"OTELLO" , DE VERDI, FUTURISTA E MUSICAL NO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
John Neschling dirigiu a Orquestra Sinfônica Municipal com autoridade e segurança.
Originalmente, a cena que se passa na ilha de Chipre do final do século XV, dá lugar a uma ação atemporal, sem espaço definido, desenvolvido em um cenário limpo com projeções de imagens, segundo a criação de Giancarlo Del Monaco, diretor italiano de 71 anos, filho do grande tenor Mario Del Monaco, que aqui cantou a mesma ópera Otello em 1950 e 1969 com enorme sucesso. Poucos aqueles que puderam presenciar e estou entre eles. Uma maravilha jamais esquecida a interpretação desse que foi um dos maiores, senão o maior Otello, de Verdi, de todos os tempos. Outros foram Ramon Vinay, John Vickers, James McCracken, Placido Domingo e José Cura. Recentemente, há um tenor russo – Kristian Benedikt – fazendo sucesso nesse papel. Todos grandes tenores e intérpretes.
O diretor Del Monaco optou por colocar um cenário composto por um telão em formato de “U”, e um tule fino recobrindo a boca do palco do Municipal, com projeções de imagens do espaço sideral. E, em sua concepção “os seres humanos estão descobrindo lentamente o universo e carregam consigo todas as falhas e a sordidez da humanidade: o ódio, o ciúme, a inveja, o racismo, espalhando-as pelo universo“, assim declara o diretor.
A adaptação que Boito fez do Otello, de William Shakespeare (1564-1616), é um trabalho extraordinariamente hábil. A música, para se expandir, requer mais espaço do que a palavra, se assim podemos dizer, porque a sua verdadeira essência é a elaboração e a intensificação da emoção, transportada para a orquestra; e nisso Verdi soube trabalhar intensamente, nesta que é a mais dramática de todas as óperas do mestre; seguida pois, já em seu terceiro período, pelo “Falstaff”, produzida em 1893, quando Verdi tinha já oitenta anos, dando-lhe novo sopro de vida, posicionando a ópera como gênero válido e imperecível.
Os figurinos com cores neutras, futuristas, lembram a saga “Matrix”, dos irmãos Wachowski entre 1999 e 2003, projetadas nas telas do cinema. Muito feios, tudo preto, óculos escuros e vestir a Desdemona daquele modo, não dá para aceitar. Todo esse esquema é manjado há pelo menos quatro décadas, nos teatros europeus e dos países já desenvolvidos dos demais continentes (nas óperas de Wagner). Se trocarmos essa importação cara, antiquada e ultrapassada, é bom notar, uma vez mais, que o Theatro da Paz, em Belém do Pará, produziu esta ópera, em 2014, com mão-de-obra de artesãos brasileiros, cenários em dobraduras, figurinos de refinado corte e costura e demais adereços, direção cênica empregando a criatividade do artista brasileiro, possibilitando assim, o seu crescimento, e aprimoramento nas diversas camadas das artes cênicas, construindo então o teatro lírico nacional e independente de importações. Mérito daquele teatro. E porquê não recorrermos a ele, com troca de experiências e produções ?
Musicalmente na cena conjunta da tempestade, solistas e coro começaram hesitantes, logo se aprumando. O Coro Lírico Municipal, de importante participação nesta ópera, justo e afinado, engrandeceu o espetáculo com suas vozes encorpadas e vibrantes, complementado aqui pelo Coro Infantojuvenil da Escola Municipal de Música (interno no Ato II).
John Neschling dirigiu a Orquestra Sinfônica Municipal com autoridade e segurança, sobretudo nas seções de cordas e madeiras, muito bem arquitetadas. A evolução musical do conjunto é evidente. A crítica que se segue refere-se à récita de 21/3 , sábado 20h.
O tenor americano Gregory Kunde é hoje um dos poucos intérpretes deste imenso personagem título.Voz heroica, quente, ora apoteótica , ora extremamente lírica e maleável em suas nuances somadas ao perfeito domínio de seu papel. Cantou soberbamente “Dio, mi potevi scagliar” (cena III do Ato III) ond,e profundamente abatido, não consegue compreender a traição da mulher, lamenta sua sorte cruel, nos ofertando sua excepcional técnica e personificação do mouro de Veneza, especialmente na cena de sua morte, ao lado da já morta Desdemona.
No papel do antagonista, o invejoso e perverso IAGO, a voz do barítono cubano Nelson Martinez, sobressaiu adequadamente. Ainda que não possua agilidade nosstaccatos decrescentes, sua voz é melodiosa, afinada e de verdadeiro barítono dramático verdiano.
A canção do salgueiro recordada por Desdemona, seguida pela “Ave Maria”, de cunho patético, dão a nota termômetra do soprano intérprete. O soprano croata Lana Kos possui um insuficiente volume vocal para este lindíssimo papel, para o qual se requer soprano essencialmente lírico, porém de volume maior que o seu: devido às exigências verdianas, não satisfaz.
Nos demais papéis: o tenor vindo de Casaquistão – Medet Chotabaev -, é um Cassio que merece menção especial; Felipe Bou (Lodovico), sua voz de baixo cantante, não preenche a tessitura; Anna Lúcia Benedetti, meiossoprano, uma Emília musicalmente muito expressiva; Giovanni Tristacci (Roderigo), voz de tenor nítida e desenvolta; Leonardo Pace, (Montano) bastante satisfatório. Compuseram um elenco homogêneo e musical neste “Otello” que abriu a temporada lírica de São Paulo. Esperamos que em 2016, possamos ter o prêmio de ver “Nabucco”, (Verdi) encenada em nosso teatro máximo. Em 1969, ela foi apresentada pela última vez nesta capital, na belíssima apresentação da visita do Teatro San Carlo, de Nápoles em excursão ao Brasil.
Escrito por Marco Antônio Seta, em 22 de março de 2015, pela récita de 21/3/2015
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB / SP
Fonte: http://www.movimento.com/
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