CONTRADANÇA E VANGUARDA. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



O Balé da Cidade de São Paulo é ligado à Fundação Theatro Municipal de São Paulo, com um superlativo trabalho, técnico e artístico, sob a eficaz direção de Iracity Cardoso. E um especial destaque pela expressividade de seu repertório, atento na linguagem coreográfica contemporânea, na habitual exposição de obras significativas, tanto de criadores daqui , como de além mar.
“CANTATA”( 2001) é um dos mais antigos trabalhos da lavra do italiano Mauro Bigonzetti e, mais uma vez, tem seu referencial na cultura mediterrânea, com sua releitura moderna de danças e tradições do Sul italiano. Na mesma trajetória de obras suas como “Mediterranea” e "Antiche Danze”,mas com menor força no desenvolvimento ,às vezes, um pouco repetitivo.
Substituindo a habitual prevalência de partituras barrocas, como no inspirado “Caravaggio”, Bigonzetti faz , nesta criação, um exponencial uso do cancioneiro tradicional popular da Itália setecentista , em trilha vocalizada.
Cânticos de amor e de trabalho, através de serenatas napolitanas , tarantelas e até berceuses, surgem com leveza jovial e jocosidade, sem nunca cair no mero recorte de danças folclorizadas. Pelo contrario, mesmo com suas nuances de regionalismo nos figurinos (Helena de Medeiros), absorvem dali, sob luzes ambientais(Carlo Cerri), inéditas posturas gestuais.
Mas a maior revelação ficou para a segunda parte, com CACTI do sueco Alexander Ekman, egresso do Netherlands Dance Theater(NDT) ,de onde veio esta obra de 2010, com perfeita remontagem, na cia paulista ,por Nina Botkay.
No score musical, passagens de Haydn, Beethoven e Schubert, produzem um alentado mix de acordes, entre as variações, improvisos e experimentalismos de compositores da atualidade europeia, no comando de Jan Pieter Koch. Ficando toda concepção cênica( incluindo figurinos) nas mãos de Ekman.
Espécie de protesto contra os preciosismos da crítica , costumeira na conceitual restrição à própria obra do coreógrafo, em “CACTI” há uma proposital interferência de textos verbalizados com nuances de hermético personalismo opinativo. Que vão desmontando, com o irônico olhar dos dinâmicos movimentos coreográficos, o pretensionismo academicista destes"explicadores do inexplicável".
A precisão inicial dos conjuntos masculinos, em bela composição cênica no seu duelo/dueto com placas arquiteturais de madeira , vai sendo intermediada pela junção do elemento feminino. Numa quase simulação da nudez e da não identificação sexual , onde não falta a versatilidade de humorados solos e “pas- de- deux” ,ao lado da surreal surpresa do jogo lúdico com vasos de cactos.
Em direcionamento questionativo, entre o riso e a busca do sentido, a obra assume assim, estética e tecnicamente, tons dadaístas. E numa coesão absoluta( coreógrafo,bailarinos e público) induz à saudável reflexão de que a melhor crítica é a que vem de nós mesmos.
Wagner Correa de Araujo

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