O CASTELO INFELIZ. ARTIGO DE VIVIANE CARNIZELO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
A infelicidade é capaz de mover montanhas. Muitos de nós nos
acostumamos a afastá-la do dia-a-dia ou das ideias, mas deveríamos, na verdade,
fazer as pazes com ela. Tomar consciência da própria infelicidade é um
movimento doloroso. Buscar pela transformação, também. Mas a experiência da
infelicidade é propulsora de algo ainda mais incômodo e necessário: a crítica.
A conscientização de que as coisas não caminham para a
direção correta é o primeiro passo para a mudança. Enquanto, novamente, somos
levados a pensar que a mudança sempre está no outro, vamos pensar, por um
momento, a mudança de nós mesmos, a única capaz de derrubar os castelos que
ajudamos a construir. Um exemplo sempre ajuda, apesar de atrapalhar a
imaginação...
Vamos pensar em um castelo de cartas. A metáfora é
especialmente interessante porque todas as construções da vida podem
corresponder a ela, afinal, não há mal que sempre perdure ou bem que nunca se
acabe, isto é, o destino de um castelo de cartas é sempre a queda. Mas vamos
imaginar, então, um complexo castelo de cartas, com torres, corredores e
grandes alas, além de uma torre central, mais alta que as outras. Por estar no
centro, em um ponto estratégico, ela é também o lugar mais privilegiado da
construção e, por isso, de difícil acesso. Digamos que, tentar bombardear a
torre diretamente seja algo muito pouco proveitoso, afinal ela se apoia em todas
as outras cartas. A única coisa que se consegue com isso, é abalar a imagem da
torre, que fica com a aparência decaída, mas não cai.
Seguindo o raciocínio da crítica para a mudança do castelo
de cartas, vamos então pensar em outra estratégia. Como atacar diretamente a
torre é algo que não funciona, a transformação só pode ser dada de uma única
maneira: se cada carta se conscientizar de seu papel na estrutura e se permitir
a queda para, então, derrubar a torre. A queda de cada carta e da torre é
também a queda do castelo. O amontoado de cartas, porém, tem agora a sua mais
difícil missão: construir um castelo completamente diferente do anterior.
Por que esta é a parte mais difícil? Porque todos os
castelos têm torres. Se as cartas que os formam não estiverem conscientes de
seus papéis individuais na mudança, uma nova torre vai ser construída de
maneira muito parecida com a anterior e de nada terá adiantado toda a poeira da
demolição.
O que é preciso, então, antes de qualquer tomada de decisão,
é que cada carta avalie sinceramente qual o seu papel na construção de uma
estrutura que está cambaleando. Juntamente com o senso crítico, é preciso
também a autocrítica, pois se todas as cartas se transformarem para melhor,
toda a estrutura melhora. Afinal de contas, não há torre com poder suficiente
para derrubar uma grande estrutura, bem como não há torre que consiga se
exercer da melhor maneira sem as cartas de base. O processo de transformação
parte do individual e da consciência de que, em uma estrutura que balança,
todos são responsáveis. Inclusive a torre.
A infelicidade é, então, o primeiro passo de um longo e
delicado processo de demolição que começa na esfera do si mesmo. Derrubar a
torre, apenas, não resolve a questão, porque torres são sempre muito
semelhantes. É preciso derrubar tudo, inclusive a ilusão de que o que está
errado é somente o outro. A transformação deve incluir todas as cartas, as de
base e a torre, sem exceção. E apesar de ser um processo difícil, nem sempre é
preciso que as cartas sejam substituídas, apenas que elas se conscientizem
sinceramente de seus papéis na estrutura cambaleante e se comprometam com a completa
transformação, o que é muito mais dramático do que uma mera substituição. Se todos estiverem realmente engajados na construção de um
castelo firme e belo, o objetivo pode ser alcançado.
Este é o único caminho para o fim da infelicidade, já que o
caminho para a felicidade ainda é algo que nós não conjuramos.
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