"RÉQUIEM" DE VERDI, NO MUNICIPAL DE SÃO PAULO.

A história do “Réquiem”, de Verdi, pode dizer-se que começa com um pequeno passo na direção errada.


Nos dias 4, 5 e 6 de novembro, época bastante oportuna pela proximidade do Dia dos Mortos, o Theatro Municipal de São Paulo, apresenta ao público a maravilhosa obra de Verdi, o Réquiem. A regência é de John  Neschling. Os solistas são: Elaine Morais (soprano), Lídia Schäffer (mezzo), Marcelo Vanucci (tenor) e Carlos Eduardo Marcos (baixo).

A Obra
Corria o ano de 1873, o dia 22 de Maio. Alessandro Manzoni, o grande poeta italiano, que conheceu Verdi em 1868, visitava a igreja de S. Fidélio. Ao sair, tropeçou nos degraus da igreja e caiu. Morreu instantaneamente, quando tinha 88 anos de idade. Verdi, sempre um patriota ardente, venerava Manzoni. Este tinha escrito o notável romance, A Esposa Prometida, criando um novo estilo linguístico numa Itália então linguisticamente caótica. Para além disso, Manzoni tinha sido senador na assembleia que tinha declarado o Reino independente da Itália. Manzoni representava assim o ideal de artista e de patriota.
Menos de quinze dias depois, Verdi anunciava a Giulio Ricordi, o seu amigo e editor, as suas intenções de escrever um réquiem em memória do poeta.
Verdi tinha então 60 anos. Era ao tempo o maior compositor de ópera italiano, tendo já criado quase todas as suas óperas, com exceção de Othello e Falstaff. O seu anúncio agitou os círculos musicais e criou muitas expectativas sobre uma obra prima da música religiosa.
No entanto, pode dizer-se que parte do Requiem já havia sido composta. Em Novembro de 1868, morria Rossini, o grande músico italiano. Verdi propôs que o aniversário da sua morte fosse comemorado com uma Missa de Rquiem, para a qual todos os grandes compositores italianos deveriam contribuir com uma parte. Ele próprio escreveria o “Libera me” final. A Missa seria tocada na Igreja de S. Petronio, em Bolonha, cidade à qual Rossini estava intimamente ligado. Todas as partes foram compostas e copiadas em devido tempo, mas a Missa nunca chegou a ser realizada. O empresário local recusou-se a disponibilizar os meios necessários, porque isso implicaria encurtar a sua temporada de ópera.
Em 1871, falou-se em recuperar este réquiem por ocasião da inauguração de um busto de Rossini no Teatro a La Scala de Milão, mas tal não aconteceu porque a composição, no seu conjunto, foi considerada ultrapassada. Entretanto, Alberto Mazzucato, um dos membros da comissão que havia analisado as diversas peças compostas, e Director do Conservatório de Milão, escreveu a Verdi, pedindo aos céus a sua contribuição. Verdi respondeu-lhe que estava quase convencido a concluir um Réquiem seu. O “Libera me” que compôs é praticamente o mesmo que hoje conhecemos, tendo-lhe sido acrescentadas referências ao “Dies Irae” e ao “Requiem aeternam”. Este “Libera me” tornou-se, de facto, a semente que havia de gerar o atual Réquiem.
A morte de Alessandro Manzzoni não veio senão acelerar os planos de Verdi. No dia 25 de Junho, Verdi partiu com sua mulher para Paris, onde começou a trabalhar na obra, que estava concluída no dia 10 de Abril do ano seguinte, 1874, e o próprio Verdi dirigiu a sua primeira récita na Igreja de S. Marco, em Milão, no dia 22 de Maio, primeiro aniversário da morte de Manzzoni.
A recepção do público foi entusiástica e pouco depois o Réquiem conquistava a Europa: 15 representações em Paris, entre 1874 e 1875, 4 em Viena e 3 em Londres. Em Itália, tornou-se tão popular que muitas vezes foi interpretado sem o consentimento do autor, por bandas militares ou em arranjos para 4 pianos. Verdi, que então tentava obter o melhor para a sua obra prima e, de visita a Londres, apenas consentia a sua execução no Royal Albert Hall, dada a excelente acústica desta sala, não podia aceitar o que estava acontecendo. Mas já então o Réquiem não era propriedade sua. Tinha sido adotado por todo o continente.
A opinião geral foi altamente favorável. Brahms considerava que “só um gênio poderia ter escrito tal obra“. Havia, contudo, alguns menos entusiastas. O grande maestro Hans von Bulow chamou-lhe “uma ópera em roupas eclesiásticas” e Wagner teria dito, “é melhor nada dizer...”.
É verdade que o Réquiem tem alguma coisa de operático. Contudo, em boas interpretações, o toque dramático acentua a força da sua composição. Quanto a ser ou não uma verdadeira obra eclesiástica, a questão é bem diferente. Verdi não era propriamente um católico ortodoxo. Alguém ter-lhe-á chamado um cristão agnóstico, senão um não crente. As últimas composições de Verdi apresentam uma tendência para o cromatismo com peculiares variações harmônicas. No Réquiem, estas peculiaridades traduzem bem um sentimento, a dúvida. Esta dúvida toca muitas partes da composição, mas o Réquiem termina sem uma sombra sequer. Esta dúvida existia na alma semicrente do compositor e esteve presente em toda a sua música.
Acerca do Réquiem, Hanslick escreveu. ” A devoção religiosa também varia nas suas formas de expressão, conforme os países e o seu tempo. O que parece ser tão apaixonado, tão sensual no Réquiem de Verdi resulta dos hábitos do seu povo, e os italianos tem todo o direito de perguntar se não lhes é permitido falar com Deus na sua própria língua!”
De entre as muitas composições de Verdi, o Réquiem é normalmente considerada a mais condensada, sem quaisquer pausas ou interrupções operáticas. Os musicólogos dizem ser uma das suas composições mais complexas.
É, certamente, uma das mais belas!


SERVIÇO


Theatro Municipal de São Paulo
Praça Ramos de Azevedo, s/no.
Fone: 11 3397 0327
Dias 4, 5 e 6 de novembro, às 20h.
Ingressos: de R$ 20,00 a R$ 70,00

 http://www.movimento.com/

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