DON PASQUALE : NOVOS TEMPOS NA ÓPERA CARIOCA. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



Quase ao findar do ano, a inédita temporada de óperas do Theatro Municipal começa com uma inusitada surpresa na exponencial montagem de Don Pasquale, de G. Donizetti, sob a direção  de André Heller Lopes.

Em época de parcos recursos , nada mais acertado que o uso da criatividade. Enfim, adota-se um critério que deveria ser quase regra , a troca de produções com outros teatros, ao lado do investimento em novas criações.

Assim, se tornou possível  a perspectiva de quatro óperas em menos de três meses, um fato de já longa  raridade na produção lírica do TM. E ,ainda, com uma proposta inovadora de repertório que reúne dois exemplares da melhor tradição ( Donizetti e Mozart), ao lado de óperas brasileiras( Menina das Nuvens e Menino Maluquinho).

Com outro grande lance de dados, a valorização do artista lírico nacional, no lugar de se gastarem fortunas com intérpretes de fora, em boa parte não tanto representativos da mais refinada cena internacional. Méritos devidos a um promissor comando do recém empossado presidente do Municipal, João Guilherme Ripper, também um exímio compositor de óperas brasileiras.

Preciosidade absoluta do gênero ópera "buffa", Don Pasquale prima por uma outra característica que a torna muito singular, seu referencial com a  "commedia dell'arte" que inspira a origem narrativa de  seu libreto. As artimanhas do Dr. Malatesta (Homero Velho) contra um velho solteirão maníaco, Don Pasquale( Sando Christopher), fazem com que este desista de suas pretensões amorosas por Norina (Ludmila Bauerfdeldt), levando-a às núpcias com o apaixonado Ernesto (Luciano Botelho).


Obra da maturidade de Donizetti, revela em sua partitura uma virtuosidade e um frescor melódicos que a tornaram exemplar pelo domínio da verve cômica sendo, ao lado do Barbeiro de Sevilha (Rossini), ápices  do gênero  bufo no século XIX. E que a condução do maestro Silvio Viegas foi capaz de manter com equilibrado alcance entre as frases bem humoradas e as nuances melancólicas , presentes desde a introdução, com o solo de violoncelo na  abertura,  às lamentosas árias de amor .

Também o Coro teve seu sensível  brilho nas entradas do terceiro ato , alternando sua presença , entre o palco e a plateia, na envolvência da interativa cena com o público . Quanto ao quarteto protagonista, percebe-se logo a força da performance de um experiente ator/cantor ( Sandro Christopher),  dignos desempenhos  , tanto do tenor(Luciano Botelho) diante do desafio de árias de sutis modulações líricas ( Sogno Suave e Casto) , como nos duetos e quartetos de exigente ligeireza que marcam a atuação do barítono( Homero Velho).

Mas , sem dúvida alguma, a grande presença foi  da soprano Ludmila Bauerfeldt, com a  exuberância vocal e o porte de "prima donna", desde sua primeira "romanza"  ( Quel Guardo il Cavaliere) ao celebrado dueto do  Ato III ( Torna a dir que che  m'ami).

A requintada e funcional  arquitetura cênica (Daniela Taiana) com os belos figurinos sob design dos personagens básicos da "commedia dell'arte"( Sofia Di Nunzio), foi ressaltada pelo adequado sotaque de luzes ambientalistas  ( Gonzalo Córdova / Fábio Retti).

Tudo isto, enfim, dando a merecida visibilidade a um dos melhores trabalhos de um "régisseur" brasileiro( André Heller)  capaz, com sua concepção estética , de despertar a esquecida emoção de um público, carente  da autenticidade de estilo e da verdade documental da Grande Ópera.
Wagner Correa de Araújo

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