PAIXÃO E TÉCNICA NUM TRIBUTO ESTÉTICO Á LIBERDADE. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Quando o armênio Aram Kachaturian compôs , em 1954, a sua partitura do balé Spartacus , a era do terrorismo stalinista começava o seu epígono. Precedido por tentativas fracassadas de sua transposição para os palcos, das cias do Kirov e do Mosseyev, só em 1968 , com o Bolshoi, Spartacus se tornou um perfeito exemplar do novo balé soviético.
Com uma estética que unia o sinfonismo musical da obra a nuances operísticas e cinematográficas, num enredo com arroubos épicos e predominância do virtuosismo masculino, Spartacus ,a partir da sua première no mundo ocidental, se transformou na mais expressiva e exitosa produção contemporânea do Bolshoi.
Apostando num tema de abrangência universal, o conflito de classes sociais ,através de um enredo inspirado num episódio do início da era romana , o balé conseguiu abalar a já então desgastada teorização artística do realismo socialista . Procurando fugir do engessado referencial formalista, avançou na busca de um outro realismo, mais próximo do psicológico e do abstrato na sua expressão narrativa.
Na presente temporada do Balé do Teatro Bolshoi, Spartacus demonstra sua força ainda imanente em quase meio século. Numa performance que se desenvolve num crescendo de estimulante envolvência, todos os elementos técnicos e artísticos concorrem para uma experiência de grande teor estético.
No score musical, demonstrando um nítido avanço qualitativo na execução da OSBM, conduzida por Pavel Sorokin, coesa e harmônica tanto nas passagens mais rítmicas quanto nos romantizados “leimotifs”próximos às clássicas trilhas hollywoodianas.
Na precisa caracterização dos figurinos, contrastando luxo/simplicidade das duas classes romanos/escravos.Na tonalidade quase abstrata dos telões cenográficos, entre luz e sombras . E, especialmente, no esplêndido dinamismo do elenco, entre solos e conjuntos, com seu superlativo virtuosismo masculino nas cenas de legionários e gladiadores.
Destacando a força dramática dos solistas , paixão e técnica precisas, na frieza narcisística do general romano Crassus(Vladislav Lantratov) e no sensualismo luxurioso da cortesã Aegina(Maria Alexandrova).
E, ainda, a virtuosa pureza da escrava Prhygia (Maria Vinogradova) com o brilho dos seus arabesques no passional pas-de-deux do 3º Ato e os recortados jetés do exponencial Denis Rodkin, um digno jovem sucessor dos clássicos Spartacus , de Vladimir Vasiliev e Irek Mukhamedov.
Enfim, um privilegiado e raro espetáculo, de excitação técnica e estimulo intelectual capaz, até mesmo, de conduzir a uma reflexiva e simbológica definição de Karl Marx :
“Spartacus foi o mais distinto e mais esplendido cidadão que a Antiguidade ofereceu”.
Wagner Correa de Araujo
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