"THAIS" APÓS 64 ANOS DE AUSÊNCIA NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE MARCO ANTÔNIO SETA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

   

Após 64 anos de ausência nas temporadas líricas do Theatro Municipal de São Paulo, retornou o título de "Thaís", de Massenet, Jules E. F. (1842-1912) que pela sua própria habilidade, está inserida entre as gratas óperas compostas por ele, cujas frases dúctil-melodiosas de orquestra, também foram estudadas com atenção por Giacomo Puccini (1858-1924). Num período de dez anos; entre 1884, surgiram a célebre Manon a 19/1/1884, no Opera-Comique de Paris; Esclarmonde a 15/5/1889; Werther a 16/2/1892 e "Thaís"; estreada a 16/3/1894 no Grand Teatro Opera de Paris, baseada no grande conflito entre matéria e espírito, na terrível luta das incertezas e das renúncias. A música de inegável beleza sensual e meditativa, cuja Meditação (p/ violino, harpa e orquestra) talvez seja a mais familiar da ópera, sobre um belo interlúdio e tem sido peça favorita de sala de concerto. 
    Na montagem do italiano Stefano Poda, originalmente encenada em 2008 no Teatro Reggio de Turim, na Itália, o carro chefe foi a metafísica, em supra-sensível simbolismo em suas ações cênicas. Utilizou todos os recursos dentro do reduzido espaço físico do palco do Municipal, em sua diversidade filosófica, porém foram poucas pessoas que puderam entender toda a gama espiritual e da própria metafísica a que ele propõe  em sua encenação teatral. É de difícil leitura para o grande público!  Após incansável período de ensaios, os figurantes, solistas e coro, compreenderam a sua meta na trama, transportando-a do Egito no Séc. IV (período romano) para um ambiente onde as formas exteriorizam o universo psicológico dos personagens. Assinando também o cenário e figurinos, ele transforma tudo e consegue atingir um nível grandioso de visualidade, com um suntuoso guarda-roupa, rico  e sóbrio em suas indumentárias; especialmente os da  protagonista, assim como os de Filles Blanches e dos cenobitas (Palémon). Quanto ao cenário são criativos e instigantes, sempre em nuances e gradações do branco. Em suma, o resultado é belo, valorizado ainda pela inteligente iluminação acrescida de raios-laser. 
    Somente na coreografia, também de sua lavra, é que pecou pela pouca originalidade e superficial técnica na arte da dança, recorrida aqui a  jogos rudimentares e pouco sedutores, ignorando alí a dança "a carater". O Balé da Cidade de São Paulo cumpriu o coreografado pelo autor. 
    A Orquestra Sinfônica Municipal apresentou-se de início com alguns deslizes nas trompas e trombones (prelúdio do Quadro II -Ato I) mas, diga-se de passagem, mostra um avanço no acompanhar às óperas francesas, desta vez sob a regência do francês Alain Guingal, numa segura e precisa direção musical. 
    Ermonela Jaho,  da Albânia, é um soprano "lyrique léger" de belo timbre cujo centro de voz muito bem trabalhado, enseja lindas frases musicais; pianissimos de boa emissão, apenas nos super agudos de sua ária do espelho ("Dis-moi que je sui belle...", as notas saíram gritadas, talvez causadas pela brusca queda da temperatura que São Paulo tem atravessado, afetando assim a sua bela voz, justificada pelas heroínas que tem defendido como Suor Angelica, Violetta Vallery e a Madame Butterfly que fará em breve, no Grand Opera de Paris. 
    O barítono georgiano Lado Ataneli como Athanael apresenta voz regular em sua tessitura vocal, porém trata-se de ator estático, não emociona em nenhum momento; permanecendo inerte às ações dramáticas. No momento emblemático desta partitura, o dueto que finaliza a ópera, entre os dois principais personagens, foi parcialmente de um transcendentalismo, da escola filosófica americana, representada por Emerson e caracterizada por um certo misticismo panteísta aqui lindamente interpretado por Jaho; todavia a colocação da plataforma central à protagonista, tendo Athanael preso as suas bases, preocupando o soprano alí encima, e desviando assim a sua concentração em prejuízo da vocalidade e,  consequentemente ao seu parceiro, não permitiu atingirem o êxtase musical,  ao menos na récita de estréia. 
    O tenor francês Jean-François Borras (Niciás) revelou grande avanço vocal após "La Bohème" (2013) neste teatro. Voz bem timbrada de tenor lírico, agudos bem apoiados, cantou airosamente o seu personagem, simbolizando a carnalidade incorporada que lhe coube. 
    Károly Szemerédy ( da Polônia) cantou e representou elegantemente  Palémon, parte escrita para baixo caractère.
  O duo vocal de estilo barroco-renascentista emitido por Carla Cottini (Crobyle, soprano lírico) e Malena Dayen (Myrtale, mezzo soprano) mesclado com os vocalizes de Lina Mendes (Charmeuse, soprano leggero) saíram razoáveis,  apenas podería-se suavizar os ornamentos de Charmeuse que soaram um pouco fortes, destoando ao estilo barroco a que Massenet compôs. 
    Merecem plena aprovação a pequena parte de Ana Lucia Benedetti como Albine (mezzo soprano) muito bem lançada em parceria com doze Filles Blanches, misticamente trajadas, bem como em perfeita sintonia cênica e vocal, num dos mais belos momentos líricos do espetáculo. Ao Coro Lírico Municipal registrem-se bravos elogios pela sua colaboração vocal tanto nos cânticos dos cenobitas, como nos dos cidadãos de Alexandria e seguidores de Niciás.

    O luxuoso e faustoso espetáculo "THAÍS" esbanjou uma guinada na arte lírica que ora desfrutamos em São Paulo, sobretudo no Theatro Municipal. Esperamos que a próxima "MANON LESCAUT" nos brinde uma vez mais !





Escrito por Marco Antônio Seta, em 25 de Julho de 2015.
Inscrito Jornalista sob nº 61.909 MTB / SP



Fotos, cenas de Thais, foto internet.

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