PUCCINI E A RELEITURA DE MANON LESCAUT - EM CARTAZ NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CRÍTICA DE FABIANA CREPALDI NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
"As Aventuras do Cavalheiro Des Grieux e de Manon Lescaut" constituíam, originalmente, o sétimo volume da série “Memórias de um Homem de Qualidade”, do Abbé Prévost (1697-1763). Na edição que torna esse volume independente das demais memórias, o abade justifica sua intenção ao escrever história tão indigna de sua posição. Segundo Prévost, o leitor “verá, na conduta de Des Grieux, um terrível exemplo da força das paixões. Vou descrever um rapaz cego à luz da razão, que recusa ser feliz para se precipitar voluntariamente no abismo dos maiores infortúnios (...).” O Abade, segundo argumentava, estava prestando um serviço ao leitor. “Além do prazer que há numa leitura agradável, poucos incidentes se encontrarão nela que não sirvam para a morigeração dos costumes.”
A nobre razão de seu romance, segundo justifica, é exemplificar condutas morais. “Não se pode refletir nos preceitos da moral, sem que tenhamos de pasmar, vendo-os igualmente estimados e aborrecidos, e a nós mesmos perguntamos qual a razão desta incoerência do coração humano, que admira idéias do bem e da perfeição, afastando-se delas na prática”. Segundo ele, a causa de tal contradição “é que não sendo os preceitos da moral mais do que princípios vagos e gerais, será muito difícil aplicá-los na especialidade aos costumes e às ações humanas.”
Justificando-se e explicando-se, termina seu prefácio o piedoso Abade: ”É precisamente para leitores desta ordem que obras como a atual podem ser de extrema utilidade, muito mais, quando escritas por pena guiada pela honra e pelo bem senso. Cada fato narrado é um facho do luz, uma lição instrutiva, que supre a experiência; cada aventura é um modelo, pelo qual nos podemos formar; não falta senão apropriarmo-la às circunstancias em que nos encontremos. Toda a obra é um tratado de moral agradavelmente posta em ação.
“Talvez, algum leitor severo se ofenda ao ver que eu, na minha idade, vou escrever aventuras de amor e de paixão; mas, se os raciocínios que acabo de expor são sólidos, justificam-me; se forem errados, no erro está a minha desculpa.”
Embora, de fato, repleto de moralismo, as picantes “Aventuras do Cavalheiro Des Grieux e de Manon Lescaut”, publicadas em 1731 em Amsterdã, causaram escândalo e foram proibidas na França. Como tudo o que é polêmico e proibido, o sucesso foi tal que os leitores fizeram uso de cópias piratas (sim, naquela época já existia!) para ter acesso á leitura. Mas não foi só por isso que Prévost fez do prefácio uma defesa de suas nobres intenções. Tendo ingressado na ordem dos Jesuítas, abandonou-a após dois anos para seguir carreira militar. Após constatar que a disciplina militar também era rígida, voltou aos jesuítas para, depois, trocá-los pelos beneditinos, tornando-se abade e padre em 1726. Após o escândalo causado por sua produção literária, foi expulso e teve que fugir para a Inglaterra. Também por lá não permaneceu muito tempo. Tendo-se envolvido com a filha de um nobre, da qual era preceptor, fugiu para a Holanda em 1730, onde publicou Manon Lescaut.
Foi tal a popularidade de Manon Lescaut que em A Dama das Camélias (1848), de Alexandre Dumas Filho, que deu origem à ópera La Traviata, Armand Duval, o Alfredo da ópera, presenteou Marguerite Gautier (a Violetta de Verdi), com o livro. Marguerite julgava que “quando uma mulher ama, ela não pode fazer o que Manon fazia.” Após a morte dela, Duval se empenhou em recuperar o livro – e foi assim que teve início a narração do romance de Dumas. Além da citação, nota-se nítida influência de Manon Lescaut sobre A Dama das Camélias. Ambos os romances são narrados em primeira pessoa, a partir da história contada ao autor por Des Grieux e Armand Duval após as trágicas mortes de suas respectivas amadas.Carmen (1847), de Prosper Mérimée, que deu origem à ópera de Bizet, também segue a mesma receita.
A história de Des Grieux e Manon Lescaut do romance é bem mais complicada que a da ópera de Puccini. Como na ópera, o casal se conhece em Amiens (120 km ao norte de Paris), onde Des Grieux, então com 17 anos, havia feito seus estudos de filosofia. Foi na véspera de o nobre cavalheiro regressar à casa paterna que lhe apareceu Manon. “Havia determinado já o dia em que deveria sair de Amiens. Por que não antecipei vinte e quatro horas a minha partida? Se assim o tivesse feito, decerto, ao entrar em casa de meus pais, levaria comigo toda a minha inocência”— lamenta-se Des Grieux, em atitude bastante incoerente para um narrador que, abalado com a recente morte de sua amada, conta sua trágica história.
Após apresentar-se a Manon, o cavalheiro descobre que ela lá estava, vigiada por um criado, a fim de ingressar num convento. “Era contra sua vontade que a mandavam para um convento, sem dúvida para impedir a sua tendência natural para os prazeres sensuais, — tendência que já se havia manifestado e que no futuro causou todas as suas e as minhas desgraças.” Logo, segundo o relato, Manon se encantou com seu novo admirador: “Quis saber quem eu era, e tendo-lhe dito, a sua afeição aumentou para comigo, pois que, sendo duma família plebéia, ficara satisfeitíssima de ter conquistado um amante da minha condição.” Fugiram juntos e, mesmo sem serem casados, acharam-se esposos. “Alugamos um quarto mobilado, em Paris, na rua V... e para minha desdita junto da casa de M. de B..., célebre arrematante das rendas do Estado.” Foi esse vizinho o primeiro caso de Manon. Cena utilizada na ópera de Massenet, Manon comunica ao pai de Des Grieux onde eles estavam morando e combina uma forma de o irmão, auxiliado por criados, ir buscar o filho rebelde. Ela se muda para a cada do rico M. de B..., ao lado, enquanto ele parte para casa, onde o pai o mantém preso. Após saber da traição de Manon, Des Grieux vai para Saint-Sulpice, para virar padre. Já se julgava “totalmente liberto das fraquezas do amor” quando Manon o procura – o que, na ópera de Massenet, dá origem à famosa cena de Saint-Sulpice (https://www.youtube.com/watch?v=88nO8TsCXOk). Des Grieux larga a batina, a vida religiosa, e volta para Manon.
Saint-Sulpice - Paris
Alugaram uma casa em Chaillot, nos arredores de Paris, e um quarto em Paris para passarem algumas noites. Tinham algum dinheiro. Porém, segundo Des Grieux, “não estávamos dispostos a restringir a nossa despesa, pois não era de certo a economia a primeira virtude de Manon, nem tão pouco a minha.” O dinheiro, que logo acabaria, teve seu fim precipitado por um incêndio e roubo. O cavalheiro temeu perder novamente sua amante. Recorreu, assim, a dois personagens. O primeiro foi Lescaut, irmão de Manon que, diferentemente das óperas de Puccini e Massenet, surge no romance apenas nesse ponto. De caráter duvidoso mas bem intencionado, Lescaut sugere que Manon ou ele mesmo busquem renda se prostituindo. Repudiando a sugestão, Des Grieux recorre a seu velho amigo dos tempos de Amiens, Tiberge. O piedoso religioso, que não aparece em Puccini, aconselha, socorre e repreende o desajuizado Des Grieux do início ao fim do romance. É a voz da consciência, das virtudes. Empresta-lhe o dinheiro necessário. Com o auxílio de Lescaut e o dinheiro de Tiberge, Des Grieux faz fortuna com o jogo ilícito. Visita constante, Tiberge o advertiu: “É impossível que as riquezas que servem para alimentar os teus desatinos sejam adquiridas legitimamente — disse ele. — Assim como as alcançaste, do mesmo modo as perderás. A punição mais terrível que Deus poderia dar-te seria a de deixar-te gozá-las tranqüilamente.” Dito e feito. Numa noite em que saíram, todo o dinheiro foi roubado. Teve, aí, início a segunda traição de Manon. Lescaut falou-lhe do rico G... de M..., “velho libertino que pagava com mão larga os prazeres sensuais.” Manon deixa uma carta para Des Grieux, explicando-se, e parte para a aventura com G... de M... . Des Grieux e Lescaut, com o consentimento de Manon, dizendo a G... de M... que Des Grieux era o irmão mais novo de Manon, conseguiram roubar o velho e fugir com Manon. Logo, porém, foram capturados. Des Grieux foi para Saint Lazare e Manon, para o Presídio. Com a ajuda de Lescaut, Des Grieux conseguiu escapar e, conquistando a amizade de M. de T..., filho de um dos administradores do Presídio, libertar Manon. Foram para a casa de Lescaut mas, após problemas com o cocheiro (que poderia denunciá-los) e o assassinato de Lescaut, tiveram que fugir imediatamente para Chaillot. Mais uma vez sem dinheiro. Mais uma vez socorridos por Tiberge.
Enquanto Des Grieux passava os dias em Paris, um velho príncipe enamorou-se de Manon. Um dia ela solicitou ao cavalheiro que não fosse à capital, mas ficasse com ela. Penteou-lhe os cabelos e, quando o príncipe chegou, mostrou-lhe um espelho, falou para ele olhar a si e, depois, olhar para Des Grieux. Esse faceiro episódio foi aproveitado por Puccini.
M. de T... tornou-se amigo de Des Grieux e presença constante na hospedaria em que o casal estava. Certa vez estava jantando com eles quando chegou G... de M..., filho do antigo libertino que os havia enviado à prisão. Como era amigo de M. de T... e da confiança deste, apresentou-lhe o casal e insistiu para que ceasse com eles. O problema foi que G... de M... apaixonou-se por Manon. Como estavam sem dinheiro, mais uma vez ela propôs a Des Grieux o golpe. Disse que passaria um dia com ele para pegar algum dinheiro. Ficou mais tempo, Des Grieux, agora auxiliado por M. de T..., que havia se sentido culpado pelo incidente, conseguiu entrar no palácio que G... de M... havia dado para ela. Prenderam o benfeitor. Pior que na ópera, o que os deteve tempo suficiente para serem presos não foi a ideia de roubar G... de M..., mas a da vingança: Des Grieux deveria cear com Manon à sua mesa e deitar em seus lençóis, enquanto o rico proprietário permaneceria preso por criados subornados até ao amanhecer. Um dos criados avisou G... de M... pai, que foi socorrer o filho e, mais uma vez, enviou o casal à prisão.
O pai de Des Grieux foi socorrer o filho. Após um acordo com G... de M... pai, o nobre cavalheiro foi libertado e Manon condenada a ser enviada para a América. Falhando a tentativa de libertar Manon, Des Grieux decida partir com ela para a América. Antes da viagem, porém, gasta praticamente todo o seu dinheiro subornando os guardas para que pudesse estar um pouco com ela – situação esta aproveitada na ópera.
Uma vez em Nova Orleans – fundada por franceses em 1718 e capital da província colonial francesa de Louisiana – , o casal é bem recebido pelo governador, ganha a estima da pequena vila que se formava e, apesar da simplicidade de sua morada, julga-se no paraíso. Após dez meses no novo mundo, um sopro de virtude faz com que decidam casar-se na Igreja. Des Grieux comunica ao governador que, na verdade, não eram casados e gostariam de se casar. Ao saber disso, o governador, que tinha o poder de dispor sobre as mulheres que chegavam da França, decide que Manon, já que era solteira, deveria se casar com Synnelet, seu sobrinho. Os dois pretendentes disputam um duelo e Des Grieux vence. Ele e Manon fogem em busca do território inglês. Ao cair da noite, as forças de Manon acabam. “Era noite; sentamo-nos no meio duma vasta planície, não tendo encontrado nem uma árvore para nos abrigarmos.” Como na ópera, ela morre. Des Grieux, após alguns dias, é socorrido e retorna à França, onde leva uma vida honesta e virtuosa.
Não há deserto na Luisiana, muito menos perto de Nova Orleans. É uma região quente, de clima úmido e sujeita às enchentes do rio Mississípi devido ao relevo abaixo do nível do mar. Segundo o site do Royal Opera House, Angela Scholar observou, no Oxford World Classics, que a descrição de Prévost da região de Nova Orleans “é determinada mais pelas necessidades psicológicas e emocionais da história do que por um realismo estrito”. Ainda segundo o site do ROH, Michele Girardi, especialista em Puccini, afirma que embora Puccini e seus libretistas já soubessem da inexatidão geográfica da descrição, resolveram mantê-la -- conforme atesta a reprodução do cartaz de estreia da ópera, acima. Para o musicólogo, o deserto era o ambiente ideal para essa mulher que havia decaído graças à luxúria. No raciocínio de Prévost, tal moralismo estaria perfeito!
Parece-nos, contudo, que Puccini e seus vários libretistas foram mais indulgentes com a pérfida Manon de Prévost. Na ópera -- estreada em 1893 no Teatro Regio de Turim --, vemos Manon destinada ao convento pelo pai, sendo entregue a Geronte por Lescaut e convidada a fugir por Des Grieux. Ela opta por essa terceira opção. Depois, Lescaut, que se declara um jogador, faz uma jogada para que a irmã fique com o velho Geronte e ele também disso tire proveito. Ao tornar-se amigo e parceiro de jogo de Des Grieux, Lescaut vai à casa de Geronte e faz reacender a paixão de Manon por seu antigo amante. Leva Des Grieux para ir ter com ela. Ela cede e é presa. Na ópera, Manon é a ingênua moça, apaixonada por um homem também ingênuo (Des Grieux), mas deslumbrada pelas riquezas e belezas parisienses. Longe de tramar traições, como no livro, vai se deixando levar, segundo as jogadas do irmão. Não é a mulher representante do diabo, inimiga das virtudes, mas humana, jovem, inocente.
Manon Lescaut, primeira ópera de Puccini a fazer sucesso, estreou uma semana antes de Falstaff, última ópera de Verdi. Sucessor de Verdi, Puccini também sofreu a influência de Wagner. Para o crítico musical Lawrence Gilman (1878-1939), Puccini faz parte da geração de compositores italianos que soube escrever óperas cativantes do ponto de vista dramático e, no aspecto musical, com a eloquência introduzida por Wagner. Puccini não emprega o sistema de ópera dividida em árias -- que Verdi já havia abandonado. Cada ato tem música contínua, as melodias, muitas vezes curtas, vão se sucedendo sem interrupção, mesmo depois das poucas árias, nunca muito longas, escritas com o intuito de deixar a voz, carregada de emoção, se expressar. Em resumo, música que flui agilmente preenche o espaço onde surgem, com alguma constância, árias com melodia mais dramática e canto mais lírico. Na orquestra, como fica evidente no belo Intermezzo do início do terceiro ato, as cordas têm papel marcante. Durante toda a ópera, com frequência os violinos dobraram o solista. Quanto ao Intermezzo, ele se inicia com o cello, depois viola e violino. A gravidade do pesar de Des Grieux, o fim dos sonhos de juventude, a desilusão... se fazem ouvir nas cordas graves. Nos agudos, a dor pungente, o choro de Manon. Nos momentos de maior agitação, a angústia, a urgência de libertar Manon. No You Tube, a sensível interpretação da Orquestra do Teatro Alla Scala sob a batuta de Tulio Serafin (1957): https://www.youtube.com/watch?v=MAMqUOP1PRM
No primeiro ato da ótima produção em cartaz no Theatro Municipal de São Paulo, quando Manon e Des Grieux se conhecem, o belo cenário de Juan Guillermo Nova foi escurecendo lentamente, dando sutil impressão do passar do dia. No primeiro elenco, a voz de Marcello Giordani mostrou nítidos sinais de desgaste, sobretudo neste início onde predominam médios e graves. Em compensação, Martin Muehler, que com ele se alternou no papel de Des Grieux, foi excelente desde o princípio – e assim se manteve até o fim da ópera. Com voz linda, limpa e poderosa, Muehle levantou a plateia.
Manon Lescaut: cenário do primeiro ato.
Foi sobretudo no segundo ato que, além de bonito, o cenário se mostrou inteligente e introdutor de ideias. Quando Manon está se enfeitando, deslumbrada, na casa de Geronte, ao fundo há uma cortina, remetendo a um teatro. Quando Des Grieux entra e ela comenta que, apesar de coisas belas, é tudo frio, abre-se a cortina e surge uma bela janela onde se vê a área externa branca, com neve. Nesse ato em particular, a direção cênica de Cesare Lievi pareceu um pouco confusa. Em cena, ambos os elencos (a ótima Maria José Siri e Marcello Giordani, Adriane Queiroz e Martin Muehle) saíram-se muito bem no intenso dueto. No You Tube, temos a gravação de Giordani com Karita Mattila (https://www.youtube.com/watch?v=eVPLnWh8rQg) e de Siri com Rafael Davila (https://www.youtube.com/watch?v=x8OmBZDNjkY).
O figurino, assinado por Marina Luxardo, estava de modo geral bonito e harmonioso, não só entre si, mas dialogando com o cenário. Foi, pois, incompreensível a falta de gosto e adequação dos vestidos de Manon. Se o do primeiro ato já não tinha grande graça, o maior problema foi o do segundo, quando a produção quis transmitir todo esse luxo da vida com Geronte. Foi um choque visual aquele traje com tecido grosseiro, que mais parecia camisola sobre estrutura de vestido.
Des Grieux, Lescaut, Geronte e Manon no segundo ato de Manon Lescaut.
No terceiro ato, após o anúncio do nome de Manon entre o das enviadas à América e o dueto em que ela lamentava seu destino, Des Grieux tem um acesso de fúria, tenta protegê-la e diz que dela ninguém se aproximará. Ao encarar a guarda, reconhece a imprudência e a inutilidade de sua atitude. Na bela ária “Pazzo son”, declara-se louco, desesperado. Foi inesquecível a interpretação de Marcello Giordani, na estreia. Com a voz ainda em plena forma, pode ser conferida no You Tube: https://www.youtube.com/watch?v=xEheCec3cAw. Embora seja este um pequeno detalhe, peca o cenário no final desse ato. Após Manon e Des Grieux terem se juntado para entrar no navio rumo à América, para povoar território francês. Estava o casal partindo para o mar. Dão as costas para a plateia e seguem na direção de um painel onde há um deserto.
À luz do sentido do deserto, acima discutido, e da constatação de que Puccini foi mais indulgente com Manon e menos moralista que Prévost, pareceu-nos bastante inadequada a concepção de Cesare Lievi e Juan Guillermo Nova para o último ato, segundo a qual Manon morre nas ruínas de seu passado. Além de certo tom moralista, de castigo, com as ruínas da casa perdeu-se aquele ambiente de vazio, de nada, que dá força ao final da ópera e à sua principal ária, “Sola, Perduta, Abbandonata” -- que coroou a magnífica atuação da soprano Maria José Siri (podemos vê-la em uma gravação de 2014, em Valência: https://www.youtube.com/watch?v=pMWix2yzUrM).
Manon Lescaut: terceiro ato.
Ótimo ator, excelente cantor. Foi Paulo Szot que encarnou o jogador, o manipulador Lescaut. Não podemos deixar de mencionar, ainda, o importante desempenho cênico e vocal do coro. No fosso, John Neschling optou por uma interpretação menos leve, mais dramática, da partitura de Puccini. A orquestra deu, mais uma vez, mostra do ótimo nível de qualidade que está atingindo. Quanto a Giordani, embora lamentemos que sua voz não esteja mais nos bons dias, deu-nos uma aula de fraseado italiano.
Se de um modo geral cenário e figurino foram plasticamente bastante bonitos e envolventes, lanço uma questão aos diretores cênicos. Não seria possível, embora desafiador, conciliar beleza, sentido e praticidade? Digo isso por conta do excesso de intervalos, entre todos os curtos atos, que aumentou em 50% a duração do espetáculo: 2 horas de ópera; 1 hora de intervalo. Na estréia, o último intervalo, entre o terceiro e o quarto atos, que deveria ser de apenas 10 minutos, tornou-se o maior de todos. Isso por conta de problema com uma estrutura grande, como grandes portas, que, aberta a cortina, aparecia rapidamente para, logo em seguida, subir e dar lugar ao cenário. Haveria sentido naquilo se a cortina estivesse aberta ou se o ato se iniciasse com um longo intermezzo. Não era, porém, o caso. O resultado foi um número de pessoas saindo nos intervalos superior ao que se esperaria para uma ópera de Puccini.
É interessante de se notar que há certa similaridade entre as estruturas de Manon Lescaut e da ópera que Puccini compôs em seguida, La Bohème. Ambas envolvem jovens e começam com cantos joviais de estudantes, melodias curtas. Após passarem por dramas na relação do casal protagonista, terminam com a morte da heroína, reconciliada com seu amante, em condições adversas. Figuras maliciosas, falta de dinheiro por parte dos jovens e cantos incidentes também estão presentes em ambas as óperas. “Manon Lescaut mi chiamo”, em Manon Lescaut (https://www.youtube.com/watch?v=esoABheVgcA), dá lugar a “Mi Chiamano Mimi”, em La Bohème.
Por uma feliz coincidência, nesta mesma semana em que Manon Lescaut tem suas duas últimas récitas no Theatro Municipal, a rede Cinemarkcomeçará a exibir La Bohème, gravada em junho no Royal Opera House (Londres). No papel de Mimi, a diva Anna Netrebko surpreende a nós que julgávamos que sua voz já estava demais pesada para o papel. Ao contrário, ela brilha, com interpretação intensa e comovente, sobretudo no terceiro ato, quando procura o amigo Marcelo para falar sobre o fim de sua relação com Rodolfo. La Bohème estará nas salas da redeCinemark quinta e terça feiras (10 e 15 de novembro) às 18:30, sábado (12/09) às 12:30 hs e no domingo (13/09) às 15:30hs. Informações: http://www.cinemark.com.br/royal-opera-house/la-boheme .
Fabiana Crepaldi
PS: Após apreciar uma bela obra de arte e comentar sobre sua ótima execução, faz-se necessária uma última e lamentável observação de ordem prática. Findo o espetáculo, aqueles que estavam no Foyer foram impedidos de descer para o térreo pelas escadas laterais do teatro, únicas que têm corre-mão. Era permitido apenas o uso dos pequenos e frágeis elevadores, que mal dão conta dos impossibilitados utilizar escadas, e da escadaria principal, sem corre-mão. Desse modo, ficou impedido alguém que tivesse combinado com uma pessoa sentada no Balcão Nobre de ir lá encontrá-la e, pior ainda, o público foi exposto ao risco de se amontoar na congestionada escadaria principal sem nem ter onde segurar. Justificativa? Diminuir a circulação de pessoas. Pergunto-me se a mente brilhante que teve tal ideia percebeu que as escadas laterais estão exatamente ao lado dos elevadores, dando acesso ao mesmo local. Suponho que liberar as escadas para zelar pela comodidade e segurança do público seja medida de melhor resultado.
Fotos Internet.
Fabiana parabéns pelo seu brilhante artigo, um trabalho de pesquisa que me enriqueceu culturalmente, sempre aguardo seus artigos ansiosamente a respeito das óperas do Theatro Mvnicipal, e certamente irei repetir a edificante leitura.
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