DILEMAS CONTEMPORÂNEOS DA CULTURA. HIROSHIMA E ÓPERA GEN. ARTIGO DE CLEBER PAPA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


Detalhe do mangá Gen -Pés descalços - de Keiji Nakazawa

Hoje, 6 de Agosto de 2015, comemoramos 70 anos do lançamento da Bomba em Hiroshima. Apesar da forte presença japonesa no Brasil e das nossas relações com a cultura norte americana, pouco se falou a respeito desta triste história.

O mangá Gen - Pés Descalços narrando os dias seguintes à bomba e, através da saga dos sobreviventes de uma família, a história de milhares, já possui centenas de edições, milhões de exemplares em todo o mundo e, entre nós, várias versões de formatos impressos. Gen inspirou inclusive a composição de uma ópera. 

Desde que conheci a primeira publicação (em 4 volumes) me apaixonei pela história, e, reconhecendo o altíssimo teor dramático, identifiquei ali um conteúdo próprio para o teatro e, claro, para a ópera. Quase que ao mesmo tempo, soube numa nota que Gen inspirara filmes, programas de televisão e - pasmem - uma ópera. Durante 16 anos, busquei as partituras sem sucesso. Sempre comentei com pessoas próximas que isto precisa ser olhado, ser encenado, que o teatro precisa dar uma resposta a esta ameaça absurda. Finalmente, em 2014, com a ajuda de uma amiga (*) consegui finalmente "falar" com o compositor Hiroshi Hoshina que, simpático, me enviou as partituras da ópera (criada em 1981, com libreto de Takanori Shimizu) e uma cópia da versão encenada da ópera. O maestro Hiroshi se dispôs a auxiliar no que fosse necessário para materializar o projeto de encenar Gen no Brasil, mas, apesar dos esforços de dois ou três anjos da guarda, não foi ainda desta vez que veremos este título por aqui, por exemplo com cantoras como Eiko Senda e Massami Ganev - naturais participantes pela origem e pela excelência vocal - entre outros tantos cantores brasileiros que poderiam compor este elenco. Talvez num futuro próximo. 

As reflexões sobre este triste episódio da história humana não pararam por aqui, entretanto (nem mesmo o desejo de montar a ópera). 

Precisamos ter a consciência da necessidade de paz. O mundo precisa de paz. Precisamos traçar caminhos com urgência para evitar que estes absurdos aconteçam novamente. Se olharmos tudo o que aconteceu até aqui e a força com que os regimes totalitários proliferaram no século XX, não podemos descansar. Bastaram 45 segundos entre apertar um botão e exterminar, de imediato, 80.000 pessoas, alguns simplesmente evaporados pela força aterradora do artefato. Mais de 150.000 morreram nos dias que se seguiram. Milhares sucumbindo pela dor, com sede, fome, com as peles se soltando do corpo, vagando ensanguentados pelas ruínas da cidade. Até hoje não se sabe ao certo quais os efeitos reais naquela população e os números, absurdos em si, variam para outros números ainda mais absurdos. 

A bomba, com cerca de 60 quilos de urânio, recebeu o carinhoso apelido de Little Boy. 

No dia 9 de Agosto de 1945, era jogada a segunda bomba. Desta vez, com plutônio e com o nome de código Fat Man. Era para ser Kokura, mas detalhes técnicos, anteciparam a ação para a cidade de Nagazaki. Daqui há três dias, os japoneses também chorarão os mortos de Nagazaki. 

Foi realmente necessário? Os equívocos de ambas as partes levaram a um resultado que melhorou a humanidade? Ou passamos a viver (conviver) com este monstro terrível que cumpre qualquer ordem e mata milhões com o dedo indicador? Que pessoas são essas que tiram vidas com um estalar de dedos? Qual o sentido de tudo isto?

A arte precisa refletir sobre este estado de coisas e, no Brasil, é necessário que estas discussões façam parte das agendas, mesmo porque sem exercitarmos esta, como conseguiremos ampliar a nossa autocrítica aos nossos próprios equívocos?

Cleber Papa

(*) mantenho-a incógnita por respeito à sua privacidade.

Fonte: http://www.blogdocleberpapa.blogspot.com.br/

Comentários

  1. Parabéns pelo belo texto. Seria maravilhoso vermos a ópera "Bareffot Gen" encenada no Brasil. No youtube tem um trecho:
    As duas bombas atômicas mataram cerca de 600 mil pessoas. Sem querer diminuir o nível de gravidade dessa tragédia, é bom também sempre recordarmos que houve outra tragédia praticada pelos nazistas que mataram milhões de pessoas. Enquanto está difícil montar "Bareffot Gen", bom seria, neste momento em que grupos neonazistas, golpistas, fascistas colocam as manguinhas de fora no Brasil, montar mais vezes minha ópera OLGA, para mostrar às novas gerações em que resulta a prática da discriminação, do racismo e do extremismo de direita em geral.

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  2. Meu caríssimo Antunes,
    Olga precisa ser feita e refieta, interpretada e reinterpretada. Você precisa fazer mais. Sem este caminho não se reafirma a sinergia entre arte, identidade e cidadania. Abraço forte.

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