TRADIÇÃO E MODERNIDADE. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



Foram os Balés Russos de Serge Diaghilev que, especialmente nas duas primeiras décadas do século XX, estabeleceram uma ponte entre o antigo e o novo.
Esta passagem aconteceu ,ora dando outras perspectivas à tradição técnica coreográfica de base academicista ( Les Sylphides) , ora substituindo as temáticas alegóricas pela cultura popular russa( Petrushka e Sacre du Printemps) ou ,ainda, pela incursão na contemporaneidade daqueles anos( Jeux).
Les Sylphides , na versão 1909 de Michel Fokine, é um tributo ao balé branco, presente nos segundos atos de La Sylphide e de Giselle . Sem um enredo delineado, sugestiona um bosque onde “sílfides” dançam em torno de um poeta. Mas apesar da leveza de suas linhas ,de seu figurino e cenários de inspiração romântica, já revela maior liberdade gestual em sua concepção.
A sucessão de obras pianísticas de Chopin orquestradas ( Preludio, Noturno, Valsa,Mazurka,Grande Valsa,Polonaise) teve seu simetrismo detalhista preservado , com a exponencial performance das bailarinas do corpo de baile do Theatro Municipal do RJ. Além do brilho no desenho das formas ,quase em arabesco, dos grupos , o rigor técnico necessários nas atuações individuais ( Márcia Jacqueline/ Mel Oliveira )e no superlativo pas-de-deux de Felipe Moreira/Karen Mesquita.
Tenha-se em mente, diante da expressiva qualidade demonstrada pelo BTM , que tudo isto é um herança do inestimável trabalho de uma vida inteira de Tatiana Leskova( remontadora de Les Sylphides)) dedicada à preservação do culto à base clássica, no país que adotou. Afinal, foi ela a primeira responsável pela profissionalização da dança no Brasil.
O " Grand Pas –de- Dix " de Raymonda não foi incluído aleatoriamente no programa, pois era um trecho apresentado pelos Balés Russos de Diaghilev em noites de “ divertissements”. Aqui ele tem a recriação de Galina Kravchenko e segue, com fidelidade, o esteticismo original . E também tem sua precisa exibição pelo BTM ,com um destaque absoluto para as entradas de Cícero Gomes, pelo visível apuro e sensibilidade artística .
Longe de “jetées, pirouettes e arabesques”, A Sagração da Primavera ,com seus pés para dentro, joelhos dobrados, braços rebaixados, além da sua dissonância sonora, fechou, em grande estilo, a “soirée “ russa, na primorosa reconstituição de Millicent Hodson, a partir de Nijinsky e cenografia de Kenneth Archer, inspirada em Nicolas Roerich.
Obra já cativa do repertório do Ballet do TM, prova a maturidade de sua interpretação e demonstra o alcance da Cia., capaz de manter uma significativa energia em criação coreográfica, com um parâmetro estilístico tão diverso das peças anteriores. E, onde, o solo instintivo e arrebatado da Jovem Eleita ( Karen Mesquita) envolve , emotivamente, palco e plateia .
E ,enfim, remetendo às palavras do próprio Nijinsky ( sobre a Sagração,em 1913, ano de sua estreia) , talvez possam ser elas o referencial para um novo tempo do Balé do Theatro Municipal, na fundamental missão de ser polo entre a tradição e a vanguarda:
“Ela abrirá horizontes novos, iluminados pelos raios do sol. Tudo será , então, diverso, novo e belo”.

Wagner Correa de Araujo


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