O TRIUNFO DE ARMIDE : ESTREIA DE " RENAUD" ABRE A SÉRIE ÓPERA NA SALA CECÍLIA MEIRELES. CRÍTICA DE ANDRÉ EFFGEN NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


         
  A série “Ópera” da recém-reinaugurada Sala Cecília Meireles no  Rio de Janeiro iniciou o ano no mais alto estilo com o concerto cênico da ópera “Renaud”  do compositor italiano Antonio Sacchini. Trata-se de um evento emblemático no país por se tratar da primeira vez que a ópera é montada em nossos palcos, vale salientar que o Brasil é o primeiro país em toda a América Latina a apresentar a ópera completa.
                Com libretto em francês assinado por  Jean-Joseph Leboeuf, com o auxílio de Nicolas-Étienne Framery,  “Renaud” teve a sua estreia original em  28 fevereiro de 1783 pela Académie Royale de Musique no Théâtre de la Porte Saint-Martin , em Paris coma presença da Rainha Maria Antonieta, mecenas do compositor, na plateia. O enredo é baseado nos Cantos XVII e XX do poema épico “Jerusalém Libertada” de Torquato Tasso e narra as desventuras e o amor da sedutora  Armide (Armida) -princesa de Damasco e grande feiticeira- e  Renaud  (Rinaldo) , um dos principais guerreiros durante a primeira cruzada.
            A ópera, que estreou no dia 21 na Sala Cecília Meireles, foi dirigida em formato de concerto cênico pelo prestigiado André Heller-Lopes que mais uma vez se supera em um espetáculo de pura magia, prendendo a atenção da plateia durante as quase três horas da récita. Tudo foi tão bem pensado que de uma maneira ímpar consegue-se quase esquecer que a orquestra está em cima do palco junto aos cantores, tudo se emaranha numa bela fantasia com toques de modernidade. O “Renaud” de Heller-Lopes não perde para nenhuma montagem de ópera nos padrões modernos, pelo contrário, se toda montagem moderna fosse de tão bom gosto como concerto cênico em questão, acredito que os melômanos tradicionalistas não teriam espaço para, por vezes, tomarem posturas xiitas. O diretor antes de tudo respeita a obra que encena e por isso colheu a resposta do público da estreia com “Bravos” ressonantes ao final do concerto. A iluminação que complementa todo o encantamento da ópera é assinada pelo Fabio Retti e é um dos fatores principais para o sucesso da encenação.
Quanto ao time de solistas, é realmente difícil encontrar atualmente uma ópera que seja desempenhada em alto padrão em todos os seus personagens, aqui ou ali sempre se encontra um pequeno desequilíbrio, o que não foi o caso deste “Renaud” que  teve um grupo de solistas de extrema qualidade tanto nos aspectos técnicos, quanto nas suas interpretações dos papéis que lhes foram confiados,  fator este que mais uma fez coloca o espetáculo em alto patamar. A Mezzo-soprano Luisa Francesconi (Armide) arrebatou a plateia com sua sedutora personagem. Tal qual a grande protagonista da ópera usava de seus encantamentos para conquistar todos à sua volta, Francesconi usou o seu talento em máxima expressão para dominar toda a cena. Sua voz privilegiada, aliada à presença de palco adequada para a personagem fizeram da sua Armide um triunfo inabalável! Bravíssima!
O Renaud, personagem que dá título à opera, ficou a cargo do tenor Geilson Santos que brilhou como o guerreiro cruzado. Excelente atuação, heroico, imponente e com uma voz virtuosa. O tenor também encarna Tisiphone, uma das Fúrias invocadas pela a Armide no segundo ato do espetáculo. 
Leonardo Pascoa foi soberbo como o Rei Hidraot (Idraote), monarca de damasco e pai da Armide. Baritono de voz grande e de qualidade ímpar, Pascoa conquistou logo o público desde a sua entrada ao palco . Nos intervalos entre os atos era unanimemente elogiado pela plateia. Sua atuação também foi grandiosa, com toda a imponência e a força necessárias ao papel! Bravo!
O baixo Murilo Neves como Adraste (Adastro), Rei da Índia, foi excelente na composição do seu personagem. Do fascínio pela Armide até a sua morte, Adraste foi ricamente construído em várias nuances em um turbilhão de emoções sobrepostas. Sua voz soou de forma bela ao personagem. Neves também interpretou uma das Fúrias, Mégère.
Marianna Lima, soprano, teve três personagens sob a sua tutela. Antiope  (comandante das amazonas), Doris ( uma confidente de Armide) e a ninfa Coryphée (papel este dividido coma também soprano Nívea Raf). Lima com sua bela voz encantou a sala  mostrando todo talento que ela possui. Cenicamente e  tecnicamente a soprano é idefectível. Esperamos ver ainda muitas óperas protagonizadas por ela, de preferência heroínas Puccinianas e Veristas que acredito que sejam ideais para sua voz. Brava!
Uma grande surpresa na noite foi a soprano coloratura Nívea Raf, infelizmente ainda não conhecíamos o trabalho da artista e fomos surpreendidos pelo talento, pela agilidade e destreza da sua voz, particularmente da ária da ninfa Coryphéé no final do terceiro e último ato da ópera! Além da Coryphée, a soprano também deu vida à Mèlisse (confidente de Armide). Fantástica!
Uma observação se faz necessária, todo este fantástico time de solistas é genuinamente brasileiro, mostrando a todos que já passou da hora de acabarmos com a síndrome de vira-latas nas nossas casas ópera . Temos cantores de excelência aqui, produzindo arte de qualidade e que devem ser cada vez mais valorizados. Não que os estrangeiros não tenham o seu valor, mas é que o nosso produto está em pé de igualdade para competir por papéis com seja lá quem for!
Acompanhando os solistas tivemos o coro da Associação de Canto Coral que cantou de forma bela e precisa sob a condução do Maestro Jesus de Figueiredo e a Orquestra Sinfônica Brasileira sob a batuta do Maestro Bruno Procópio. A OSB como de praxe foi magnífica!



André Effgen
Mestrando em Arqueologia – Museu Nacional/UFRJ

Historiador - UESB

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