O ENCANTAMENTO DAS INTERPRETAÇÕES DA PIANISTA CRISTINA ORTIZ. ARTIGO DE PATRÍCIA LUCIANE DE CARVALHO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

       
    

        Para quem gosta de música de câmara, os meses de Novembro e Dezembro/2014 foram agraciados com o Festival SESC de Música de Câmara, que contou com a participação de diversos solistas e grupos nacionais e internacionais, os quais se apresentaram na cidade de São Paulo, interior e litoral do estado paulista.
            Presença de destaque na programação foi a pianista Cristina Ortiz, com apresentações em São Paulo, Santo André, Santos e São Carlos. Além de estar presente na programação do SESC, Cristina ofereceu master classes e entrevista na Sociedade Brasileira de Eubiose e realizou um recital privativo. Assim, para quem ama música interpretada com emoção, energia e respeito à partitura, a pianista Cristina suscita enorme interesse e motivação, não sendo demais participar do maior número de suas apresentações em São Paulo, ainda que, pontualmente, o programa se repita, mesmo porque as suas interpretações são sempre surpreendentes.
            A programação oficial executada por Cristina compreendeu, dentre outros, os 24 Prelúdios em todas as tonalidades maiores e menores op. 102 de York Browen, Improvisos op. 90 de Franz Schubert, Sonata para Piano n. 3 em Fá menor op. 5 de Johannes Brahms, Variações Sérias op. 54 de Felix Mendelssohn, 2 Intermezzi de Johannes Brahms, 4 estudos op. 24 de Fréderic Chopin, La Maja y el Ruiseñor de Enrique Granados, Alborada del Gracioso de Maurice Ravel, Reflets dans L´Eau de Claude Debussy, A Lenda do Caboclo de Heitor Villa-Lobos, Serenata Espanhola e Corta-Jaca de Frutuoso Vianna e Quatro Estudos opus 25, Balada n.º 3 e Sherzo n.º 2 de Frédéric Chopin.
            Evidencia-se da programação, que Cristina, diferentemente de outros músicos, mantém em seu repertório o já esperado acervo tradicional, todavia, acrescenta obras novas, muitas vezes inaugurando a interpretação de determinado compositor. É o que acontece com os 24 Prelúdios de York Browen, eis que praticamente desconhecido no Brasil. Preocupa-se, como o fez em sua estadia em São Paulo, com a divulgação de novos trabalhos, ainda que, como Browen, nascido em 1884.  
Estas foram as obras oficiais, porém, não podem ser ignorados os “bis” oferecidos, muitos. E sempre possibilitando ao público que escolhessem as obras. Sobre este aspecto, interessante observar o zelo de Cristina com as obras nacionais; por exemplo, na apresentação em São Paulo, quando da abertura do Festival, diante dos pedidos de obras internacionais, defendeu a execução de um “bis” nacional, e a obra escolhida foi a Prece de Nepomuceno.   
As interpretações de Cristina são regadas de emoção. Quando a pianista ofereceu, novamente, a obra Prece como “bis”, perante o SESC de São Carlos, ela própria foi às lágrimas. Por isto mesmo que, ainda que se assista ao mesmo programa, a satisfação, tendo Cristina como intérprete, é sempre diferenciada entre um e outro concerto. Diante de suas performances, impossível indicar qual teve maior destaque, eis que em todos os concertos as suas interpretações surpreenderam e emocionaram.
Durante as apresentações o público se mostrou tão apegado à pessoa de Cristina que durante a entrevista na Eubiose, que acabou se convertendo também em apresentação, Cristina propôs que um músico subisse ao palco para tocar a quatro mãos, todavia, o público insistiu que ela tocasse sozinha!      A sinergia de Cristina com o piano é algo que não se passa desapercebido, pois a pianista se comporta como que se conversasse com o instrumento, o qual, para ela, funciona como uma orquestra, é completo, oferecendo possibilidades ilimitadas. Aliás, em várias apresentações, mais informais, Cristina tocou conversando com o público, tecendo comentários sobre o programa interpretado.
            A artista, que prima pela proximidade com o público, manteve-se próxima dos ouvintes, demonstrando sempre muita gentileza. Tanto é que no SESC de Santo André, ao final, para os que foram cumprimenta-la, presenteou-os voltando ao palco acompanhada dos ouvintes, que ficaram ao lado do piano. O som, agora percebido diretamente do palco, era outro, muito melhor, aberto. O entusiasmo desses poucos privilegiados foi enorme, o que não mudou foi o entusiasmo de Cristina, que a todo momento cantarolava e comentava sobre o trabalho de York Browen, demonstrando seu absoluto comprometimento com a arte que representa.
            Por sua vez, no Recital em ambiente privativo, a proximidade, energia e o comprometimento com o ensino musical evidenciaram-se ainda mais. Naquela tarde, que estendeu-se até a noite, quando questionada sobre o uso que ela oferece aos pedais, especialmente ao tonal, passou a demonstrar a diferença, destacando sempre para o ouvinte com o alarde “olha o pedal”. Não apenas se apresentou, mas demonstrou as diferenças e sutilezas. Extremamente atenciosa.
            E a expressão corporal de Cristina? Os ouvintes conseguem, através de sua movimentação e gesticulação, visualizar o fraseado da composição. Cristina esclareceu, aos presentes no recital particular, que um músico não precisa contar para iniciar a execução de sua participação em um conjunto orquestral, precisa, sim, respirar junto com os demais instrumentistas, sentir a música. Este modo de execução a pianista tem aplicado quando atua como regente das formações das quais participa. Trabalho, efetivamente, em grupo, voltado à fiel interpretação da obra, distante da exclusiva satisfação de egos, da execução mecanicista.
            É por tudo isto que é fácil concluir que Cristina Ortiz é daquelas pianistas que faz com que o costume de se ouvir e não, necessariamente, visualizar a execução da obra ao piano, merece ser revisto. Isto porque, deixar de observar as reações de Cristina, por meio de sua fisionomia, gesticulação, expressão corporal, abordagem das mãos sob o teclado e, principalmente, o uso dos pedais, é deixar de apreciar sua forma diferenciada de comunicação e interpretação.

            Um viva à música de Cristina Ortiz!

Patrícia Luciane de Carvalho.

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