EM MEIO À LAMA DA SAMARCO: UM TESOURO MUSICAL E PATROCÍNIOS INCÔMODOS. ARTIGO DE OSVALDO COLARUSSO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.



A organista Elisa Feixo junto ao órgão histórico de Mariana
Em meio a um dos maiores desastres ambientais do país os noticiários falam à exaustão o nome da cidade de Mariana em Minas Gerais. O tamanho, extensão e as sequelas da tragédia, acontecida no município mineiro, mas que se estende em uma faixa de centenas de quilômetros, oferecem pouco espaço para que pensemos em arte, e a revolta que toma conta do país pelo desleixo e pela indiferença dos responsáveis nos fazem esquecer que em Mariana existe um dos mais importantes instrumentos musicais do país, importância essa que não é só brasileira, é mundial.
Um autêntico órgão Arp Schnitger
Em 1753 a antiga capital de Minas Gerais, Mariana, recebia da coroa portuguesa um órgão que refletia a importância da cidade naquela época. Este órgão foi construído pelo célebre Arp Schnitger (1648-1719), um dos organeiros prediletos de Bach. Comprado pela coroa portuguesa em 1745 foi a princípio pensado como um presente à cidade de Mariana pelo rei Dom João V. Como a morte deste a doação para a cidade mineira foi feita por seu filho, Dom José I. Há uma descrição pitoresca sobre o transporte do enorme instrumento: “…um Órgão grande com sua caixa e talhas pertencentes a ele que chegou em 18 caixões numerados com as advertências precisas para se armar e também em 10 embrulhos grandes e pequenos numerados…”. Este magnífico instrumento chegou ao século XX completamente abandonado sendo que por volta de 1930 não oferecia mais condições de ser utilizado. No final da década de 1970 uma visita inesperada a Mariana do grande organista alemão Karl Richter (1926-1981) deu início a uma ação que viria tornar este instrumento alvo de uma atenção internacional. Levado para Hamburgo, cidade onde Arp Schnitiger foi muito ativo durante sua vida, permaneceu por alguns anos em reforma pela firma Beckerath. Em 1984 o órgão voltou a entrar em atividade na cidade de Mariana, e acabou sendo novamente reformado em 2002. Vale lembrar que além da qualidade excepcional do instrumento sua varando foi originalmente idealizada por Manuel Francisco Lisboa, o pai do famoso Aleijadinho. Este instrumento é o único órgão Arp Schnitger fora da Europa e sua autenticidade foi provada por um outro instrumento, uma espécie de gêmeo, que se encontra na cidade de Faro, em Portugal, mas ao contrário deste instrumento que foi bem modificado pelo organeiro italiano Caetano Oldovini em 1767, o de Mariana apresenta, especialmente depois da última reforma, uma sonoridade bem mais autêntica. Um nome associado a esta maravilha é o da mais importante organista brasileira, a paulista Elisa Freixo. Elisa, além de atuar em incontáveis apresentações e palestras na própria igreja, gravou alguns Cds que são de uma qualidade e de uma importância inquestionáveis. Elisa atualmente está morando em Tiradentes, onde cuida de outro órgão histórico. Atualmente, quando a lama assim o permitir, Mariana poderá assistir apresentações de outra organista residente, a portuguesa Edite Rocha, que deverá dividir as apresentações com a organista brasileira.
O fotógrafo Sebastião Salgado na abertura de uma exposição em Londres patrocinada pela Vale
Patrocínios incômodos, política que perturba
Além do descaso das mineradoras como a Samarco (controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton) as cidades históricas de Minas sofrem por suas desastrosas administrações. Mariana, por exemplo, teve nada menos do que sete prefeitos em cinco anos. Nenhum dos três últimos eleitos conseguiu concluir o mandato. Isso atrapalhou demais a captação de recursos públicos, mesmo aquele para restauro e manutenção do patrimônio histórico, inclusive da Catedral de Mariana. Isso faz com que a cidade dependa, em todas as áreas, de forma acentuada da arrecadação das mineradoras. Ouro Preto, Patrimônio Cultural da Humanidade (Unesco) sofreu por anos com a poluição provocada pela Alcan (que posteriormente mudou de nome para Novelis) e os prefeitos sempre defendiam as indústrias poluidoras defendendo a arrecadação do município. Para sorte da cidade, as indústrias de alumínio diminuíram drasticamente suas atividades, e consequentemente a poluição, não por ingerência dos políticos, mas sim porque produzir alumínio no Brasil tornou-se economicamente inviável. A gigantesca Vale, ex Vale do Rio Doce, empresa cuja privatização foi muito contestada no final do século passado, demonstrou sua verdadeira face no recente desastre ambiental ocorrido em Minas. Seu esforço contínuo de aparentar uma empresa “consciente” e “preocupada com o meio ambiente” foram pode-se dizer “lama abaixo”. Estrela máxima do marketing da mineradora é o renomado fotógrafo Sebastião Salgado, profissional a serviço da empresa há décadas. No que se refere à música clássica a Vale foi por muitos anos a principal patrocinadora da Orquestra Sinfônica Brasileira, e ocupa destaque entre os patrocinadores da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Não tem como deixar de sentir um certo incômodo nestes patrocínios. Escaparmos de um suporte financeiro de uma indústria de armas não é difícil, mas o que fazer frente a uma empresa que constrói uma imagem falsa de ética?
Osvaldo Colarusso.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/falando-de-musica

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