APOTEOSE DA DANÇA OU A MÚSICA PARA SER VISTA. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAÚJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



A clássica teorização do poeta Paul Valery – “la danse c’est une musique qu’on voit” – foi alcançada , com raro brilho, nas duas coreografias sinfônicas apresentadas  - “Age of Innocence” eSétima Sinfonia , pelo Ballet do Theatro Municipal , agora sob a competência profissional de um   dúplice comando artístico - Ana Botafogo e Cecília Kerche.

Outro ponto convergencial do repertorio apresentado foi a herança estética dos dois coreógrafos. De trajetória artística ainda recente , Edwaard Liang com reveladores traços de sua passagem pelo NDT de J. Kylian.  E a marca inventiva e singular da breve obra testamentária  de Uwe Scholtz, sob o signo de sua formação com John Cranko.

E, ainda, um possivel teor referencial sobre o caráter narrativo ou abstrato dos dois balés, não muito elucidativa  na obra de Liang.
A proposta de Edwaard Liang em “Age of Innocence” é sugestionada por duas obras literárias , uma homônima de Edith Warthon e a outra de Jane Austen ( “Orgulho e Preconceito”),pretendendo falar sobre a difícil condição feminina no período vitoriano.

A pontual utilização alternada de temas de Philip Glass e de Thomas Newman,com um apelo mais sinfônico e ecos de score cinematográfico, torna evocativa ,mas sem muita clareza, a temática pretendida por "Age of Innocence”. Completada pelos sugestivos figurinos romantizados de saias longas e  corpetes masculinos, em precisa remontagem de Alexandra Dickson.

A arquitetura coreográfica é desenvolvida para 16 bailarinos com entradas e saídas em grupos, alternada por dois pas de deux de diferentes nuances expressivas, ora mais apaixonado ( Karen Mesquita/Cícero Gomes),ora mais melancólico ( Renata Tubarão/Filipe Moreira),com um mix de marcações neo-clássicas e um dinâmico gestual contemporâneo de formas circundantes.

Mas a envolvência absoluta acontece com o sotaque abstracionista da Sétima Sinfonia. Desde o seu primeiro movimento, com seus inebriantes temas rítmicos ascendentes, mostrando o apurado nível técnico dos bailarinos , com coeso e prevalente elo interpretativo até o poderoso Finale, na cuidadosa retomada por  Roser Muñoz.

Em presenças sempre  destacadas pela unicidade cênica, desde a exigente entrega emotiva nos acordes mais graves  à fisicalidade dos  joviais "arpejos"  dançantes, para terminar no triunfo solene e majestático do Allegro .

A união de uma orquestra afinada , sob a segura direção de Tobias Volkmann, e o refinamento amadurecido da mais importante Cia clássica do país, propiciam, assim,  um privilegiado encontro da música visível  na   dança pela dança, sem perder jamais  sua mais alta autonomia expressiva como linguagem artística. 

Capaz, aqui, não só de justificar o título dado por Wagner  à composição de Beethoven como a “apoteose da dança”, mas extensivo, meritoriamente,  à integralidade desta exponencial  performance do Ballet do Theatro Municipal.

Wagner Correa de Araújo 

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