, que comanda a mão esquerda, sendo do pensamento criativo, musical, sensível, intuitivo e holístico”, conclui Lago.
A regência exige esta combinação de pensamentos e movimentos. O maestro deve entender que os sinais que ele realiza precisam ter total significância para seus músicos. É inútil efetuar gesticulações exageradas e a orquestra continuar sem responder a tais movimentos. Para o regente, é indispensável a clareza e não é exagero afirmar que o maestro precisa ter conhecimento completo daquilo que está fazendo, pois o que faz “é uma arte que constitui o mais alto grau de conhecimento e refinamento de uma cultura ou de uma civilização: a arte da regência”, lembra Sylvio Lago.
Através de Sylvio Lago, vou fazer uma série de citações que elucidam o que está sendo abordado. Emitálico são palavras de Lago e as dos citados estarão entre aspas:
É significativo o que observa Charles Munch ao dizer que, “a batuta não é indispensável, mas serve para tornar mais visíveis e claros os movimentos do regente, devendo integrar-se a ele como se fosse um só corpo”.
O interesse, o valor e a importância da batuta, são também sintetizados pelo mestre Carl Schuricht: “Com ou sem a batuta – that is the question (eis a questão). Pessoalmente, não gosto de dirigir com as mãos, salvo quando se trata de pequenas formações. Com a grande orquestra deve-se reger com a batuta, pois se terá mais precisão e economia de gestos”.
Para o teórico francês Fred Goldbeck, a batuta é “o símbolo da disciplina e do compasso, tornando-se pelas virtudes da mão que a tem, um instrumento a serviço do ritmo”. Um dos argumentos principais que se conhece para o uso da batuta, é o do mestre Ernest Ansermet, que situa a sua função na seguinte perspectiva: “Para que se avalie a razão de ser da batuta, é preciso que se tenha em conta que são os músicos que fazem o ritmo e não o regente. Que faz o regente? Ele indica com um gesto de braço o tempo sobre o qual se modelam os ritmos. (…) Quando se trata de dirigir um coro ‘a capella’, a mão é suficiente; isto porque a música coral não tem as mesmas exigências, nem a mesma complexidade rítmica do que a música orquestral. (…) É bem verdade que se pode dirigir a orquestra com a mão; mas a batuta tem a vantagem de obrigar o regente a marcar o tempo do movimento e a diferenciar as funções dos dois braços. Sem a batuta, o regente é inclinado a desenhar com suas mãos o ritmo da música ou então, pura e simplesmente, a marcar o tempo, o que não é suficiente”.
Lorenzo Arruga, musicólogo italiano, deixa patente que “é provável que a utilidade da batuta provenha da complexidade da partitura, da amplitude da orquestra e de suas articulações internas, que recomendam, assim, a marcação do tempo com a mão direita, isto é, com a batuta”. Para Arruga, “a batuta é o único objeto que o regente leva para o pódio e, portanto, a metonímia se aplica por extensão a todos os músicos”. Por outro lado, “a mão esquerda exprime o colorido, o fraseado e as indicações do tipo expressivo”. 
Como foi possível observar, surge a discussão da necessidade ou não de utilizar a batuta. Bem, indiferente, particularmente penso que a batuta é a extensão do maestro e de suma importância para a visualização dos instrumentistas, sem falar na elegância que a batuta proporciona aos movimentos do maestro. Os coralistas tem mais facilidade para visualizar o regente do que os instrumentistas, e também pela menor variedade de alterações na partitura, torna-se desnecessário o uso da batuta, porém, o russo Vassily Safonov, quando estava à frente da Orquestra Filarmônica deNova Iorque entre 1906 e 1909, ainda nos tempos que a música clássica era preferência nacional nos EUA, Safanov causou escândalo entre os críticos ao reger a orquestra sem utilizar a batuta, inclusive sendo considerado o primeiro maestro profissional a realizar tal ato. Posteriormente seu exemplo foi seguido por outros maestros e, talvez buscando apenas os holofotes, abandonaram a batuta, como foi o caso de Leopoldo Stokovski (1882-1977).
Apesar disso, Pierre Boulez, sempre dirigiu a orquestra somente com as mãos sem perder o seu brilhantismo, pois afirma que “quando o gesto é inteiramente preciso, não existe necessidade do prolongamento ótico”, e ainda conclui que não utilizava a batuta “porque me enrijece as mãos e também porque me agrada dirigir com as mãos, de preferência abertas”. 
Outros casos como o do maestro belga André Cluytens também surpreenderam a crítica, pois ele regia parcialmente, nos movimentos lentos com as mãos e nos movimentos vivos retomava a batuta imediatamente.
Sylvio Lago cita os comentários da biógrafa do grande maestro Leonard Bernstein, Joan Peyser, que conta em um de seus livros que somente em 1957 “o maestro voltou a usar a batuta, dezessete anos depois de ter chocado Fritz Reiner e Koussevtzky, ao passar a reger somente com a mão. A partir daí, Bernstein descobriu que a pequena vareta era o instrumento economizador de energia”.
Para concluir, é impossível não remeter novamente às citações de Lago, que coincidentemente encerra sua também abordagem sobre o uso da batuta da seguinte maneira: “Não obstante a puerilidade de algumas explicações psicanalíticas sobre a simbologia do poder, do pai severo, da virilidade da batuta, ou das relações edipianas do maestro com a orquestra, até mesmo nas respeitáveis análises de Theodor Adorno, esta singela vareta não é, também, como afirma Goldbeck, ‘nem centro, nem chicote, ela lembra a varinha do feiticeiro e do pesquisador’. A batuta é ‘uma ferramenta de comodidade’, diz Elisabeth Bernard, musicóloga francesa, que a considera juntamente com a outra mão, o símbolo visível mais forte para a execução da música, não só para os instrumentistas como para o público. 
Referências:
Lago, Sylvio, A Arte da Regência, 2008, Algol, São Paulo-SP
Bernard, Elisabeth, Le Chef d’Orchestre, Edition la Découverte, Paris, 1989
Boulez, Pierre, Conversations sur la Direction d’Orchestre, Calman Levy, Paris, 1989.
Elton Paulo
Fonte: http://www.musicamaestro.mus.br/site/

Comentários

  1. mArcelor lopese pereira10 de outubro de 2014 às 11:22

    Belíssimo artigo, obrigado!

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  2. Por que em Missas o maestro Karajan não usava batuta assim como em sinfonias, concertos e apresentações em geral? É algo particular dele ou é algum rito relacionado à peça?

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    1. É algo particular. Tem regentes que quando trabalham com vozes não usam batuta, mas é uma decisão pessoal apenas.

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  3. Belíssimo artigo que muitos dos nossos regentes deviam ler e que faz lem brar aquele critico musical que tentou depreciar o génio de Wagner dizendo-lhe em público: - O senhor não toca qualquer instrumento, ao Vagner respondeu de imediato: - o senhor engana-se - "eu toco BATUTA".

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