BEETHOVEN, A ESTRELA MAIS BRILHANTE. ENTREVISTA DE FRANÇOIS-FRÉDÉRIC GUY PARA FABIANO GONÇALVES.
Em entrevista exclusiva, o pianista francês François-Frédéric Guy revela os desafios de interpretar as 32 sonatas de Beethoven – o que fará em nove concertos no Rio de Janeiro, de 16 a 26 de abril.
Desde 2008, o francês François-Frédéric Guy, nascido em janeiro de 1969 na cidade normanda de Vernon, dedica-se, várias noites por ano, a uma cruzada quase religiosa. Debruçado sobre sustenidos e bemóis, executa, em ciclos completos, de cor, a íntegra das 32 sonatas para piano e os cinco concertos para piano e orquestra do compositor alemão Ludwig van Beethoven (1770-1827), um dos pilares da música ocidental. Chamado de Projeto Beethoven, já passou por cidades como Washington, Paris e, Mônaco, e chega ao Rio de Janeiro: as 32 sonatas serão apresentadas em nove concertos na Sala Cecília Meireles, de 16 a 26 de abril (veja detalhes aqui).
A ligação do pianista com o compositor já é antiga: em 1998, Guy, ainda em início de carreira, realizou sua primeira gravação da sonata Hammerklavier, até hoje presente em seus recitais, bem como no box de CDs com as 32 sonatas, lançado em 2013 pelo selo francês Zig-Zag Territoires.
Mas nem só de Beethoven vive o homem – Guy também é especialmente aficionado por compositores como Bartók, Brahms, Liszt e Prokofiev, e sente-se também conectado à música contemporânea de autores como Ivan Fedele, Marc Monnet, Gérard Pesson, Bruno Mantovani e Hugues Dufourt (que dedicou ao pianista sua composição Erlkönig).
Mesmo considerado um dos mais fascinantes pianistas de sua geração, François-Frédéric Guy recentemente estreou conduzindo, do piano, a Orquestra Filarmônica de Liège, ao lado da qual interpretou… Beethoven. Muitos outros artistas já o acompanharam em sua trajetória: maestros como Wolfgang Sawallisch, Esa-Pekka Salonen, Bernard Haitink, Kazushi Ono, Marc Albrecht, Philippe Jordan, Daniel Harding, Neeme Järvi e Michael Tilson Thomas; e grupos como as Filarmônicas de Munique, Londres, Seul, Varsóvia, Holanda, Luxemburgo; Orquestra de Paris; Orquestra Nacional de Lille; as Sinfônicas da BBC, de São Francisco, Berlim e a Orquestra Sinfônica Brasileira, com quem se apresentou em abril de 2014, no Rio de Janeiro.
Do teatro Arsenal de Metz, onde é artista residente, François-Frédéric Guy conversou com o Movimento.com. Confira.
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Movimento.com – Em seu site, você afirma que Beethoven é “Alfa e Ômega da música”. Por quê?
François-Frédéric Guy – Para mim, ele é um pouco como o centro da galáxia musical… Há música “antes de Beethoven” e “depois de Beethoven”! Ele faz a transição da música para os tempos modernos em todos os aspectos. Sintetiza todos os grandes que vieram antes – Bach, Handel, Mozart e Haydn – e, a partir, disso cria a sinfonia moderna, o concerto moderno e, naturalmente, a sonata moderna. Beethoven torna-se a referência absoluta em todos os estilos e formas. Mesmo sua Missa Solemnis renova radicalmente a música sacra.
Movimento.com – Quais são os principais desafios para um pianista executar as 32 sonatas para piano de Beethoven – consideradas pelo maestro alemão Hans von Bülow “O Novo Testamento” da música (enquanto O cravo bem-temperado de J. S. Bach seria “O Velho Testamento”)?
François-Frédéric Guy – Os desafios são muitos. Lembro-me de alguns dados importantes: aproximadamente 12 horas de música, 101 movimentos, 600 páginas de partitura. É realmente uma “Bíblia”. Acima de tudo, é uma extraordinária aventura musical e humana, que revela o sucessivo desenvolvimento de sua genialidade.
Mas há também o desafio físico. A memória é bastante demandada, e, ao mesmo tempo, cada sonata é como um movimento de algo maior. O entendimento do conjunto é um verdadeiro desafio no momento de começar as três primeiras. E você tem que saber poupar suas forças, como um marinheiro que pretende dar a volta ao mundo.
Movimento.com – Algumas das sonatas são popularmente conhecidas, como aApassionata, a Pathétique e a Ao Luar. Além dessas, que outras você recomendaria ouvir com atenção?
François-Frédéric Guy – Para mim todas as sonatas são da mais fina lavra, mesmo as menos conhecidas. As sonatas célebres são referências por sua evolução e maturidade. Contudo, poderia recomendar, por exemplo, a Sonata n. 4, Op. 7, tão longa como a Hammerklavier. Seu movimento lento é um dos mais belos jamais escritos. Em outro estilo, a Sonata n. 16, Op. 32 n. 1 é uma pequena joia, com humor e leveza. Todas as fases de Beethoven são interessantes. Eu sempre me recordo da classificação de Liszt: o Adolescente / o Homem / o Deus, que mostra a progressão espiritual das sonatas. As últimas têm uma energia criativa incomparável – mas isso é mais difícil para o público perceber.
Movimento.com – Desde 2008, em seu Projeto Beethoven, você já apresentou esta série de concertos nos Estados Unidos, na França, Inglaterra e em Monte Carlo. Quais são as suas expectativas com relação ao público brasileiro desta vez?
François-Frédéric Guy – Espero que muita gente venha ouvir as 32 sonatas! Este é um programa bem diferente de uma simples série de concertos. É uma experiência espiritual e musical para ser vivida em conjunto. Eu preciso de apoio psicológico para ter êxito neste grande cruzeiro “beethoveniano”. É um desafio grande também para o público, que deve ter a coragem de enfrentar o risco de vir ouvir todo o ciclo. Mas vale a pena, e não há muitas oportunidades de ouvir as 32 sonatas em tão pouco tempo.
Movimento.com – Executar nove concertos consecutivos, com a integral das sonatas de um compositor, deve exigir muito de um músico, mas também deve trazer grandes mudanças à sua arte e a seu espírito. Isso é verdade? Que mudanças Beethoven trouxe à sua vida?
François-Frédéric Guy – Beethoven é o meu pão de cada dia. Penso nele diariamente – quase todos os instantes – e por isso sua obra está presente em minha alma e em meu repertório. Ele me permite expressar sentimentos que eu teria dificuldades para colocar em palavras. Por meio dele, entrego um pouco de mim ao público. Sua gama de sentimentos e expressão é ilimitada, e graças a ele aprendemos a nos conhecer melhor e, assim, podemos compartilhar com o público. Beethoven estrutura o espírito por meio da arquitetura de suas obras, ao mesmo tempo tão elaboradas e tão sortidas. Para voltar à primeira pergunta: é Alfa e Ômega, isto é, o indispensável…
Fabiano Gonçalves.
FONTE: http://www.movimento.com/
Fotos de Benjamin de Diesbach
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