ORIENTALISMO LÍRICO. CRÍTICA DA ÓPERA MADAMA BUTTERFLY DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



O Orientalismo marcou indelevelmente as artes e a literatura no século XIX, através de tendências estéticas como o romantismo, o simbolismo, o impressionismo, especialmente na música e nas artes plásticas. Com o apogeu do colonialismo europeu, muitos viajantes entre eles escritores e artistas, no retorno , se tornaram arautos do tributo aos costumes e à cultura dos países asiáticos e do extremo oriente.
De Delacroix a Gauguin, de Lord Byron a Flaubert, de Scriabin a Debussy, foram muitos os pintores, escritores e músicos que tiveram influência do colorido e exótico signo criativo daqueles ,então muito longínquos, recantos no outro lado do mundo. E, também, o compositor Giacomo Puccini não escapou deste reflexo arrebatador em óperas como Madame Butterfly e Turandot.
Quando ,em 1904, fez no Scala a première da Madame Butterfly, por sua vez inspirada numa peça do norte americano David Belasco, causou estranheza com o inovador desenho musical , lento ,pausado , com longos silêncios, no enfoque cênico das tradições japonesas. Mas foi seguido de êxito invulgar, após alguns ajustes temáticos e na concepção da partitura.
O seu libreto , bastante diferenciado da rede de intrigas ,traições e mortes comuns à criação operística na época, tinha uma narrativa objetiva, clara e despojada, em torno de poucos personagens, com um protagonismo absoluto do papel título. E já nos primeiros acordes , o prelúdio funcionava quase como um leimotiv, à base de temas de influência japonesa, ora com harpas ora com gonzos, na exacerbada cena de suicídio da heroína .
A história de uma gueixa de 15 anos com seu casamento , quase de brincadeira, com um oficial americano que parte pouco depois, deixando-a numa ilusória e infinita espera, tem um trágico epílogo , como o das “borboletas espetadas pelos homens ocidentais em pranchas de madeira”, a que se refere Butterfly ,no dueto de amor com Pinkerton, ao final do primeiro ato.
Com afinada condução musical de Isaac Karabtchevsky, alcançando as sutilezas musicais de uma partitura rica pelas modulações climáticas, a montagem teve também seu ponto alto numa acertada escolha dos cantores e uma elegante interpretação do coro ,nos ecos distantes vindos do porto com “ bocca chiusa”.
Um encontro de vozes em perfeita sintonia, com emotiva atuação do tenor Fernando Portari( Pinkerton)já no longo dueto do 1º ato( Vieni la Sera), num quase duelo vocal diante do expressivo alcance dos agudos da soprano Hiromi Omura .
Daí em diante ,a japonesa foi a estrela absoluta da performance, tanto pela bela voz como pela magnitude do desempenho cênico, da extasiante ária (Um bel di vedremo)ao clímax no desesperado lamento final( morrer com honra para não viver na desonra).
Há que se destacar também o rico timbre do barítono paulista Rodolfo Giugliani ( como o cônsul Sharpless),bem marcante nos duetos com Pinkerton ( 1º e 3º Atos) e o trio com Butterfly e Suzuki ( mezzo-soprano Denise de Freitas) no despontar do ato II, sem dúvida alguma, um indiscutível talento no panorama do canto lírico brasileiro.
E na parte técnica, os figurinos (Cica Modesto) com seus tons pastéis quase sépia, foram mais eficientes que o cenário pouco sugestivo e esmaecido ,com uma casa de teatro infantil para as dimensões do palco ( Renato Theobaldo), funcionando bem apenas com as habituais projeções .
Carla Camurati mostrou criatividade , empenho e dinamismo no comando cênico ,especialmente na sequencia dos atos finais, com o simbólico voo de borboletas em forma de origamis , numa sutil e sensível referencia aos desenhos de mundos flutuantes das gravuras orientalistas japonesas e que tanto influenciaram Gauguin e Van Gogh.
Wagner Correa de Araujo

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