"TOSCA" LEVA VAIAS NO MUNICIPAL NO DIA DE ESTREIA. CRÍTICA DE MARCO ANTÔINIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

A ópera Tosca foi estreada no Teatro Costanzi, em Roma, nascendo com o século XX, a 14 de janeiro de 1900.

   A peça é,  até hoje, uma das mais queridas e populares do repertório lírico. A despeito da popularidade mundial da ópera, há um número bastante grande de pessoas, que não compreende inteiramente todas as minúcias da ação. Deve-se isto provavelmente a que alguns dos mais importantes  destes pormenores são revelados, não nos grandes  momentos líricos, mas em certos episódios falados, cujas palavras nem sempre chegam claramente aos ouvidos do público.
   O Theatro Municipal de São Paulo a inscreveu entre as mais queridas de seu público, que a decretou a perpetuar ao longo do século XX. Grandes foram as suas intérpretes: Gilda Dalla Rizza, 1917;  Claudia Muzzio, 1928 e1933; Zinka Milanov, 1946; Norina Grecco, 1951;  Antonietta Stella, 1955;  Ida Miccolis, 1964 e 1967; Elena Suliotis, 1970;  Gianna Galli, 1973 e Mabel Veleris,1982 e 1983.
   O Municipal do Rio de Janeiro apresentou-a com Elisabetta Barbato;  com as legendárias Maria Callas e Renata Tebaldi, que em 1951 disputaram a melhor performance; a célebre Magda Olivero, 1964;  Ida Miccolis por várias temporadas, Grace Bumbry e, por último, Sondra Radvanovsky, em 2011. E, por isso, o público conhece a partitura desde os três acordes iniciais, que identificam o chefe da polícia romana (Scarpia) até os acordes derradeiros do suicídio de Tosca.

   A “Tosca”, que ora encerra a temporada lírica de 2014 e lotou todas as récitas no Theatro Municipal com estreia a 29 de novembro, decepcionou o público pela transposição de época, cenários e figurinos.

   Marcelo Gandini optou por deslocar a história de junho de 1800 para a década de 1970. Ambientou-a para uma igreja dessa época, a qual mais se parece com um tétrico velório, descaracterizando o espaço cênico. Somaram-se a isso figurinos inadequados, feios, e de péssimo rumo, deixando-se de lado toda a beleza e o encanto do enredo e da magia desta obra teatral. Embolou a cena do Te Deum, onde injetou a distribuição da eucaristia, sem sentido naquele momento litúrgico;  fez a cantora Floria se arriscar a escalar uma escada até seus últimos degraus; introduziu um relógio marcando 8h2min. parado durante todo o 2º ato e outras mais de mal gosto.
Dos três cenários de Italo Grassi, os do 1º e 2º atos são medonhos e inadequados: a Igreja de Sant’Andrea parece uma sala de velório e o salão do belíssimo Palácio Farnese, se transformou em um escritório de advogado periférico; aceitável o do terceiro ato. Os figurinos de Simona Morresi não agradaram aos fiéis e conhecedores, amantes da arte lírica. Nenhum desses figurinos merece menções de elogios. Débil a iluminação de Virgínio Levrio.

   A Orquestra Sinfônica Municipal deu uma escorregada feia nas trompas, lá no início do ato III, na bela madrugada romana, de cunho impressionista à moda debussiniana, descritiva em pentacordes poéticos e pitorescos. Saíram-se bem nos solos de violoncelo e solo introdutório de clarinete a “E lucevan le stelle”. A regência deOleg Caetani, o maestro suíço reproduziu a ópera com autoridade, dando segurança aos músicos da nossa orquestra.
   O Coro Lírico Municipal assume no Te Deum o momento climático de impressionante grandiosidade polifônica, antológica página do teatro lírico internacional, mas diga-se de passagem, sobre a omissão do uso do grande órgão Tamburini do Municipal, preterido por um teclado portátil e de qualidade muito ruim.
Aliás, esta ocorrência vem se repetindo uma após outra; na Cavalleria Rusticana, também foi omitido  da mesma forma. Saudosos tempos em que o Tamburini engrandecia a execução de óperas como Tosca, Turandot, Fosca, Suor Angelica, Il Trovatore e La Forza del Destino entre tantas. Aí virão Thaís, Lohengrin… Repetirão a mutilação ?
   O tenor argentino Marcelo Alvarez foi o maior destaque desta montagem. A maleabilidade e controle, a impostação, a técnica vocal, os legatos e a musicalidade apresentadas, lançaram um Cavaradossi de muito bom nível. A romança “Recondita armonia” inspirou absoluta confiança ao numeroso auditório. Condições vocais, que o favoreceram na emissão do célebre grito de “Vittoria”, e “E lucevan le stelle” lhe outorgaram os melhores aplausos da noite de estreia.
   O soprano lírico Ainhoa Arteta, como Tosca, decepcionou a plateia ao entrar de calça comprida, tirando-lhe a originalidade de época. De presença cênica satisfatória, possui o “physique du rôle”. Voz de registro lírico, sendo que o papel requer um soprano dramático: ela não possui os graves para o papel e, principalmente, para trechos como o esperado (E avanti a lui tremava tutta Roma); a frase alusiva ao cruel Scarpia. Faltaram-lhe graves durante toda a ópera e de sua ária “Vissi d’arte”, beneficiou-se de uma boa versão, por ser mais lírica a sua construção musical, fazendo assim com que o público lhe tributasse fartos aplausos. Ao belo dueto “O dolci mani” no ato III, com efeitos já expressionistas, Arteta apresentava fadiga vocal, não realizando os “filamentos” de grandes divas, e que embelezam estas lindas páginas da partitura do mestre Giacomo Puccini (1858-1924).
   O sádico, prepotente, sanguinário, impudico e inquisitorial Barão Scarpia realizou-se bem na interpretação de Roberto Frontali, porém faltou volume no grandioso Te Deum, o seu momento maior.
Muito preso ao regente, como que apavorado, foi Cesare Angelotti. O pequeno papel do “Consolle della spenta republica romana” esteve a cargo da interpretação do baixo cantante Massimiliano Catellani. Saulo Javan nos deu um Sacristão, cuja figura característica pareceu caricata. Luca Casalin, tenor leggero italiano, um Spoletta discreto, correto e musical. Guilherme Rosa foi um Sciarrone a contento. Sergio Righini, o carcereiro e Marivone Caetano (a voz do zagal) satisfatórios. O Coral da Gente, numeroso e afinado,  é preparado por Silmara Drezza.

Escrito por Marco Antônio Seta, em 03 de dezembro de 2014.
Inscrito Jornalista sob nº 61.909 MTB / SP

Fotos de Desirée Furoni no ensaio geral.

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