BELÉM SE TRANSFORMA NO VATICANO. CRÍTICA DE ANTÔNIO RODRIGUES NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Ópera A Ceia dos Cardeais, de Iberê de Lemos, no Festival de Ópera de Belém.

A encenação da ópera A Ceia dos Cardeais , atração que integra o Festival de Ópera do Theatro da Paz, ocorreu  ontem (19 de agosto) na Igreja de Santo Alexandre, ora dessacralizada. A igreja tem ótima acústica, uma iluminação belíssima e um museu de arte sacra anexo, que não pode deixar de ser visitado por quem vem a Belém. O museu tem cerca de 400 peças, que incluem pinturas, imaginárias e objetos sacros datados dos séculos 17 ao 20.
Segundo a coordenadora de restauro do Sistema Integrado de Museus, Renata Maués, um projeto de conservação foi elaborado para garantir que o espaço não sofresse qualquer tipo de dano. “Tudo foi discutido com a nossa equipe técnica, desde o posicionamento da orquestra no espaço, o tipo de iluminação do processo cênico, entre outras coisas. Tudo isso foi minuciosamente pensado para evitar qualquer deterioração”, afirma
Responsável pelo figurino da ópera, Hélio Alvarez seguiu à risca todo o trabalho de pesquisa que antecedeu a preparação do espetáculo. “Foi uma pesquisa muito interessante, mas tive a colaboração do Gilberto Chaves e do diretor Mauro Wrona, que me orientaram e me deram referências. Fiz todo um trabalho de pesquisa e estudei a obra. O resultado foi muito positivo, mas tudo foi feito seguindo a linha de pensamento do diretor que é quem sabe como a história vai se desenrolar”, disse Alvarez.
Gilberto Chaves, coordenador geral do Festival, acredita que a montagem da obra de um compositor regional valoriza a cultura do Pará: “Somos o único estado, entre o Norte e o Nordeste do Brasil, a ter compositores de ópera, Iberê de Lemos e Gama Malcher, além de Waldemar Henrique, que também compôs peças eruditas. Iberê saiu de Belém aos 13 anos para estudar em Londres, depois voltou para o país e foi morar no Rio de Janeiro, onde se tornou amigo e colaborador de Villa-Lobos. Lemos nasceu e morou aqui em Belém”.
O musicólogo Mauro Chantal, que se dedicou a um trabalho sobre Iberê de Lemos e, especificamente sobre esta ópera, deu pequena palestra elucidativa sobre a obra: “O nome de Iberê merece uma atenção permanente, pois grande parte de sua obra ainda não foi divulgada. Após a morte dele, seu trabalho foi aos poucos esquecido, daí a importância de se fazer um resgate desse trabalho, que hoje se encontra disponível na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Considero A Ceia dos Cardeais a obra máxima de Iberê de Lemos, portanto o público pode esperar o melhor para a apresentação desta noite”.
Mas vamos ao espetáculo propriamente dito. Trata-se de uma ópera sui generis. Não existe voz feminina ou árias, como costumamos ver em outras obras do gênero. A ação se desenrola em uma sala do Vaticano, com três cardeais que relembram casos amorosos de sua juventude, à volta de uma mesa de refeição. É um espaço bem pequeno, que não dá ao diretor muitas opções de ação.
Logo no início, quando os três se encontram, há um diálogo cantante, com os personagens se expressando ao mesmo tempo. Isso trouxe uma certa confusão, que se refletiu na orquestra. É como se cada cardeal tivesse um tema e estes se emaranhavam. No entanto, foi apenas um breve momento, que acabou quando cada um deles começou a contar sua história.
Para os cantores, as dificuldades eram grandes, com o campo de ação muito restrito e sendo apenas três personagens. Restavam-lhes poucas opções. Paulo Mandarino,Inácio de Nonno e Carlos Eduardo Marcos saíram-se muito bem. Com suas vozes encorpadas e bonitas, conseguiram transmitir as emoções de suas lembranças, utilizando-se muito bem das expressões faciais.
Facilitando a compreensão da plateia e procurando dar mais movimento à ópera,Mauro Wrona criou pequenas cenas à volta do palco que aconteciam quando algum dos cardeais tocava um momento importante do seu texto. Assim, cada episódio referido pelos personagens era identificado pela música e pela representação teatral. Uma ótima ideia mesmo…
Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz esteve bem, sob a cuidadosa direção de Carlos Moreno, atualmente maestro e diretor artístico da Orquestra Experimental de Repertório (OER) da Fundação Theatro Municipal de São Paulo.
A música de Iberê de Lemos é muito bonita e faz bem aos ouvidos. Para ilustrar, trago a opinião do maestro Luiz Aguiar, quando da encenação de Belo Horizonte, em 1963:” … música espontânea, bem trabalhada, consciente, funcional, que emana da orquestra e dos cantores, em jorros que resultam em perfeita fusão com o texto em português.”
O espetáculo, cheio de dramaticidade, termina muito bem. O personagem do cardeal Rufo, ao término da história do cardeal português, exclama: “Foi ele, foi ele de nós três, o único que amou”.
Parabéns mais uma vez a Mauro Wrona, que fez com que a obra terminasse de maneira belíssima, inesperada e emocionante, com o cardeal português tendo uma visão de sua amada juvenil.
A igreja ficou lotada na primeira e na segunda récitas. Provavelmente também estará na terceira. O público demonstrou seu bom gosto, aplaudindo bastante o espetáculo.

Antônio Rodrigues

Fonte: http://www.movimento.com/

Comentários

  1. Acostumada a ir na Igreja Santo Alexandre para Cerimônia de Casamentos de amigos nobres, já que é uma das mais caras locações para celebração.Fiquei encantada com a outra ótica que o Festival de Ópera me apresentou.Quando fui apresentada a esse mundo maravilhoso das Óperas,foi na companhia certa,no Municipal de São Paulo e na estréia da La Traviatta. Então me encantei, e fui seduzida.
    Achei confuso o inicio, espaço pequeno,orquestra ,Paulo,Inácio e Nonno.Pareciam ter ensaiado separadamente e qndo atuaram junto deu alguns tropeços.Bem,sou apenas apreciadora e pouco sei.Porém essa foi minha impressão.
    Foi legal poder enquanto esperava o inicio da apresentação, olhar com mais minucioso aos detalhes da Igreja.E pude perceber que devido conhecer o espaço eu acabei ignorar um olhar mais admirador do local.Enquanto isso quem estavam lá pela primeira vez eram só elogios.
    Wrona surpreende sempre,e com o final da Ópera me deixou com gosto de quero mais para o dia 09/09/2015, aonde será encenada Ópera Os pescadores de pérolas, de Georges Bizet.

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