OTELLO, O MOURO DO ESPAÇO. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

  

    Uma das máximas do futebol diz que camisa não ganha jogo, quando um time entra em campo de salto alto e se achando o máximo acaba perdendo de goleada, vide os 7 X 1 que nossa seleção levou da Alemanha na Copa do Mundo. Outra máxima futebolística é que nem sempre filho de craque herda o talento do pai. Essas duas máximas se aplicam ao diretor cênico Giancarlo del Monaco, filho do grande tenor Mario del Monaco que cantava Otello como poucos e se apresentou diversas vezes no palco do Municipal.
   John Neschling exalta os feitos de Giancarlo del Monaco na mais famosa das redes sociais. O diretor tem bons trabalhos em diversos teatros do mundo, mas no Theatro Municipal de São Paulo resolveu fazer experiências e usar velhos clichês da direção teatral. Convidado para dirigir Otello de Verdi, deve ter recebido uma bolada para isso, veio com status de celebridade e fez o mais do mesmo. Sua versão utiliza três rampas no palco que se inclinam, projeção de imagens e transposição temporal, isso não é mais novidade em lugar algum. Sou capaz de lembrar de memória uns dez títulos do Municipal que já fizeram isso.
   A opção em transportar o enredo para o futuro cai na armadilha do libreto datado. A história se passa em Chipre no século XV com a primeira cena em um mar revolto e navios afundando. As projeções não mostram nada disso, vemos planetas e constelações durante os quatro longos atos, parece uma infinita viajem pelo espaço. A ideia torna-se repetitiva, cansativa e maçante. Será uma homenagem ao Doutor Spock ?
                                       Cena da ópera Otello, foto Internet.

    O palco inclinado com três rampas que sobem e descem conforme não dizem nada de interessante. A opção é por personagens frios e sem expressão que cantam muitas vezes deitados, fato esse que prejudica a linha vocal. Os figurinos de Pasquale Grossi são inspirados no filme Matrix, todos de capas pretas e óculos escuros. Somente Desdêmona está de branco pureza, em um figurino que lembra o oriente. Esse deve ser fã do ator Keanu Reeves. O cenário é inexistente e provoca a sensação do nada naquele que não conhece a história, nem imagino o que o cenógrafo William Orlandi veio fazer no Brasil. A luz de Wolfgang von Zoubek realça as cenas e consegue dinâmica e funcionalidade.
   A Orquestra Sinfônica Municipal regida por John Neschling manteve nível de excelência na música operística. Interpretação que realça o colorido das notas, tempos corretos e volume ideal foram a tônica da apresentação. Em uma obra de peso sempre ocorrem desencontros entre solistas e orquestra, esses foram pequenos e não atrapalharam. O Coro Lírico Municipal cantou com naipes entrosados, venceu as movimentações estranhas exigidas pela direção e conseguiu uniformidade nas vozes e excelente afinação.
   Os três personagens principais estiveram em grande noite: Gregory Kunde canta um dos melhores Otello da atualidade, voz que no dia 15 de Março começou com volume pequeno no primeiro ato e foi crescendo no decorrer da récita. Quente, possante, vibrante e escura com projeção acentuada típica de um grande tenor dramático. Lana Kos exibiu lirismo e poesia em agudos brilhantes e luminosos com um timbre agradável em um tom angelical. Uma interpretação cênica correta da personagem Desdêmona tendo seu ponto alto na Ave Maria. Rodrigo Esteves foi prejudicado pela encenação e não pôde exibir todos seus atributos cênicos como fez ano passado em Belém do Pará. Foi atrapalhado por óculos escuros ridículos. Sua voz esteve recheada de emoções dúbias: possante, sólida e com projeção enorme deu ao personagem Iago qualidade melódica marcante em todos os registros tendo no Credo seu ponto alto.
   O Theatro Municipal de São Paulo não é a Casa de Orates. Diretores de ópera vem aqui e fazem maluquices, Tosca, Falsataff e Il Trovatore são exemplos disso. Deve haver um limite para a "criatividade e experimentação" e quem tem que impor esse limite é você caro John Neschling. Nem precisava produzir um novo Otello, existe uma excelente produção dirigida por Mauro Wrona no Theatro da Paz de Belém apresentada em 2014. Era só pegar o telefone e conversar com eles, o prefixo da cidade é 091 e se desejares te passo o número.
Ali Hassan Ayache
       

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