DILEMAS CONTEMPORÂNEOS DA CULTURA PARTE III: THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO, DESFALQUE DE 18 A 20 MILHÕES , ORIGENS , SIGNIFICADO E EFEITOS NA PERCEPÇÃO PÚBLICA. ARTIGO DE CLEBER PAPA NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
Máscara "A ópera em São Paulo hoje"- por CP
Reflexões sobre as consequências e as inconsistências do que representa a acusação de desfalque de R$18 ou R$20 milhões do orçamento do Theatro Municipal amplamente difundida pelos veículos de comunicação em reportagens recentes. Qual a sua origem, seu significado e efeitos na percepção pública da nossa categoria? *
Parte III
As atuais denúncias públicas de desvios de dinheiro feitas pela Controladoria Geral do Município e do Ministério Público Estadual são muito ruins para o Theatro Municipal de São Paulo (TMSP). Como se trata de uma atividade realizada coletivamente, não dá para imaginar que os supostos desvios sejam calculáveis como probabilidade sujeita a variáveis aleatórias independentes, mas como resultado de mecanismos interdependentes.
Quem decide custos, negocia contratos, define elenco com agentes e produtores, não participa, não sabe dos processos de contratação como foi dito nos veículos de Comunicação?
Como assim? Um diretor artístico de qualquer teatro do mundo tem a responsabilidade – a obrigação – sob pena de ser dito incompetente e incapaz – de conhecer os custos que o teatro está pagando. Para isto, além das atribuições diretas, possui uma equipe que trabalhando sob normas, lhe oferece, na melhor dos modelos, alternativas confiáveis. É sua responsabilidade decidir o que será feito e até dizer quanto está disposto a pagar para ter este ou aquele resultado. Não se trabalha numa ilha criativa imaginando que tudo dá. É dá função trabalhar sob pressão de custos, fazer mais com menos, planejar, desenvolver, criar, negociar.
E não atribuam incapacidade de gestão a tamanho de ego. A ópera já teve, no passado, alguns poucos casos de ególatras possessos que relativamente deram certo. Claro que isto, no passado.
Não venham dizer que para fazer alguma coisa é preciso ser controverso, provocativo ou outros adjetivos desta natureza. Para ficarmos apenas na ópera, se usarmos esses adjetivos para alguns gestores, parodiando Suassuna, que adjetivo usar para aqueles que realmente têm feito a diferença nos seus teatros em outros países? Aqueles que além de provocação e controvérsia criativa, atuam com austeridade e rígido controle orçamentário, em situações de crise econômica, social e politica e, produzindo como nunca, sabendo que ampliar a ação cultural é desejável e necessário quando as ameaças à sociedade são visíveis.
Temos que gritar no meio da arena: “Estamos no século 21”!
Como nos satisfazermos com um modelo que transforma um Teatro Monumento em algo circunscrito a pouco mais que uma ou duas quadras no centro da cidade, incapaz de ampliar suas possibilidades, de atender a missão de Estado servidor que um equipamento desta dimensão possui? Não é disfarçando sua ação com meia dúzia de bons cantores fazendo o melhor de si num terminal de ônibus que se fará isto. Está errado.
As matérias recentes, com anúncios de reduções e retomadas de temporadas, com menções de orçamentos diferentes, com projeções de custos inconsistentes entre si, não soam como algo sério, ou que deva ser levado a sério.
Não é possível imaginar que – transformados em fontes – os jornalistas responsáveis pelas matérias publicadas até aqui não sejam sérios e capazes de reportar corretamente o que ouviram. Estou com eles nisto e não acho aceitável que se atribua a especulação da mídia qualquer questão que contrarie os desejos pessoais dos envolvidos. Garanta-se sempre o direito de defesa - isto é inabalável, mas preserve-se a liberdade de investigação e de opinião, principalmente numa questão tão delicada e sensível para milhares de profissionais em todo o país. Ah, sim. A ópera possui no Brasil mais de 5.000 pessoas potencialmente envolvidas direta ou indiretamente na formação, criação e produção. É pouco. Por enquanto.
O orçamento do TMSP divulgado gira em torno de cento e tantos milhões de reais, um número que não é preciso e variou conforme o aumento da crise econômica e alterações entre a expectativa x captação real de recursos via leis de incentivo. Na última versão, simultaneamente à venda de assinaturas, foi anunciado que a temporada de 2016 terá apenas 3 novas produções de espetáculos e uma reposição. Para quem não sabe, reposição é a retomada de uma produção pronta do passado e sua reapresentação na nova temporada. Como em 2015, antes do comunicado do desfalque, houve cancelamento de apresentações tendo problemas de orçamento como justificativa, a situação é agora mais grave.
Cleber Papa
Fonte: http://blogdocleberpapa.blogspot.com.br/
(*) Quando comecei este blog há alguns anos, publiquei na apresentação que "entre outras coisas, escrevo sobre Cultura. Sempre que possível, ponho em discussão temas gerais da atividade cultural, estimulando a discussão sobre a Cultura erudita e os mecanismos de alfabetização para as artes. O foco profissional é a Ópera, a Música Erudita, o Teatro e a Difusão Cultural. Acredito na convergência entre as artes, na independência de pensamento, no diálogo, na negociação franca, na liberdade de expressão, no Estado franqueando direitos sociais e políticos, no direito universal de escolha do cidadão e particularmente na decisão de quais artes são de seu interesse. Busco estabelecer parcerias com as mesmas sensibilidades. Sempre com Rosana Caramaschi, companheira inseparável e norte verdadeiro. Meu blog comemora Carlos Gomes sem o exagero do fã-clube, mas como referência da universalidade da cultura."
Não mudei a disposição original e, revendo algumas coisas escritas há tanto tempo, são raras as vezes que identifico coisas que mudaria se reescrevesse no mesmo contexto. Infelizmente, vários desabafos e "previsões" se concretizaram. Mas, tem sido um delicioso exercício, apesar de não haver tempo para a regularidade diária como gostaria. Gosto dos "Carlos Gomes no mapa do Brasil" e continuarão firmes. Já os "Dilemas" sempre foram as colunas mais representativas para mim. Chegamos ao número 100. À primeira série de 100. Espero fazer mais. Só lamento que o número 100 tenha sido motivado pelo epicentro de um problema tão grave.
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