NO ME DIGAS QUE NO : DANÇANDO PALAVRAS. CRÍTICA DE WAGNER CORREA DE ARAUJO NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
São muitos os dimensionamentos possíveis entre o realismo mágico e a dança contemporânea. E ,sem dúvida , é a obra de Gabriel Garcia Marquez um transubstancial elo inspirador para a criação coreográfica.
Nela, o sentido sensorial das imagens oníricas, no seu livre pensar conceitual, rompe o sentido de tempo e espaço, abstração e realidade. E suas situações ficcionais conduzem, assim, a inimagináveis soluções coreográficas.
Mas boa parte destas incursões da dança pela obra de Garcia Marquez, o mistificador mor do realismo fantástico, não consegue escapar do mero caráter narrativo , numa exacerbada exploração da marca nativa de seus personagens.
Foi o que a Renato Vieira Cia. de Dança evitou, buscando um outro e mais instigante caminho na sua transfiguração do universo literário de Gabo ( nominação afetiva do escritor colombiano).
Na titulação da proposta , No Me Digas Que No , seu mentor, Renato Vieira, já alcança seu diferencial estético, deixando aberto para o leitor/espectador de Gabo,a sua própria apreensão/reflexão sobre palavras literárias abstratas sendo desenhadas, visivelmente, na cena coreográfica.
Como uma “ work in progress” , esta obra aberta , com suas zonas de sombra e claridade, simbolismo e veracidade, transparece em movimentos , ora enérgicos ora líricos, entre solos, duos paralelos e conjuntos. No exponencial desempenho de Soraya Bastos, Fabiana Nunes, José Leandro , Tiago Oliveira e nas ocasionais entradas de Bruno Cezario.
Os sutis referenciais da tessitura ficcional de Garcia Marquez despontam, às vezes, em vozes abafadas e distanciados rumores sonoros de sinos e de animais domésticos, possíveis ecos de uma telúrica Macondo.
As interferências musicais aparecem e desaparecem, em meticulosas pausas de silencio e respiração dos bailarinos, ora na solarização( luzes de Binho Schaefer) de um deserto mexicano. Onde Bruno Cezario( também, nos figurinos e trilha sonora) potencializou parte significativa do imaginário coreográfico.
Ou nas duplas configurações de relações afetivas de casais , entre cumplicidade e solidão, em expansivos deslocamentos físicos e preciosa artesania na gesticulação de pés e braços.
Se, por vezes, a insistência na interrupção do score musical é quase incômoda no sequencial do espetáculo, há um desdobramento para momentos mágicos.
Como a projeção de identificação e transferência (literatura>dança/palco>plateia), da essência coreográfica, em estado puro , no dialético solo final de Bruno Cezario.
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