DILEMAS CONTEMPORÂNEOS DA CULTURA PARTE VII: THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO, REFLEXÕES E DESFALQUE DE 18 A 20 MILHÕES. ARTIGO DE CLEBER PAPA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.


Máscaras " A ópera em São Paulo hoje - por CP
(*) extrato de Hamlet, de William Shakespeare, em tradução de Bárbara Heliodora (in memoriam)



Reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa a acusação de desfalque de R$18 ou R$20 milhões do orçamento do Theatro Municipal amplamente difundida pelos veículos de comunicação em reportagens recentes. Qual a sua origem, seu significado e efeitos na percepção pública da nossa categoria?
Parte VII

Cheguei ao fim (?) destas primeiras reflexões. Sem concessões. Hora de ler e reler. Eventualmente, acrescentar, modificar um ou outro detalhe. Mas em outro texto, porque estes precisam ficar como estão. 

Em algum lugar deste blog já mencionei T.S. Eliot, George Steiner e Mario Vargas Llosa, autores de pensamentos críticos acerca da Cultura. De Steiner, tomo emprestado que "não é uma jogada retórica insistir que estamos em um ponto no qual os modelos da cultura e dos acontecimentos anteriores são de pouca ajuda... No máximo podemos tentar por em evidência certas perplexidades". A observação de Steiner sobre o título do seu próprio ensaio também serve para o meu propósito nestas considerações: mesmo a frase "reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa..." é ambiciosa demais e talvez haja apenas esperança neste pequeno exercício.  

Infelizmente, esta vulnerabilidade a que se expos o Theatro Municipal não é responsabilidade nem prática esperada dos profissionais de ópera e teatro no Brasil. Pelo contrário, tenho orgulho de pertencer a um grupo de profissionais que é sério, responsável, preocupado com o bom uso dos recursos públicos, que possui uma visão apaixonada sobre sua atividade, mas uma visão pautada no compromisso com o público, com a difusão, com a formação. 

Sem pieguices, estou entristecido, com esta história toda. Uma melancolia impotente ao perceber a evidência de certos fantasmas perenes e intoleráveis. Triste. 

É da natureza do ser artístico certo distanciamento para melhor observação da realidade. Se tomamos partido aqui ou ali, essencialmente queremos à nossa maneira ser críticos de nós mesmos e mostrar isto para quem nos vê. 

Alguns de nós temos a dimensão exata de que não há dinheiro que pague a cultura que não tenha como origem aqueles que nos assistem. A origem dos nossos recursos é o próprio ingresso ou os impostos que direta ou indiretamente financiam a atividade cultural. É a este grupo que pertenço: aos artífices da cultura e aos que também modestamente pagam a cultura.

Por isto tudo, não posso, não podemos, aceitar passivamente fatos como estes que se repetem, repetem, repetem em maior ou menor escala e que se agravam com o passar do tempo. Estamos vivendo um momento novo. Hora em que precisamos mudar o verbo de "ouvimos falar" para "sabemos que". 

Para o bem da Cidade, do público, da manutenção da confiabilidade no que fazemos, precisamos obter respostas rápidas dos organismos que se debruçam sobre o tema. Mas também temos que dar respostas rápidas. 

Não podemos carregar sob nossos nomes o estigma de sermos criadores de um gênero caro, impagável, irresponsável com os números, quando sabemos que existem no Brasil todas as condições técnicas e criativas para se desenvolver a ópera de maneira saudável financeiramente e de se criar em níveis de excelência, com custos menores, inclusive com artistas estrangeiros compondo equilibradamente parte do elenco. 

Não tenho escrúpulos ao dizer que não aceito ser avaliado por patrocinadores, por gestores, muito menos pelo público, sob esta régua. Por esta razão, tomo como certo o famoso verso de Hamlet que ilustra este post. 

Precisamos, sob o risco de não termos o que escrever sobre nossa própria história recente, urgente reavaliação do que consideramos correto, adequado e desejável para nossas vidas e caminhos profissionais. 

Nós, até aqui, definitivamente, não fizemos o melhor que sabemos fazer. Basta olharmos os programas dos teatros de ópera e observarmos os nomes que estão fora deste circuito redutor e perverso criado, em que comemoramos três quando já fizemos quinze. Quantos bons regentes, quantos bons cantores, quantos bons diretores, quantos bons cenógrafos, quantos bons figurinistas, quantos bons iluminadores, quantos bons gestores, quantos bons estão em suspensão numa bolha cataclísmica? 

Se todos não percebermos que a lógica em curso não interessa à nossa atividade e não agirmos rápido para convencer aqueles que nos financiam que estamos  na contra-estratégia do desenvolvimento cultural, estaremos prestando um desserviço às nossas mais óbvias expectativas

Cleber Papa

Fonte: http://blogdocleberpapa.blogspot.com.br/

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